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Operação contra venda de sentenças.
Investigações em curso comandadas pela PF apuram supostas vendas de sentença no Tribunal de Justiça do MS e no STJ.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Casos distintos e recém-revelados, em investigação na Polícia Federal e no Supremo Tribunal Federal (STF), indicam suspeitas de esquemas milionários de venda de sentenças envolvendo o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS) e servidores do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a segunda principal Corte do país. 

O suposto esquema de venda de sentenças no TJ-MS envolvia o uso de familiares de desembargadores, principalmente advogados, para negociar decisões e ocultar os fluxos financeiros por meio de escritórios de advocacia. As investigações sugerem manipulação deliberada de sentenças e indicam transações suspeitas e recursos não registrados, além de potenciais conflitos de interesse em processos conduzidos por parentes dos desembargadores investigados.

O esquema no STJ envolvia também a suposta manipulação de decisões judiciais em troca de grandes somas de dinheiro. Intermediários com acesso ao Judiciário buscavam reverter decisões desfavoráveis. As negociações eram realizadas por meio de mensagens temporárias de Whatsapp, dificultando a coleta de provas, mas a apreensão do celular de um advogado assassinado permitiu recuperar parte das comunicações.

Em ambos os casos, criminosos interessados em ganhar disputas judiciais contra bancos, em receber terras e imóveis em litígio e até reverter condenações criminais procuravam os intermediários e entregavam quantias que podiam chegar a centenas de milhares de reais. O dinheiro era então repassado por laranjas às contas dos magistrados ou servidores corruptos ou de seus familiares. Eles então manipulavam as decisões dos tribunais. Os intermediários ficavam com generosas fatias da propina.

Nesta semana, uma operação da Polícia Federal, autorizada pelo ministro do STJ Francisco Falcão, afastou cinco desembargadores do TJ-MS, entre eles, o presidente Sérgio Fernandes Martins. 

Poucos dias antes da deflagração dessa operação, a revista Veja revelou que a Polícia Federal (PF) estava investigando outro esquema de vendas de sentenças que envolvia supostamente servidores lotados em quatro gabinetes de ministros do STJ. Quando o nome do ministro Paulo Moura Ribeiro apareceu em relatório de movimentações financeiras atípicas apontadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o caso precisou ser encaminhado ao STF e está sob a relatoria do ministro Cristiano Zanin, que deve decidir se as apurações seguem ou não. 

Lobista aparece como intermediador de propinas no STJ e no MT-MS

Além da forma de operacionalização similar, os casos recentes têm em comum o nome de um empresário do setor de transportes e turismo apontado nas investigações como lobista e intermediador nos esquemas de venda de sentença. Andreson Gonçalves, de Cuiabá (MT), foi um dos principais alvos da operação que mirou desembargadores do TJ-MS nesta semana. Porém, seu nome já havia sido ligado ao suposto esquema na outra investigação em curso, que mira negociações no STJ.

Segundo a PF, ele apareceu após análise de cerca de 3,5 mil arquivos no celular do advogado Roberto Zampieri, assassinado no fim do ano passado em frente ao seu escritório na capital do Mato Grosso. A morte ainda está repleta de mistérios e sem solução. 

Conforme revelou a Veja, nos arquivos foram encontradas diversas mensagens trocadas entre o suposto lobista e o advogado assassinado. Muitas tratavam de negociações de sentenças e andamentos de processos no STJ, incluindo acessos privilegiados a informações sigilosas. 

O alerta se acendeu à PF quando Andreson Gonçalves também apareceu na investigação que mirou magistrados do Mato Grosso do Sul. Foram interceptadas mensagens entre ele e um desembargador. De acordo com a Polícia Federal, entende-se “haver fortes indícios de que tal desembargador estivesse recebendo propina de Andreson ".

Nessa quinta (24), endereços ligados ao empresário estiveram entre alvos de busca e apreensão. As suspeitas apontadas pela PF são de que ele fazia intermediações em vendas de sentenças nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, além do Distrito Federal.

A Gazeta do Povo procurou a defesa de Andreson Gonçalves, mas não obteve retorno. À revista Veja, Gonçalves disse que era amigo de Zampieri, o advogado assassinado. Mas negou crimes e disse que nunca discutiu com ele práticas criminosas envolvendo magistrados e servidores do STJ.

