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A ação do PL, do PP e do Republicanos no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar garantir a validade da lei que estabelece o marco temporal das terras indígenas usou o caso da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e a mudança "radical" de entendimento do Supremo sobre o tema como bases para sustentar sua argumentação.
A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87 foi apresentada ao Supremo na última quinta-feira (28), antecipando uma judicialização por parte do governo após a derrubada de vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um projeto de lei que tramitava no Congresso.
A lei que estabelece que novas reservas só poderão ser demarcadas em áreas que já eram ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988 foi aprovada no dia 14 e promulgada em 28 de dezembro. Ela dificulta a criação de novas reservas com base em laudos antropológicos que têm sua validade questionada frequentemente na Justiça.
A ação dos partidos de oposição destaca uma “controvérsia judicial”. Ou seja, para justificar a ação judicial, os seis advogados que assinam o pedido ao STF argumentaram que decisões do Judiciário e do Legislativo tem gerado “ampla e deflagrada discussão em relação à validade da lei”. Isso porque o próprio STF já havia decidido contra a tese do marco temporal neste ano.
A ADC 87 será relatada pelo ministro Gilmar Mendes, que não tem prazo para decidir sobre o caso. A ação requer a declaração de plena validade da lei do marco temporal e que sejam requeridas informações à Câmara, ao Senado e à Presidência da República sobre o tema.
Entre os argumentos apresentados na ADC 87, estão os parâmetros fixados pelo STF no julgamento do caso “Raposa Serra do Sol”, que teriam sido incorporados na lei do marco temporal.
A reserva Raposa Serra do Sol é uma das mais polêmicas do país por ter sido palco de conflito entre indígenas, produtores de arroz, pecuaristas e garimpeiros. O governo Lula, aparado pelo STF, promoveu a demarcação da reserva e expulsão dos não indígenas. Mas, como a reserva fica na feixa de fronteira, a demarcação da reserva criou uma área vulnerável a ameaças externas à soberania do país.
Este julgamento, que iniciou em 2008 e foi encerrado somente em 2018, culminou em uma decisão que elencou 19 condicionantes para o usufruto de terras pelos indígenas, além de fixar a tese do marco temporal.
Na ação, os advogados argumentam ainda, que em ação posterior, "surpreendentemente e sem motivo aparente", o STF decidiu por rever o entendimento, durante o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365/SC, que ocorreu em setembro deste ano e ficou conhecido como "julgamento do marco temporal".
Ação elenca 16 pontos para garantir constitucionalidade do marco temporal
Ao todo, a ADC 87, em defesa do marco temporal, conta com 16 pontos que a fundamentam. O documento menciona, entre eles, a “alteração radical da jurisprudência do STF”.
No entendimento dos partidos, a jurisprudência fixada no caso “Raposa Serra do Sol” se consolidou no Poder Judiciário e no próprio STF, tendo servido de base e de precedente para inúmeros outros julgamentos.
No entanto, após a decisão, o Congresso Nacional teria sido “surpreendido com o encaminhamento que o STF deu à questão em fevereiro de 2019”. Na ocasião, o então relator do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365/SC, ministro Edson Fachin, submeteu o processo ao regime de repercussão geral. “A decisão pela existência de repercussão geral indicava surpreendentemente a possibilidade de revisão radical de jurisprudência já consolidada e em assunto muito sensível”, destaca a ação.
Na ADC 87, os advogados argumentam ainda que decisões do STF no Recurso Extraordinário 1.017.365/SC "romperam em definitivo com o princípio da segurança jurídica".
Além disso, a ADC sustenta a decisão do Congresso Nacional sobre o marco temporal. "A decisão constitucional e política do Poder Legislativo em matéria de regulamentação do art. 231 da Constituição Federal, especialmente nesse cenário descrito, é soberana", destaca o texto da ação.
Em setembro, a Corte rejeitou a tese do marco temporal, por meio do Recurso Extraordinário relatado por Fachin. Após a decisão do Supremo, deputados e senadores se mobilizaram para aprovar o tema, defendendo que os ministros tinham invadido a competência do Legislativo ao decidir sobre o marco temporal.
A proposta foi aprovada pelos parlamentares no final de setembro. No dia 20 de outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou parcialmente o projeto, argumentando, entre outros motivos, que os pontos vetados seriam inconstitucionais. Já em dezembro, o Congresso Nacional derrubou os vetos e acabou por promulgar a lei, diante da recusa do presidente Lula de fazê-lo.
Nesta sexta-feira, conforme já esperado pela oposição e contrariando um acordo fechado pelo governo, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o Psol e a Rede Sustentabilidade também entraram com ação no STF para derrubar a lei do marco temporal.