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A meta do governo Bolsonaro de fazer com que a reforma administrativa seja aprovada pelo Congresso Nacional ainda em 2020 demandará a superação de barreiras que estão além da oposição de esquerda – tradicionalmente contrária a mudanças que afetem o funcionalismo público.
A lista de obstáculos que o Palácio do Planalto terá pela frente inclui ainda parlamentares de direita, de centro e até mesmo alguns bolsonaristas, a pandemia de coronavírus, o lento ritmo de tramitação desse tipo de projeto, o lobby dos servidores públicos, as eleições municipais e a futura escolha dos presidentes da Câmara e do Senado.
Outro desafio à frente da reforma é contornar a mais nova desavença pública entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Economia, Paulo Guedes. No último dia 3, Maia disse que estava rompido com Guedes porque o ministro havia proibido que seus auxiliares se encontrassem com o presidente da Câmara.
Reforma administrativa é PEC, que tem tramitação lenta
A reforma administrativa foi enviada pelo governo ao Congresso por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Esse tipo de projeto, por si só, tem uma tramitação mais lenta – o que dificulta uma rápida aprovação no Congresso.
Uma PEC demanda aprovação com votação em dois turnos tanto na Câmara quanto no Senado, com o "sim" de três quintos dos membros de cada Casa. Além disso, até chegar aos plenários, as PECs exigem também um rito de apreciação lento, com análise por diferentes comissões.
Outro complicador é que, ao longo do primeiro semestre, parlamentares criticaram a possibilidade de se promoverem emendas à Constituição com votações via internet, como as que têm ocorrido nos últimos meses por causa da pandemia do coronavírus.
Direita e esquerda têm restrições à reforma administrativa
A apresentação do texto inicial da reforma administrativa motivou críticas de lideranças de esquerda e de entidades que representam os servidores públicos. Sindicatos anunciaram jornadas de mobilização com a meta de impedir a aprovação da reforma.
Mas as contestações à proposição não se restringiram ao campo da esquerda. Embora com enfoques diferentes, parlamentares de direita e de correntes liberais também mostraram objeções à iniciativa e declaram que buscarão alterações no texto.
O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) gravou um vídeo em que chama a proposta enviada por Bolsonaro de "trem da alegria", porque o texto não contempla modificações para categorias como juízes, membros do Ministério Público e políticos. À Gazeta do Povo, o parlamentar disse que a exclusão do topo do funcionalismo torna ainda mais difícil a aprovação da reforma pelo Congresso.
"O fato de não incluir membros dos três poderes é péssimo para a opinião pública e torna a aprovação do texto ainda mais difícil. Eu, por exemplo, não voto reforma que não inclua políticos. Se não tem reforma para a classe política, não tem para ninguém. Sou um dos maiores defensores de promover uma reforma administrativa, mas se for para fazer apenas na base da pirâmide, estou fora", afirma Kataguiri . Ele diz que planeja apresentar uma emenda para determinar a inclusão das demais categorias e também de servidores que estão na ativa.
Por outro lado, a possibilidade de a reforma alcançar funcionários da ativa é a "única preocupação" do deputado Capitão Augusto (PL-SP), bolsonarista e líder da "bancada da bala". "Os servidores públicos já foram a categoria que mais teve prejuízos com a reforma da Previdência. E agora vem outra? Para quem está na ativa não seria justo", afirma.
A rejeição à hipótese de as diretrizes da reforma chegarem a servidores da ativa pode motivar uma inusitada união entre Augusto e os grupos de funcionários que marcam presença no Congresso, que também anunciaram objeção à iniciativa. "Ouso dizer que, se colocarem essa ideia de fazer valer a reforma para os servidores que estão na ativa, ela não vai a lugar nenhum", diz o deputado do PSL.
Já do lado da oposição, a meta é evitar que a tramitação da reforma se dê de modo acelerado. "É uma pauta muito intensa e muito ampla para que seja discutida em regime de urgência e levada a plenário. O que queremos é que ela cumpra todos os trâmites, passando inclusive pela CCJ e pela CFT", diz o líder do PT na Câmara, Enio Verri (PR), em referência à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e à Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Casa.
Verri afirma também que o PT defende que a ideia de uma reforma administrativa não é necessária para o momento atual do Brasil. "Se a ideia é fazer economia, por que não fazemos andar a 'Lei do Teto'? Isso sim seria uma atitude rápida, para proibir salários superiores a R$ 100 mil", diz.
A "Lei do Teto" tramita desde a década passada no Congresso e tem como objetivo impedir pagamentos a servidores de remunerações que superem o teto constitucional, que é o de vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Atualmente, outros "penduricalhos" são incorporados ao salário de várias categorias de servidores da cúpula do funcionalismo, sem controle externo, o que permite a superação do teto.
Rodrigo Maia indicou, em julho, que a votação da Lei do Teto na Câmara poderia ocorrer no mês seguinte, o que não se concretizou.
Calendário apertado e disputa com outros projetos
Com muitos parlamentares na disputa pelas prefeituras nas eleições deste ano, a campanha eleitoral também tende a ser um empecilho para a tramitação da reforma administrativa.
"Mesmo em um ano como esse, em que não houve recesso, a gente sabe que a as eleições municipais tendem a afetar a produtividade do Congresso", afirma o deputado Carlos Chiodini (MDB-SC).
Habitualmente, Câmara e Senado não costumam promover sessões no período entre o primeiro e o segundo turno das eleições. Em 2020, as disputas estão marcadas para os dias 15 e 29 de novembro.
Além disso, as articulações para as eleições internas do Congresso, para as presidências da Câmara e do Senado, podem ocupar a agenda dos parlamentares e tirar a prioridade de outros projetos. Os mandatos de Maia e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), se encerram em fevereiro. Mas Alcolumbre tenta emplacar até lá uma PEC que lhe garanta a possibilidade de se reeleger – o que hoje é proibido pela Constituição.
A reforma administrativa também precisará superar a concorrência de outros projetos que foram igualmente definidos como prioritários pelo governo Bolsonaro, como a reforma tributária e a implantação do Renda Brasil – o programa que vai substituir o Bolsa Família.