Rede de contatos permitia até mudanças de veredictos no STJ

O advogado assassinado no fim do ano passado em Cuiabá seria o captador de clientes interessados em decisões favoráveis, e Andreson Gonçalves, mesmo não sendo um operador do Direito, utilizaria uma suposta rede de contatos em Brasília para influenciar os resultados no STJ. 

O esquema funcionava a partir de negociações com funcionários de gabinetes de ministros, que recebiam, segundo a revista Veja, propinas em troca de informações privilegiadas, minutas de decisões e até alterações de veredictos antes da publicação oficial. As mensagens recuperadas do celular de Zampieri confirmariam o esquema. Em uma dessas conversas, Gonçalves teria assegurado ao advogado que uma decisão seria revertida, desde que o pagamento fosse realizado, citando a necessidade de recursos para que o "negócio" prosseguisse diante do atraso de um pagamento. 

A investigação avançou quando a PF identificou transferências de dinheiro e documentos comprometedores entre ambos. Entre os materiais destacam-se minutas de decisões judiciais que coincidiram, posteriormente, com veredictos oficiais - sugerindo que os envolvidos tinham acesso antecipado às deliberações da Corte. Uma dessas minutas antecipava o voto de um dos ministros, mas o documento teria desaparecido dos sistemas do STJ antes de ser formalizado. 

Ainda de acordo com a revista Veja, além de funcionários do STJ, as evidências apontam para movimentações financeiras atípicas envolvendo o lobista e o ministro Paulo Moura Ribeiro. Isso levou a PF a transferir essa investigação para o STF. 

O esquema não se limitava à venda de decisões favoráveis a clientes do grupo, mas também envolvia manipulação de prazos de processos e vazamento de informações sigilosas, como mandados de prisão. Os interessados pagavam valores que podiam chegar a R$ 100 mil por decisão, dependendo do montante em disputa nos casos.

As mensagens recuperadas do celular do advogado assassinado mostraram ainda que, em algumas ocasiões, as transações financeiras eram realizadas de forma explícita, com cobranças de atraso nos pagamentos e uso de transferências eletrônicas. 

Até o momento, as investigações resultaram no afastamento de alguns funcionários do STJ e apurações comandadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), envolvendo magistrados e desembargadores também do estado de Mato Grosso. 

Suspeitos buscavam arrancar dinheiro de bancos, receber terras e imóveis e até reverter condenações criminais

Os processos influenciados pelo esquema no STJ envolviam disputas de alto valor, como litígios de milhões de reais contra grandes bancos, disputas de posse de imóveis e áreas rurais e outros ativos valiosos, além de decisões na esfera criminal.

As comunicações mais sensíveis entre os suspeitos eram realizadas por meio de áudios e ligações via aplicativos de mensagens, além de um sistema de destruição de mensagens que apagava os diálogos em 24 horas, dificultando a coleta de provas pela investigação. Mesmo assim, a apreensão do celular de Zampieri permitiu que mensagens e documentos fossem recuperados. 

As investigações ainda buscam esclarecer o nível exato de participação dos envolvidos, incluindo se houve ou não o envolvimento direto de magistrados.

Procurado pela Gazeta do Povo, o STJ não comentou os casos suspeitos envolvendo servidores da Corte. Devido ao sigilo, o ministro Cristiano Zanin, do STF, não deu detalhes do andamento do processo.

STJ instaura novo procedimento e afasta mais um servidor

​Nesta sexta-feira (25), o STJ informou em nota que instaurou um segundo procedimento administrativo disciplinar para apurar os fatos e afastou cautelarmente mais um servidor citado nas investigações.

“Até o momento, não há qualquer indício de envolvimento de ministros [...] Com essa medida, o tribunal expande as investigações que podem resultar em novos procedimentos internos. Os processos estão sendo complementados por dados compartilhados pela Polícia Federal e pela Corregedoria Nacional de Justiça”, descreve a nota.

Na esfera disciplinar, o STJ explicou que o procedimento seguirá as fases de instrução, defesa e relatório, “garantindo-se, a um só tempo, os esclarecimentos necessários e a possibilidade do contraditório”.

“O tribunal, respeitando seu compromisso com a ética e a transparência na relação com a sociedade, divulgará oportunamente a conclusão da apuração administrativa”, conclui.

