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Reforma política

Para salvar partidos, reforma eleitoral entra como moeda de troca na eleição da Câmara

Reforma eleitoral entra como moeda de troca na eleição para a Câmara
Urna eletrônica: regras das eleições podem mudar de novo. (Foto: Elza Fiúza/ABr)

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A eleição para a presidência da Câmara pode definir mais do que o novo comando do Legislativo. A disputa também pode determinar a sobrevivência de partidos menores. Os dois principais candidatos a presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL) e Baleia Rossi (MDB-SP), são pressionados por grupos de parlamentares a se comprometer a colocar em votação o projeto de reforma eleitoral que resgate as coligações partidárias em eleições proporcionais, o que permitiria a sobrevivência de muitas legendas.

As alianças em eleições proporcionais – para vereador, deputado estadual e deputado federal – foram proibidas pela Emenda Constitucional nº 97/2017, que começou a valer nas eleições de 2020.

O resultado das eleições municipais nas câmaras de vereadores acendeu o sinal de alerta. A emenda, ao proibir as coligações e instituir a chamada cláusula de desempenho eleitoral para que os partidos possam ter representação nos Legislativos, acabou beneficiando os partidos maiores, que passaram a eleger mais parlamentares.

Além do fim das coligações proporcionais, a PEC 282/16 ainda restringiu o acesso de partidos a verbas públicas e à propaganda no rádio e na TV, por meio da chamada cláusula de barreira.

É essa somatória dos fatores que vem causando preocupação na Câmara. Deputados de legendas pequenas e médias temem que pelo menos um terço dos partidos possa ser extinto após 2022. Portanto, estaria em jogo a sobrevivência dessas siglas e os mandatos de seus parlamentares.

Lira e Baleia seriam favoráveis a discutir a reforma eleitoral

A aprovação de uma reforma eleitoral para desfazer as mudanças de 2017 virou uma espécie de moeda de troca de parlamentares para apoiar um ou outro candidato a presidente da Câmara.

Arthur Lira, candidato apoiado pelo governo federal, tem sinalizado favoravelmente ao pedido de partidos. Ele é líder do Centrão, bloco constituído por várias siglas ameaçadas. E sofre pressão também de legendas que não fazem parte do Centrão.

O mesmo vale para Baleia Rossi. Ele também tem recebido a mesma demanda das mais diferentes legenda. E, segundo interlocutores, se mostra sensível a discutir a ideia. “Se ele tiver voto apoiando essa pauta, ele faz [a reforma eleitoral]”, diz um parlamentar do MDB, o mesmo partido de Baleia.

Mudar as regras eleitorais, contudo, encontra resistência em alguns partidos, principalmente os maiores, que se beneficiam da nova legislação. Tanto o MDB de Baleia Rossi quanto o PP de Arthur Lira, por exemplo, se beneficiam com as regras em vigência.

Os impactos do fim das coligações proporcionais

O fim das coligações proporcionais passou a valer nas eleições municipais de 2020 e análises mostram que beneficiou os partidos grandes e reduziu o número de vereadores eleitos por siglas médias e pequenas. Diante da cláusula de barreira, a sobrevivência dos partidos menores estará ainda mais comprometida.

Para as eleições 2022, partidos que não conseguirem obter 2% dos votos válidos para deputado federal ou a eleição de 11 deputados distribuídos em, pelo menos, nove estados, ficarão impossibilitados de receber recursos do Fundo Partidário e terão o tempo de rádio e TV restringidos a partir da legislatura seguinte – ou seja, entre 2023 e 2026. Nas eleições de 2026, o percentual sobe para 2,5% e suas implicações valem entre 2027 e 2030. A partir de 2031, a cláusula de desempenho sobe para 3% dos votos válidos.

Com base nos resultados da votação para vereador nas eleições de 2020, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) calcula que, dos 33 partidos que lançaram candidaturas, 15 partidos não atingiriam os 2% dos votos válidos, considerando os votos nominais e de legenda: DC, Novo, PCB, PCdoB, PCO, PMB, PMN, PROS, PRTB, PSOL, PSTU, PTC, PV, Rede e UP.

