A decisão dos Estados Unidos de reconhecer oficialmente, na noite desta quinta-feira (1º), que o candidato de oposição na Venezuela, Edmundo González, venceu as eleições presidenciais do último domingo (28), pressiona o Brasil, que prefere ainda aguardar os relatórios das urnas para se posicionar.
Segundo fontes ligadas ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a avaliação interna é de que a nota dos Estados Unidos "tem claro impacto" na situação venezuelana, mas que isso não deve mudar a posição brasileira, expressa em uma declaração conjunta com México e Colômbia nesta quinta-feira (1º).
Nos bastidores do Palácio do Planalto existe o receio de que o reconhecimento da vitória de González pelos americanos não contribua para o diálogo entre o regime de Nicolás Maduro e a oposição venezuelana, nem para a divulgação das atas de votação pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), cobradas pela diplomacia brasileira.
A nova postura do governo americano, manifestada nas redes sociais pelo secretário de Estado, Antony Blinken, contrasta com a nota conjunta dos presidentes de Brasil, México e Colômbia, divulgada horas antes, dando uma nova chance para o ditador Nicolás Maduro comprovar a sua declarada vitória.
Em sua conta na rede social X, Blinken afirmou que “os dados eleitorais demonstram de forma esmagadora a vontade do povo venezuelano: o candidato da oposição democrática obteve o maior número de votos”. A declaração assinada por Lula, por sua vez, afirma que as "controvérsias sobre o processo eleitoral devem ser dirimidas pela via institucional" e que deve haver "verificação imparcial dos resultados".
Maduro tratou de rebater a mensagem da Casa Branca, dizendo que o governo americano pretende substituir a autoridade eleitoral de seu país. "Os EUA devem tirar o nariz da Venezuela, porque o povo soberano é quem governa na Venezuela, quem nomeia, quem escolhe", disse.
A autoridade eleitoral da Venezuela declarou Maduro como vencedor da eleição na madrugada de segunda-feira (29), mas o resultado foi questionado pela oposição, observadores independentes e por muitos chefes de Estado.
Amorim diz que oposição da Venezuela não provou vitória
Na manhã da quinta-feira (1º), Celso Amorim, assessor especial de Lula e um dos interlocutores do Brasil com o regime chavista, apenas revelou “estranheza” pela demora do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela em publicar as atas com resultado das eleições, cobradas pelo Brasil e outros países desde o início da semana.
“Estamos decepcionados com a demora do CNE em publicar os dados”, comentou em entrevista à Rede TV. Ele ainda ressaltou que a oposição venezuelana também não provou vitória. O comentário foi feito antes de os Estados Unidos anunciarem o reconhecimento da vitória da oposição.
Amorim ainda minimizou o parecer da Center Carter após acompanhar o processo eleitoral na Venezuela, divulgado na terça-feira (30) e no qual atesta que o pleito “não foi democrático” e “não atendeu aos padrões internacionais de integridade”. Para ele, embora o órgão independente não seja manipulado, conforme mostra sua longa trajetória em diversos casos, o número de observadores enviados, 17, foi insuficiente.
Por fim, o diplomata defendeu a posição de Lula em pedir cautela, esperando a apresentação das atas para reconhecer a vitória de Maduro. “O ônus da prova está em quem é objeto de suspeição”, argumentou.
Lula arrisca e pode compartilhar culpa se violência escalar na Venezuela
O cientista político e diretor do instituto I3P, Leonardo Barreto, avalia que o posicionamento de cautela ou omissão de Lula, a depender de como é avaliado, pode interferir decisivamente na imagem de como o presidente brasileiro atua no contexto de impasses internacionais, sobretudo na América Latina.
“Tudo depende de como a crise venezuelana vai acabar. Se o regime se fechar ainda mais, Lula será visto tendo uma parte de responsabilidade sobre isso. Contudo, se ele conseguir conduzir ou colaborar com uma transição pacífica, é provável que ainda consiga recuperar o seu papel de mediador regional”, observou.
Para o cientista politico Murillo Aragão, da consultoria Arko Advice, Lula está "entre a cruz e caldeirinha", desconfortável com a situação colocada tanto por Maduro quanto Biden.
