Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Oriente Médio

Reação do governo Lula ao ataque do Irã desagrada Israel e afasta Brasil das democracias ocidentais

Lula e Mauro Vieira - Brasil - Israel - Irã -
Lula e o ministro Mauro Vieira, das Relações Exteriores. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Ouça este conteúdo

O Itamaraty voltou a causar descontentamento ao governo israelense ao evitar condenar os ataques do Irã. Para Israel, a nota divulgada pela pasta foi insuficiente para a dimensão dos ataques cometidos pelos iranianos. Especialistas avaliam que a declaração volta a mostrar um afastamento do Brasil em relação a países do Ocidente, além de aumentar o ruído diplomático com Israel, diante dos atritos dos últimos meses.

Na nota em questão, o Itamaraty diz apenas que “acompanha com grave preocupação” os ataques feitos pelo Irã contra Israel. No último sábado, o Irã fez um ataque com cerca de 300 drones e mísseis contra Israel, mas o sistema de defesa aéreo israelense interceptou 99% dos projéteis. Foi o primeiro ataque dessa natureza do Irã contra Israel, conforme afirmou o embaixador do país no Brasil, Daniel Zonshine.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Zonshine lamentou a ausência de uma condenação por parte do Brasil aos ataques sofridos pelo país. "O Brasil não condenou [os ataques do Irã contra Israel], não sei se quiseram esperar o que poderia acontecer... Mas, desde o início, após as primeiras informações sobre o ataque do Irã contra Israel, a expectativa era de que o anúncio do Itamaraty fosse de condenação", lamentou Zonshine.

O chanceler brasileiro Mauro Vieira disse nesta segunda-feira (15) que a nota foi escrita no começo dos ataques no sábado, quando o Itamaraty ainda não sabia a real extensão dos ataques. Mas, ao ser questionado se acrescentaria algum posicionamento agora que sabe da magnitude do bombardeio, ele afirmou que o Brasil condena qualquer ato de violência.

No caminho oposto do G7, posicionamento do Brasil foi parecido com China e Rússia

Para especialistas, a postura do Ministério de Relações Exteriores volta a evidenciar um afastamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do Brasil de países do Ocidente. Os países que formam o G7 (grupo formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Reino Unido e Japão) e a União Europeia foram categóricos ao condenar os ataques.

Por outro lado, países como China, Rússia e até mesmo a Venezuela, ditaduras que Lula tem sido acusado de manter uma aproximação preocupante, se posicionaram de forma parecida com a do Brasil. Por meio de suas declarações, Pequim e Moscou afirmaram que estavam "acompanhando com preocupação" a situação no Oriente Médio e pediram "contenção" do conflito.

"A nota [publicada pelo Itamaraty] não segue o ditame constitucional que baliza as relações internacionais do Brasil, principalmente no que toca o repúdio ao terrorismo", avalia Cezar Roedel, doutor em Filosofia pela PUC-RS e mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O especialista ainda avalia que a postura adotada reflete uma visão equivocada do mandatário brasileiro de que o Brasil pode ser líder do "Sul Global". "No fim, significa que o governo é apenas um peão no tabuleiro geopolítico de autocracias, que inclusive querem substituir o dólar e o regime ocidental", pontua Roedel.

Dois pesos, duas medidas?

No início do mês, o Itamaraty adotou uma postura diferente do último sábado e condenou os ataques sofridos pelo consulado do Irã em Damasco, na Síria. “O governo brasileiro condena o ataque aéreo, em 1º de abril, contra o consulado da República Islâmica do Irã em Damasco, na Síria”, escreveu a chancelaria brasileira em nota publicada dois dias após os ataques.

Os ataques resultaram na morte de dois dos principais generais de Teerã e cinco outros assessores militares do país. Acredita-se que pelo menos um deles estaria ligado ao treinamento de terroristas em países entrangeiros. A Síria e o Irã acusaram o governo israelense de coordenar os ataques. Israel, por outro lado, nunca assumiu a autoria da agressão. O posicionamento israelense, contudo, não evitou as ameaças do Irã e nem mesmo os ataques do último sábado.

Após a ofensiva, a missão do Irã nas Nações Unidas (ONU), em Nova York, afirmou que a questão com Israel podia “ser considerada concluída”.

Para o embaixador israelense Daniel Zonshine, o ataque "aberto" e com autoria do Irã demonstra uma escalada da relação entre os dois países. “Israel não tomou responsabilidade sobre o ataque na Síria. Não é um caso de ação e reação. São coisas muito diferentes por natureza. O ataque direto do Irã contra Israel é algo totalmente diferente”, disse Zonshine à Gazeta do Povo.

