Prejuízos causados pelas cheias no Rio Grande do Sul ainda precisam ser calculados, mas primeiros recursos federais começam a chegar na forma de emendas parlamentares para a saúde| Foto: EFE/Isaac Fontana
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Com a liberação de aproximadamente R$ 1 bilhão em emendas parlamentares e a autorização do Congresso para a União realizar gastos extraordinários fora da meta fiscal, foi oficialmente iniciado o socorro financeiro ao Rio Grande do Sul, abalado por sua pior catástrofe ambiental e humanitária trazida por fortes enchentes.

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Inicialmente, os recursos envolvem realocações e adiantamentos do Orçamento, com a possibilidade posterior de aprovação de crédito extra. Durante a crise, serão apurados os montantes necessários e as chances de novos recursos para compensar perdas, promover reconstrução e investir na prevenção de catástrofes.

Paralelamente às discussões sobre mais verbas e projetos de lei para garantir transferências do Tesouro em situações de calamidade, especialistas e políticos ouvidos pela Gazeta do Povo ressaltam a necessidade de gestão rigorosa e focada nos gastos, além da superação de amarras burocráticas, para alcançar resultados esperados. Eles também apontam riscos de mais flexibilizações ampliarem o descontrole fiscal.

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As fortes chuvas no Rio Grande do Sul resultam em um custo social significativo, com dezenas de mortes, centenas de feridos e centenas de milhares de desabrigados. Além disso, a tragédia acarreta inevitavelmente prejuízos econômicos que ainda serão quantificados.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou ao Congresso, na segunda-feira (6), o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que autoriza o governo federal a excluir da meta fiscal despesas realizadas por meio de crédito extraordinário para auxiliar o Rio Grande do Sul. O texto -aprovado no mesmo dia pela Câmara e no dia seguinte pelo Senado - pede a decretação de estado de calamidade pública no estado até 31 de dezembro.

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Governo usou emendas para agilizar recursos

O governo federal decidiu antecipar a liberação de R$ 580 milhões em emendas parlamentares individuais que destinam recursos para 448 cidades do Rio Grande do Sul. Do total, R$ 538 milhões se destinam a ações na saúde pública. O Planalto anunciou que vai liberar mais R$ 448 milhões por meio das emendas de transferência especial, mais conhecidas como emendas PIX.

A Constituição prevê nesse caso que a quantia pode ser repassada diretamente à unidade da federação ou município beneficiado, mas ao menos 70% do total deve ser investido em despesas que contribuem para a formação ou aquisição de novos bens ou serviços, como a construção de uma unidade de saúde, por exemplo.

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O deputado Mauricio Marcon (podemos-RS) ressalta que as emendas liberadas não representam “dinheiro novo”, sendo que a maior parte delas já teve os beneficiários indicados ainda em março, como de costume. “Basicamente esses recursos já tinham um encaminhamento e todos seriam pagos até o fim do ano, apenas o que ocorreu foi uma antecipação disso”, disse.

Apesar da sinalização do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que identificou R$ 448 milhões em emendas poderiam ser remanejadas pelos próprios parlamentares, Marcon acredita que o novo cadastro não deverá ser rápido, pois algumas emendas já estavam até com o pagamento empenhado.

A preocupação com a aplicação dos recursos tem base no histórico recente. Observadores dos orçamentos estadual e federal apontam contradições entre os discursos dos gestores e parlamentares sobre a necessidade de priorizar socorro e prevenção de desastres naturais e a efetiva alocação de recursos para esses fins. Bruno Carazza, economista e professor da Fundação Dom Cabral, lembra que as enchentes no Rio Grande do Sul em setembro de 2023 causaram mortes, destruição e alertas de novos eventos climáticos.

“No entanto, o orçamento do estado para defesa civil em 2024 foi 7,5% menor. Além disso, apesar de os 31 deputados federais e três senadores do estado terem destinado R$ 2,84 bilhões de emendas individuais e de bancada gaúcha em 2023 e 2024, só R$ 1 milhão foi para prevenção de deslizamentos e R$ 700 mil para conservação ambiental. Mas nenhum centavo foi gasto”, disse.

