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A proposta de reforma administrativa que o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) enviou ao Congresso Nacional no ano passado é vista com bons olhos pelos dois favoritos na eleição para a presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e Baleia Rossi (MDB-SP). Ambos manifestaram publicamente, em mais de uma ocasião, serem favoráveis à proposição e a outras iniciativas de rediscussão do serviço público.
Na construção de sua base de apoio à candidatura, porém, Rossi atraiu um grupo de parlamentares que é contrário à proposta e pode dificultar a tramitação do projeto em uma eventual gestão do emedebista.
Trata-se da oposição de esquerda ao governo Bolsonaro, formada por partidos como PT, PSB, PDT, PC do B e Rede. A maior parte dos membros das legendas rejeita a reforma – o PT chegou a convocar, no mês passado, uma "Jornada Nacional de Lutas" contra o projeto.
O deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), coordenador da frente parlamentar pela reforma administrativa, disse em entrevista ao site Infomoney acreditar na possibilidade que o bloqueio da reforma tenha entrado na pauta das discussões que levaram a oposição a aderir à candidatura de Baleia. "O grupo de Maia, por ter se aliado à oposição, não sei quais foram os compromissos que foram feitos. Pode ser que um dos compromissos seja a inviabilização da reforma", disse.
A rejeição à reforma não aparece entre os pontos citados pelos partidos da oposição na carta que divulgaram para sacramentar o apoio a Rossi. O texto elenca pontos como a busca por "o acesso universal à vacina" e "a geração de emprego e o fim do arrocho salarial" e também a "defesa dos direitos das classes trabalhadoras, com liberdade para organização e modernização de entidades sindicais".
Em entrevista recente à Folha de S. Paulo, Rossi disse que iria assegurar "um debate sobre todas as reformas". "Nós temos dois grupos de partidos que compõem a nossa frente ampla. Os do centro têm uma visão da importância e da necessidade da reforma. Os de oposição entendem que ela não pode prosperar. Como presidente da Câmara, eu vou fazer com que haja um debate sobre todas as reformas", destacou.
Quando a reforma chegou ao Congresso, Rossi disse a considerar "muito positiva" e identificou como "importante" que ela fosse votada ainda em 2020. "Ao lado da reforma tributária, a administrativa é fundamental no pós-pandemia", destacou. O parlamentar é autor de uma das propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso.
Lira quer votar reforma administrativa antes da tributária
Em entrevista à Gazeta do Povo, Lira reforçou elogios à reforma e disse que deve colocar o projeto como uma das primeiras prioridades da Câmara em 2021. "A reforma administrativa dará sinais internos e externos que seguimos no equilíbrio fiscal, realizando a despesa com os recursos disponíveis. Faremos com uma agenda previsível, transparente, com amplo debate e os setores envolvidos, garantido os serviços e direitos sociais", disse.
"Temos a necessidade urgente de aprovar o orçamento de 2021 e, depois, podemos analisar a PEC Emergencial, que também é um assunto de orçamento. Acredito que a reforma administrativa venha na sequência", acrescentou
O parlamentar reforçou que a reforma tributária deve, em sua opinião, ter um lugar posterior na fila: "por ser mais complexa e envolver inúmeros interesses, a reforma tributária deve demandar uma agenda extensa, tratada com transparência e sem vaidades. Estamos aguardando há dois anos um relatório para iniciar os trabalhos. O texto de uma PEC a gente sabe como entra, mas não tem como precisar aquilo que vai sair. Precisamos olhar nela o que podemos fazer pelos mais vulneráveis e pelos trabalhadores, como fizemos na reforma da Previdência".
O receio que o deputado Tiago Mitraud demonstrou em relação à tramitação da reforma administrativa numa gestão Baleia Rossi também existe se Lira for o vencedor da eleição – mas com outro foco. Para o deputado do Novo, o temor se justifica porque Lira representa um grupo que estabelece "um preço" para a aprovação de projetos.
"Tudo que o governo quer avançar tem um preço para eles. Vimos a votação de um PLN no Congresso para realocação de orçamento, feito para atender com emendas parlamentares extras os partidos que já declararam apoio à candidatura dele. Na Previdência, precisou ter emenda extra para aprovar a proposta. Na reforma administrativa, imagino que também haverá um preço. Com Arthur Lira eventualmente na presidência da Câmara, o jogo de trocas vai ficar ainda mais aberto", declarou Mitraud na entrevista ao Infomoney.
Quem é governo, quem não é
Um ponto positivo a favor da reforma sob Rossi ou Lira está no fato de que ambos os deputados mostraram adesão às propostas do governo Bolsonaro para o campo econômico. Os dois defenderam, por exemplo, a reforma da previdência, principal proposta da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) ao longo de 2019.
Na disputa atual, Lira é o candidato oficial do presidente Bolsonaro – o chefe do Executivo chegou a cobrar, recentemente, que os deputados ligados ao agronegócio votem no alagoano. Mas Lira tem buscado colar em Rossi o rótulo de igualmente defensor do governo. Em diversas entrevistas, o parlamentar disse que o emedebista é "tão da base" quanto ele.
Defensor da candidatura de Baleia Rossi, o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmou nesta terça-feira (12) que o fato de votos do emedebista coincidirem com as orientações do governo se dá pela sintonia das ideias no campo econômico, e que isso não se repetiria caso o Congresso tivesse apreciado temas como o acesso a armas.
O que diz a proposta de reforma
A reforma administrativa foi enviada pelo governo ao Congresso no início de setembro e faz parte de um pacote amplo de projetos para reformulação do setor público idealizado por Bolsonaro e Guedes, que contempla temas como a reforma da previdência, já finalizada, a revisão do pacto federativo e a regulamentação do teto de gastos, entre outros pontos.
A meta do governo é "modernizar" a gestão pública e, entre outras prioridades, combater o que se chama de privilégios do serviço público, como as férias de mais de 30 dias, a promoção exclusiva por tempo de serviço, e a aplicação da aposentadoria compulsória como pena ao servidor que cometa infrações.
Um elemento controverso da reforma é que a proposta não traz modificações nas carreiras dos chamados "membros de poder", grupo que inclui, por exemplo, juízes e promotores do Ministério Público. As remunerações acima do teto constitucional são habitualmente pagos a estes servidores.
O governo alegou que não poderia fazer legislações aplicáveis a estas categorias, o que é contestado por adversários do Palácio do Planalto que defendem a reforma, como o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP). Sobre este ponto, Arthur Lira falou que "não cabe ao presidente dizer o que vai ou não dentro de um texto em tramitação. Essa liberdade temos que dar e respeitar do relator".