Para os analistas, a situação volta a evidenciar uma postura de “dois pesos, duas medidas” do governo brasileiro para as questões geopolíticas em curso. Nesta segunda-feira, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, foi questionado pela imprensa sobre o tom do posicionamento publicado pela pasta. Em resposta, o chanceler afirmou que posicionamento havia sido feito quando ainda não se tinha “tanta clareza” sobre a dimensão do ocorrido em Israel.

"Ela [nota do Itamaraty] foi feita à noite, às 23h, quando todo o movimento começou. E nós manifestamos o temor de que o assunto, o início da operação, pudesse contaminar outros países. Isso foi feito à noite, num momento em que não tínhamos claros a extensão e o alcance das medidas tomadas; e sempre fizemos um apelo para contenção e entendimento entre as partes", afirmou o chanceler.

Já nesta segunda-feira (15), ao esclarecer qual é o posicionamento do Brasil sobre os ataques, Vieira afirmou que "O Brasil condena sempre qualquer ato de violência e conclamamos pelo entendimento entre as duas partes".

Apesar da nova postura, a Gazeta do Povo apurou com membros do Itamaraty que a pasta não deve divulgar uma nova nota sobre o tema por enquanto, tendo em vista que a situação foi controlada por Israel.

A situação agrava ruído entre Brasil e Israel

Para o cientista político especialista em Israel e Oriente Médio André Lajst, o recente posicionamento pode "aumentar o desgaste das relações" entre Brasil e Israel. Nos últimos meses, alguns discursos do presidente Lula causaram um ruído com a diplomacia israelense - o petista acusou Israel de cometer "genocídio" contra o povo palestino na Faixa de Gaza.

Além disso, o Brasil chegou apoiar uma denúncia da África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça (CIJ), em que o país africano acusou Jerusalém de cometer genocídio em Gaza ao contra-atacar o grupo terrorista Hamas. O estopim, contudo, aconteceu quando Lula comparou a contraofensiva israelense em Gaza ao Holocausto cometido por Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial.

“O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”, disse o presidente a jornalistas durante viagem à Etiópia em fevereiro. A declaração de Lula causou uma reação quase imediata do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que condenou as afirmações.

O petista também foi considerado persona non grata pelo chanceler israelense, Israel Katz. O título possui um teor diplomático pejorativo e, em tese, indica que aquela figura é considerada indesejada ou inaceitável nos relacionamentos com aquele país. Desde então, o petista tem evitado fazer comentários sobre Israel.

A relação Brasil e Irã 

Desde seu primeiro mandato, Lula sempre enfatizou a necessidade de manter o diálogo diplomático com o Irã. O país extremista é acusado de crimes contra os direitos humanos e contra os direitos das mulheres, e é visto com preocupação pela comunidade internacional. Além de apoiar a financiar diversos grupos terroristas, como o Hezbollah, no Líbano, e os Houthis, no Iêmen, o país possui um preocupante programa nuclear.

Em meados de 2009, o Conselho de Segurança da ONU estava prestes a aprovar uma série de sanções contra o Irã, com o intuito de fazê-lo interromper o enriquecimento de urânio. O país argumentava que o programa tinha fins medicinais, enquanto o Ocidente acusava o governo iraniano de enriquecer o elemento para produzir uma bomba atômica — o que o Irã sempre negou.

Durante o processo de negociação com a ONU, o governo iraniano chegou a dizer que o Brasil fazia a mesma coisa que o Irã ao manter um programa de enriquecimento de urânio para geração de energia elétrica das usinas nucleares de Angra dos Reis (RJ). A diplomacia do governo Lula tentou convencer os americanos a confiar no Irã em 2008. O diplomata Roberto Jaguaribe chegou a elogiar a ditadura teocrática comandada pelo aiatolá Ali Khamenei afirmando que o Irã era "o país mais democrático do Oriente Médio", depois de Israel, segundo documentos diplomáticos americanos vazados pelo Wikileaks.

O resultado dessa investida diplomática conjunta entre Brasil e Irã foi que o presidnete Lula tentou intermediar as tratativas para chegar a um acordo “amigável” com os dois lados e evitar mais sanções ao governo do Irã. O Brasil e Turquia formularam, em 2010, o Acordo do Teerã.

De acordo com o tratado, o Irã deveria enviar urânio de baixo enriquecimento para a Turquia em troca de combustível para um reator nuclear que deveria ser usado em pesquisas médicas em Teerã, capital do país. O acordo, contudo, não surtiu qualquer efeito.

A negociação intermediada por Lula foi rejeitada pelos Estados Unidos, sob a alegação de que o tratado ainda “deixaria o Irã com urânio suficiente para produzir armas nuclear”. O acordo que ficou conhecido como JPCOA (sigla em inglês que designa um plano de ação abrangente) foi firmado em 2015, mas abandonado três anos depois pelo então presidente americano Donald Trump.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.