Esquema no Mato Grosso do Sul envolvia magistrados e familiares

O suposto esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que culminou com o afastamento de cinco desembargadores nesta semana, envolvia a negociação de decisões judiciais por meio de familiares, principalmente filhos de desembargadores, que na maioria dos casos eram advogados. Esses familiares usavam seus escritórios de advocacia para burlar os mecanismos de rastreamento financeiro das autoridades e ocultar o fluxo de dinheiro da suposta venda de sentenças. 

Há registros de comunicação que sugerem um controle detalhado sobre o momento em que determinadas decisões judiciais seriam emitidas, o que reforça a hipótese de manipulação deliberada de sentenças, segundo as investigações. 

As investigações também revelaram transações imobiliárias suspeitas e movimentações de recursos que não transitaram por contas bancárias, sugerindo a tentativa de ocultar a origem dos fundos. Além disso, também foram identificados processos comandados por advogados que são parentes de desembargadores investigados, levantando a possibilidade de conflitos de interesse e favorecimentos. 

Nesta operação do Mato Grosso do Sul, chamada de Ultima Ratio (no Direito Penal, corresponde ao “último recurso”), além da venda de decisões judiciais, são investigados crimes como organização criminosa, lavagem de dinheiro, extorsão e falsificação de escrituras públicas.

A Polícia Federal agora vai analisar o que foi apreendido a partir das 44 ordens de busca realizadas contra os desembargadores afastados, contra nove advogados, servidores públicos, o suposto lobista e empresários suspeitos de terem sido beneficiados pelo esquema.

Os cinco magistrados seguem afastados por determinação do STJ por 180 dias e precisam usar tornozeleiras eletrônicas. Eles também estão impedidos de acessar a estrutura do Judiciário e fazer contato com outros investigados.

Também foram afastados um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MS) e seu sobrinho, que é servidor do Tribunal de Justiça. Um juiz de primeira instância, dois desembargadores aposentados e um procurador de Justiça também aparecem na relação de investigados.

A operação contou com apoio da Receita Federal e é um desdobramento de outra operação, a Mineração de Ouro, deflagrada em 2021, que investigava a atuação de integrantes do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul em um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro.

Vice-presidência assume o comando do TJ-MS

Com o afastamento do desembargador Sérgio Fernandes Martins, atual presidente do TJ-MS, a corte sul-mato-grossense foi assumida interinamente pelo atual vice-presidente, desembargador Dorival Renato Pavan. Ainda não há confirmação sobre a posse da nova presidência, prevista para fevereiro de 2025. Isso porque os escolhidos são suspeitos de participar do esquema.

Neste mês de outubro, foram eleitos Sidenei Soncini Pimentel para presidente e Vladimir Abreu da Silva para vice. Ambos são alvo da investigação da PF e foram afastados de suas funções pelo STJ.

A dupla eleita para o próximo mandato são juízes de carreira e ingressaram na magistratura na década de 1980. Já o atual presidente, Sergio Fernandes Martins, assumiu como desembargador em uma vaga do quinto constitucional, reservada para a advocacia, no ano de 2007. Os outros dois desembargadores afastados são Alexandre Aguiar Bastos e Marcos José de Brito Rodrigues.

Em nota, o atual vice-presidente, desembargador Dorival Renato Pavan, afirmou que os pedidos de afastamentos, determinados pelo STJ, estão sendo "regularmente cumpridos, sem prejuízo a quaisquer dos serviços judiciais prestados à população".

A reportagem tentou contato com os gabinetes de cada magistrado afastado, mas o TJ-MS afirmou que a nota do vice-presidente seria a única manifestação sobre o caso no momento.

"Os investigados terão certamente todo o direito de defesa e os fatos ainda estão sob investigação, não havendo, por enquanto, qualquer juízo de culpa definitivo. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul seguirá desenvolvendo seu papel de prestação jurisdicional célere e eficaz, convencido de que aos Desembargadores, magistrado e servidores referidos, será garantido o devido processo legal", diz a nota.

Desembargador do MS investigado após conceder liberdade para integrante do PCC 

Além dos cinco desembargadores do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul afastados nesta quinta-feira (24), a Corte já havia sido impactada pela determinação do afastamento do desembargador Divoncir Schreiner Maran em março deste ano. À época, o afastamento havia sido assinado pelo atual presidente do TJ-MS, Sérgio Fernandes Martins, alvo desta vez da Operação Ultima Ratio.

