A reação tardia dos sete governadores do Consórcio de Integração dos Estados do Sul e Sudeste (Cosud) contra o texto da reforma tributária aprovado pelo Senado na noite da última quarta-feira (8), também desconectada das ações da oposição para impedir seu avanço, revelou diferenças e fragilidades do grupo. Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a falha da articulação do conjunto mais industrializado e populoso de unidades da Federação junto aos senadores e ao governo torna ainda mais difícil a defesa de seus interesses na atual etapa da reforma, de volta à Câmara. Com isso, perdem espaço para o Centrão e para a pressão de setores com tratamento diferenciado.
Por meio de nota lançada na quinta-feira (9), o Cosud alertou para os efeitos da reforma, que, caso seja mantida pela Câmara, vão criar “cidadãos de segunda classe” e “agravar ainda mais a guerra fiscal entre os estados”. No documento, os governadores ainda afirmam que a versão aprovada pelos senadores pode levar as contas públicas e a economia do país “para a UTI”. O documento assinado por Ratinho Júnior (PSD-PR), Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG), Cláudio Castro (PL-RJ), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Leite (PSDB-RS) pede “união de esforços para o país não criar “ilhas de prosperidade”, que “afastam investimento, aumenta desigualdade e desemprego e pune os mais pobres”.
Apesar de concordar com a mensagem, Renato Casagrande (PSB-ES), filiado ao partido do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, não assinou. Além desse fato, seu estado tem outra característica que o distancia dos demais integrantes do Cosud. Por ter a população menor do consórcio, o Espírito Santo tende a perder com a tributação no destino, prevista na reforma, e com o critério de distribuição de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) defendido pelo consórcio, que inclui o total de habitantes como um dos quesitos para calcular valores devidos.
Além da postura do governador capixaba, a atuação do Cosud pode ter sido prejudicada também pelo receio de Tarcísio de Freitas de protagonizar novo embate com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em relação à aprovação da reforma. A divergência entre eles ficou evidente na aprovação da reforma pela Câmara, no início de julho.
Outro provável fator de inibição para a ação conjunta dos governadores envolve o desgaste sofrido por Romeu Zema, quando defendeu mais equilíbrio na divisão de verbas da União entre estados e, por isso, foi tachado de separatista e rival do Nordeste.
Ameaças de obstrução e apelo a Haddad não impediram derrota
Os governadores chegaram a ameaçar, ainda na quarta-feira (8), orientar as suas bancadas a votarem contra a reforma, em razão das mudanças no texto feitas pelo relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM). Eles participaram mais cedo de reunião com o ministro Fernando Haddad (Fazenda), em Brasília, para criticar a manutenção de incentivos tributários a montadoras e veículos nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; sobretaxas a produtos importados de fora do Brasil que sejam produzidos na Zona Franca de Manaus; e mudanças no Conselho Federativo.
O esforço junto a Haddad de Eduardo Leite (RS), Tarcísio de Freitas (SP), Claudio Castro (RJ), Jorginho Mello (SC) e o vice-governador Mateus Simões (MG) foi em vão. Para Eduardo Leite, “a reforma era mais palatável quando saiu da Câmara”. Mês passado, os governadores pediram a Braga a criação de fundo constitucional para os três estados do Sul, a exemplo dos já existentes para Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Também foram ignorados.
Tramitação na Câmara é nova oportunidade para estados do Cosud
Apesar das dificuldades, a maioria dos governadores do Sul e Sudeste ainda acredita ser possível influir na votação da reforma tributária contida na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019. Em tese, a mudança do campo de jogo, do Senado para a Câmara favorece seus argumentos, por representarem 89 milhões de eleitores, mais da metade dos 156 milhões do país. O Senado, contudo, dá igual representatividade aos estados, com três senadores cada. Só o Nordeste tem um terço do plenário.
Nesse sentido, Ratinho Júnior cogita atuar junto aos deputados com outros governadores para alterar ou manter pontos do texto. Na prática, contudo, esse esforço deverá ser limitado. Durante evento realizado pelo banco BTG Pactual na segunda-feira (6), Tarcísio de Freitas defendeu que a reforma como indutor de investimentos, complementando outras reformas feitas nos últimos anos. Os seus únicos receios são as tais exceções ou incentivos tributários para setores privilegiados.