Dessas legendas, seis têm representatividade na Câmara: Novo, PCdoB, PROS, PSOL, PV, Rede. Desses partidos, o Novo é o único que, abertamente, por posicionamento partidário, não se opõe aos impactos da cláusula de barreira, como as restrições ao Fundo Partidário. O restante sabe dos riscos quanto à sobrevivência para os anos seguintes.

A alternativa e argumentos para a reforma eleitoral

O Podemos é uma das legendas que, nos bastidores da Câmara, trabalha pela reforma eleitoral que resgate as coligações. Para isso, a legenda concorda em elevar as exigências da cláusula de barreira, afirma o deputado José Nelto (Podemos-GO). “Que suba a cláusula de barreira, não tem problema. Porque aí vai eliminando os partidos que não têm apelo popular. Mas não podemos manter a legislação atual”, diz.

No modelo atual, sem coligações, Nelto calcula que 70% das reeleições estariam inviabilizadas. “Ou haverá o enxugamento. Nós vamos voltar ao período da ditadura militar, que só tinha MDB e Arena [dois partidos]. Teríamos que escolher um lado ou outro. O Estado não tem como ficar com um modelo que tira a liberdade do parlamentar”, afirma Nelto.

Segundo ele, a discussão sobre o assunto não é restrita aos partidos e seus respectivos candidatos a presidente. O deputado afirma que o debate é amplo, uma preocupação disseminada entre diferentes partidos. “Não é como se Avante e o Patriota [que está com Arthur Lira] dialoguem só com o Arthur, ou o PCdoB [que está com Baleia Rossi] e o PSOL conversem só com com o Baleia”, diz.

Os motivos e objeções da volta das coligações

Mas a retomada do debate não é uma tarefa simples. Relatora da PEC 282/16, que mudou a legislação eleitoral, a deputada Shéridan (PSDB-RR) comemorou a aprovação da matéria, em setembro de 2017. Ela destacou que a coligação era uma “ameaça” e “deturpação do sistema eleitoral brasileiro”.

“É permitir que o eleitor traduza sua vontade vendo seu candidato eleito, e não essa conta absurda que muitas vezes elege quem não teve votos. Com a pauta da cláusula, ninguém está sendo tolhido, nenhum partido vai deixar de existir”, disse Shéridan.

Quando Shéridan se referiu a “permitir que o eleitor traduza sua vontade vendo seu candidato eleito”, ela se referia ao exagero no uso das alianças e à distorção que o sistema proporcionava: o eleitor votava no candidato de um partido e ajudava a eleger outro, de uma legenda que muitas vezes nem mesmo tinha afinidade ideológica com a do concorrente escolhido pelo cidadão.

Entre 2004 e 2008, o total de vereadores eleitos por coligações nos municípios superou os 80%. Entre 2012 e 2016, o índice chegou a 92%, sendo que nenhum partido grande ficava abaixo de 85%, segundo levantamento do jornal Valor Econômico. Um partido podia lançar até 1,5 vezes o total de vagas em disputa para o Legislativo.

“Distritão” é rejeitado pelos partidos

Entre os modelos alternativos às coligações, está a eleição majoritária para deputados – o chamado voto “Distritão” (seriam eleitos os parlamentares mais votados, e não os mais votados dos partidos mais votados, como ocorre hoje por meio da regra do coeficiente eleitoral).

O MDB, a maior legenda do Brasil, tem um interesse histórico na proposta. Mas o Distritão permanece sendo rejeitado pela maioria dos partidos.

“O Distritão, no meu ponto de vista, acaba com os partidos. Vai virar a eleição da mala de dinheiro, porque ninguém tem compromisso com ninguém. Até pelo novo modelo eleitoral, tem que voltar as coligações”, diz o deputado José Nelto. O voto ‘Distritão’, na prática, acabaria com o atual modelo do coeficiente eleitoral.

O Distritão chegou a ser votado na Câmara, em 2015. Mas a proposta foi rejeitada. Na época, o então presidente da Casa, Eduardo Cunha (MDB-RJ), defendia o modelo.

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