O caso de Maran envolve uma decisão proferida por ele durante um plantão em 2020 e que concedeu um habeas corpus ao traficante Gerson Palermo, integrante do Primeiro Comando da Capital (PCC) e condenado a mais de 120 anos de prisão. Após a autorização para sair do presídio de segurança máxima de Mato Grosso do Sul, o criminoso rompeu a tornozeleira eletrônica, fugiu e segue foragido desde então.

O desembargador, no entanto, retomou seu posto no TJ-MS em abril deste ano, após uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O benefício foi concedido às vésperas do aniversário de Maran, quando ele completaria 75 anos e seria aposentado compulsoriamente.  

À época, a defesa do desembargador chamou o afastamento de desnecessário e frisou que o magistrado "nunca se negou a prestar qualquer esclarecimento às autoridades em geral" e que ele estava seguro de que não atuou de maneira incorreta.

Desde então, Maran segue aposentado, mas o benefício pode ser revisto, pois ele responde a um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) aberto pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em setembro de 2023.

A Gazeta do Povo questionou o gabinete do ministro Alexandre de Moraes sobre o que motivou a decisão de derrubar o afastamento do desembargador, mas não obteve respostas.

Sobre o andamento do processo do PAD, o CNJ informou que o processo aguarda julgamento, mas ainda não entrou na pauta das sessões.  

Outros casos investigados pelo país 

Além dos casos envolvendo magistrados do Mato Grosso do Sul, as suspeitas e investigações de compra e venda de sentenças atingiram membros do Judiciário de outros estados ao longo deste ano. Em junho, por exemplo, o STJ também determinou o afastamento, durante o período de um ano, de um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).  

Ivo Almeida foi alvo de uma operação da PF intitulada Operação Churrascada por suspeita de vender decisões judiciais. O nome da operação remetia ao termo “churrasco”, que era utilizado pelos investigados para indicar o dia do plantão judiciário do magistrado, quando ele concretizava as decisões supostamente compradas.

Segundo relatório de manifestação feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR), Ivo de Almeida teria recebido R$ 1 milhão em propina para conceder habeas corpus ao narcotraficante Romilton Queiroz Hosi, aliado de Fernandinho Beira-Mar.

"Afirma-se categoricamente que o desembargador aceitou a proposta de 'venda de decisão judicial', mas houve dificuldades, pelas peculiaridades do caso concreto, em convencer os demais membros da Câmara a participar da corrupção", diz a manifestação da Procuradoria Geral da República.

A reportagem procurou a defesa de Almeida, mas não recebeu resposta sobre o caso.

Ainda no mês de junho, o STJ recebeu a denúncia contra uma desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) pela acusação de associação criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ilona Márcia Reis foi alvo da Operação Faroeste, que a apura suspeitas de venda de decisões judiciais relacionadas a disputas de terras no estado. 

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), a desembargadora teria recebido propina para dar decisões favoráveis aos interessados em três processos, todos relativos a imóveis rurais localizados no oeste baiano. O valor total acordado na negociação seria de R$ 800 mil. Ilona se aposentou neste ano e responde ao processo em liberdade.

A defesa da desembargadora também não se manifestou para a reportagem.

Ainda no estado da Bahia, as investigações também afastaram do cargo a desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago. Em junho, o STJ renovou o afastamento dela do cargo e aceitou as denúncias oferecidas pelo Ministério Público.

A defesa dela também não se manifestou sobre o processo.

Outro caso também investigado envolve o desembargador Helvécio de Brito Maia Neto, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJ-TO), afastado por decisão do ministro João Otávio de Noronha, do STJ. Ele foi alvo de uma operação da PF de agosto deste ano que investigava venda de sentenças além de ações que visavam lavar o dinheiro oriundo da prática criminosa. 

"H. M. [Helvécio Maia] é apontado como a figura central e principal vínculo entre os operadores do esquema criminoso e os membros do Poder Judiciário e outras autoridades do Estado do Tocantins. [...] desempenhava papel crucial, direcionando decisões judiciais no Tribunal de Justiça do Tocantins e norteando as promoções de magistrados conforme sua adesão ao esquema", diz trecho do relatório da PF. 

Helvécio de Brito Maia Neto segue afastado de suas funções e está proibido de acessar ou frequentar o TJ e suas repartições, inclusive por meio virtual. Ele também não poderá entrar em contato com outros investigados.

A defesa dele disse que não vai se manifestar.

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