PECs oferecem outras saídas de financiamento

Para completar, poucas iniciativas legislativas abordaram o tema, incluindo a proposta de emenda à Constituição (PEC), de autoria do deputado Bibo Nunes (PL-RS), para autorizar os parlamentares a redirecionarem até 5% de suas emendas individuais para o atendimento a catástrofes naturais e climáticas, que não avançou na época.

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O governo federal, que deveria coordenar esforços em favor da prevenção e adaptação aos efeitos da mudança climática, ainda não criou a Autoridade Nacional de Segurança Climática, prometida por Lula em campanha.

O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou na segunda-feira (6) uma PEC para acelerar a transferência de recursos para situações como a do Rio Grande do Sul. Ele espera a aprovação em pouco tempo da proposta inspirada do "Orçamento de Guerra" aprovado em 2020, em razão da pandemia da Covid-19, que permitiu gastos realizados para o combate à crise sanitária.

“Enquanto a PEC de Bibo Nunes, que tramita na Câmara, agiliza o processo como está sendo desenrolado agora com as emendas, a do Senado, permite criar orçamento novo e exclusivo, sem amarras para destinar mais verbas. Por isso, [as medidas] têm boas chances de vingarem”, disse o cientista político Ismael Almeida.

Obras vão requerer rito sumário, diz economista

Segundo o economista e deputado estadual Cláudio Brachieri (Podemos-RS), os R$ 586 milhões provenientes de emendas parlamentares antecipadas e liberadas pelo Ministério da Saúde representam uma ajuda crucial diante da crise no estado. “É fundamental que esse financiamento chegue o mais rápido possível. O Rio Grande do Sul tornou-se a prioridade máxima devido ao caos e à devastação”, declarou.

Em relação às PECs relacionadas a desastres ambientais, ele aponta um entrave prévio: a burocracia na liberação de recursos públicos, com uma série de controles. “O anúncio de verbas para reconstrução de infraestrutura enfrenta longo processo licitatório e de seleção de propostas antes que as obras sejam iniciadas. Durante períodos de calamidade, é necessário rito sumário”, disse.

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O parlamentar destaca que um terço dos mais de R$ 500 milhões em verba federais destinadas para a reparação de danos com as chuvas no estado em 2023 ficou retido devido à falta de capacidade técnica das prefeituras para elaborar projetos.

Para especialista, gestão dos recursos é essencial

Arthur Wittenberg, professor de Relações Institucionais e de Políticas Públicas do Ibmec-DF, considera fundamental o direcionamento de recursos do Orçamento da União para o Rio Grande do Sul nesse contexto trágico. Para ele, a exceção às metas fiscais indica até agora pouco impacto orçamentário, tornando a medida incontestável, mesmo com alguma exploração eleitoral dela. O problema real estaria então na questão da sua eficácia.

“Trata-se de um problema multifacetado, que demanda um arranjo complexo para mitigar desde já uma situação que perdurará no longo prazo. Isso exige esforço de coordenação das três esferas de governo e dos três Poderes”, sublinhou.

Para o especialista, se considerar apenas a competência do poder Executivo, a necessidade de recursos é essencial, mas também é preciso ter muita clareza sobre o que ele fará além do óbvio, representado pelas necessidades de alimentos, remédios, logística e outras providências. “Como coordenar ações de saúde, segurança, infraestrutura, educação, assistência social, entre outras? Saber responder essa indagação faz toda a diferença nos resultados, que dependem tanto da liberação de verbas quanto da coordenação de governos”, observa.

Quanto às PECs para reagir às tragédias naturais, ele afirma que é uma reação esperada o surgimento de propostas no Congresso movidas pelos acontecimentos. “A questão é, caso avance, saber se elas trazem riscos fiscais e se podem existir outras questões relacionadas à conexão entre as causas do problema e a solução apresentada. Basta lembrarmos que o Plano Nacional de Defesa Civil (PNDC) não gerou os resultados esperados”, ilustrou, referindo-se a uma lei aprovada em 2012 e nunca colocada em prática.

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