"Obviamente Lula não gosta dessa situação, tampouco é tão próximo de Maduro como foi de Chávez. Ao não reconhecer expressamente a vitória dá margem a um recuo", disse. Na sua avaliação, o papel de Amorim é tentar ao máximo estabelecer uma saída para Maduro.
Atuando em paralelo às investidas de Amorim, que se reuniu esta semana com Maduro como enviado de Lula, o Ministério das Relações Exteriores tem buscado manter a abertura dos canais de negociação com o regime chavista, de modo a colaborar com o esforço multilateral e evitar o agravamento nas tensões dentro e fora da Venezuela.
Alguns méritos da medição da diplomacia brasileira foram apontados, inclusive pela oposição venezuelana, apesar dos acenos que Lula e o PT já deram em favor de Maduro. A colaboração para com as representações diplomáticas de Argentina e Peru, expulsas do país vizinho, por exemplo, mereceu agradecimentos do presidente argentino Javier Milei e da líder da oposição Maria Corina Machado, preocupada com a integridade de refugiados em embaixadas.
María Corina também elogiou a posição do Brasil, de cobrar do CNE a divulgação das atas eleitorais, e disse que a oposição venezuelana está disposta a participar de uma "negociação séria e urgente" para que seja acordada uma transição política pacífica, que respeite a vontade dos eleitores venezuelanos. Ela e González, o candidato da oposição, estão escondidos para não serem presos por ordem de Nicolás Maduro.
A conversa de Lula e Biden na quarta-feira (31) também foi considerada um sinal de deferência dos Estados Unidos em relação ao papel do Brasil na crise venezuelana, embora os dois países agora adotem entendimentos divergentes. O ditador Nicolás Maduro também solicitou conversa com Lula, que ainda não foi agendada.
A aparente imparcialidade corre, contudo, o risco de ser confrontada com a perspectiva, apontada pelo próprio Maduro, de aumento da repressão, com prisões e violência contra opositores e manifestantes contrários ao pleito nas ruas.
Articulação de Lula com México e Colômbia sobre Venezuela é criticada
A nota conjunta de Brasil, México e Colômbia acerca da eleição venezuelana está sendo vista por muitos como tardia. Os três países pediram, quatro dias após o pleito, a divulgação “expedita” das atas eleitorais. Eles também cobram a solução do impasse eleitoral no país pelas “vias institucionais” e que a soberania popular seja respeitada com “apuração imparcial”.
A análise desse discurso pode apontar tanto para uma expectativa para que a oposição volte a ser ouvida como também coloca nas mãos da própria ditadura um improvável movimento de transparência e correção.
Outro ponto questionado na declaração foi o trecho em que pede aos atores políticos e sociais "a exercerem a máxima cautela e contenção em suas manifestações e eventos públicos, a fim de evitar uma escalada de episódios violentos". A mensagem pode ser interpretada como um pedido para que a população insatisfeita com o resultado declarado pelo CNE pare de protestar.
A oposição a Lula no Congresso cobra mudança de tom e aponta a posição americana como mais acertada e contrastante com a brasileira, que soa conivente com a ditadura venezuelana.
Para o Palácio do Planalto, o Brasil, apesar de ter se colocado em posição muito dependente das reações seguintes de Maduro, que ainda indicam resistência e recrudescimento da repressão aos opositores, conseguiu manter canais abertos para o diálogo multilateral.
Falas de Lula e petistas da velha guarda empurram governo para o lado de Maduro
Lula sofre desgastes na opinião pública por não romper com o presidente venezuelano e, também, por suas declarações contraditórias sobre a situação do país vizinho. Na sua primeira manifestação sobre o caso, afirmou que não havia “nada de anormal” no impasse e ele deveria ser resolvido pela justiça venezuelana, ignorando todos os episódios de falta de transparência, de violência e de subordinação dos três poderes do país vizinho a Maduro.
Para complicar, a posição oficial do PT e de alguns de seus principais líderes históricos, como José Dirceu, que reconheceram de pronto a contestada vitória de Maduro, dividiu a base do governo e reforçou as pressões sobre Lula.
O presidente entrou em série contradição com seu discurso de defesa da democracia, sobretudo após suas críticas aos protestos de 8 de Janeiro, tachados de golpistas. Além disso, a histórica relação do petismo com o chavismo, com Maduro no poder, ficou evidenciada no episódio e provoca desgastes ao partido de Lula e a ele próprio.
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