Divisão do fundo regional ainda gera embates de governadores
Caso prevaleça a divisão aprovada no Senado, São Paulo receberá do FNDR cinco vezes mais do que o Mato Grosso do Sul, e o triplo dos Espírito Santo e Tocantins, estados que estão no fim da fila entre os 27 beneficiários do fundo de desenvolvimento a ser criado com a reforma tributária. Formado por recursos federais, o fundo vai receber, no auge, R$ 60 bilhões por ano. As fatias maiores irão para Bahia (8,1%), São Paulo (7,21%), Minas Gerais (6,45%), Pernambuco (6,03%) e Ceará (5,75%). A ideia do fundo é ajudar estados a financiar investimentos em infraestrutura e educação como forma de atrair empresas, posto que incentivos da guerra fiscal deveriam acabar em 2033.
No seu relatório, Eduardo Braga adotou o Fundo de Participação dos Estados (FPE) como critério para distribuir 70% dos recursos. A parte restante (30%) será dividida segundo o tamanho da população. Essa foi a solução encontrada pelo relator para encerrar o conflito federativo, pois o FPE vinha sofrendo críticas dos governadores do Sul e Sudeste. Durante a tramitação da reforma na Câmara, Tarcísio de Freitas defendeu que São Paulo acessasse o fundo, visto ter grande população vulnerável.
O Cosud, que conta com quatro presidenciáveis (Tarcísio, Zema, Leite e Ratinho Junior), ainda busca formar novos consensos para alavancar suas ações, com progressos apenas na agenda de metas ambientais, como de reflorestamento, por exemplo. Na reforma tributária, a unidade gira em torno do compromisso com “a eficiência da carga e a simplificação tributária”, proposta em seus documentos. Além disso, a maior divergência ficou mesmo com o FNDR, que expôs o Espírito Santo.
Reação tardia dos governadores facilitou lista maior de exceções
Arthur Wittenberg, professor de relações institucionais e políticas públicas do Ibmec-DF, acredita que um conflito federativo em torno da reforma tributária provavelmente não criará obstáculos ao avanço dela na Câmara. Ele destaca que, ao longo da semana passada, muitas lideranças políticas e analistas antes críticos à reforma passaram a entender que o benefício da simplificação do sistema a longo prazo supera quaisquer objeções. "A reação tardia do Cosud e a aprovação apertada no Senado podem sinalizar novo debate na Câmara, mas não creio que isso vá empacar o processo".
Eduardo Galvão, diretor de Public Affairs da BCW, também considera muito pouco provável que haja um “terceiro turno” da reforma tributária em sua volta à Câmara. Ele destaca que há acordo para não fazer grandes alterações no texto do Senado, e a base do governo e o Centrão já firmaram tal entendimento. O especialista ressalta, contudo, que parte da oposição ainda protesta isoladamente, mas a existência do conselho federativo como mecanismo para tratar de conflitos já atende demanda importante do Cosud.
Galvão concorda que a reação tardia do consórcio foi o resultado de diferenças políticas dentro e fora do grupo, mas enfatiza que acordos políticos previamente estabelecidos são difíceis de serem alterados. Para ele, a sintonia da Câmara aos argumentos do Cosud tem mais a ver com a ideologia e os interesses próprios do que a articulação dos governadores. "Infelizmente, os governadores dormiram no ponto".
O texto da reforma ampliou de 16 para 21 o total de regimes de produtos ou serviços que terão alíquota reduzida, zerada ou com isenção de novos tributos. O avanço dessa lista de exceções em relação à versão da reforma aprovada antes pela Câmara ainda pode continuar. De toda forma, sua principal consequência é o aumento das alíquotas do imposto de valor agregado (IVA) a ser criado sobre os produtos e serviços que não terão tratamento diferenciado.
Segundo tributaristas, o aumento da alíquota geral mostra o desequilíbrio, com setores pagando a conta de outros. O Ministério da Fazenda estimou que a alíquota pode chegar a 27,5%, o que seria o maior IVA do mundo.
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