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A dança das cadeiras promovida pelo presidente Jair Bolsonaro na Esplanada dos Ministérios nesta segunda-feira (29) teve como um dos principais resultados colocar à frente da Secretaria de Governo, que funciona no Palácio do Planalto, a deputada Flávia Arruda (PL-DF). A parlamentar é integrante do Centrão da Câmara e próxima do presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL). A Secretaria de Governo é a pasta responsável pela articulação política do Planalto junto ao Congresso Nacional.
Aliados de Bolsonaro, porém, descartam que as alterações indiquem submissão do chefe do Executivo ao grupo de deputados. Para eles, o presidente foi "estratégico" ao promover as mudanças em um único dia, e viram nisso uma ação rápida para evitar o agravamento de problemas.
"Não há queda. Há uma reforma administrativa. Todo governo faz", minimizou o deputado federal Marco Feliciano (Republicanos-SP). O parlamentar esteve com Bolsonaro na manhã desta segunda, no Palácio do Planalto, para um café da manhã.
Flávia Arruda está em seu primeiro mandato na Câmara. Ela ganhou notoriedade a partir do fim do ano passado, quando foi indicada para presidir a Comissão Mista de Orçamento (CMO). Sua escolha para o cargo representou uma batalha entre o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e Arthur Lira, que buscava se fortalecer para concorrer ao posto. Maia queria que a vaga ficasse com o DEM, de acordo com combinações feitas no início de 2020; Lira alegava que o cenário havia mudado ao longo dos meses e que o partido da parlamentar, o PL, deveria ser contemplado com o comando da comissão, uma das mais cobiçadas do Congresso.
Lira venceu a queda de braço. Flávia e seu partido também saíram vitoriosos. O PL tem 42 deputados federais e a terceira maior bancada da Câmara, atrás apenas de PT e PSL. O partido é uma histórica força do Centrão: não disputa uma eleição presidencial desde 1989 e, de lá até os dias atuais, apoiou em maior ou menor grau todos os presidentes da República. O PL é também o partido do primeiro vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (AM). O presidente da sigla é o ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado pelo envolvimento no escândalo do mensalão, no governo Lula.
Para o deputado Marcio Labre (PSL-RJ), mesmo todo o contexto não indica que Bolsonaro tenha se submetido ao Centrão ao nomear Arruda como ministra. "Não tenho informações para dizer se a decisão foi fruto de pressão do Centrão. Mas acredito que seja mais especulação. Se fosse uma real pressão, Bolsonaro teria nomeado mais civis, e não mais militares", disse.
Dois dos "novos" ministros nomeados pelo presidente nesta segunda são militares: general Luiz Alberto Ramos (Casa Civil) e general Walter Braga Netto (Defesa). Eles já eram ministros do governo. Braga Netto era o titular da Casa Civil e Ramos estava na Secretaria de Governo, que agora é de Flávia Arruda.
"As reformas de hoje também tiraram a ideia de que Bolsonaro é comandado pelo Centrão. O que existe é diálogo. Muita gente confunde conversas, relacionamento com uma submissão, algo que não acontece", disse o deputado Bibo Nunes (PSL-RS), também bolsonarista.
Crise ou estratégia?
Nunes opinou que o anúncio das seis modificações ajudou o governo a "tirar o foco" da mudança no Ministério das Relações Exteriores. A demissão de Ernesto Araújo foi a primeira a ser anunciada nesta segunda e finalizou um processo de desgaste que o agora ex-chanceler acumulou ao longo dos últimos dias. "Ao mudar os seis, ele desviou o foco, tirou um pouco da intriga que pairava sobre as Relações Exteriores", declarou.
O deputado elogiou o sucessor de Araújo, o também servidor de carreira do Itamaraty Carlos Alberto Franco França. "Tem extremo bom senso político, não é radical e é uma pessoa muito aberta ao diálogo", disse. A "ausência de radicalismo" de França foi celebrada também por outros parlamentares e é vista como outro dos grandes efeitos das trocas desta segunda.
Araújo, que foi ministro de Bolsonaro desde o primeiro dia de governo, se posicionou como um dos maiores expoentes da chamada "ala ideológica" da gestão do presidente da República, grupo que contava também com dois antigos titulares da Educação, Ricardo Vélez e Abraham Weintraub. O novo chanceler é visto como pragmático e conciliador.
"Não acho que o governo esteja em crise. Vejo o governo tentando acertar o time. O que acontece é uma tentativa de dar fluidez", afirmou Labre.
Militares "de confiança"
A queda do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, tem sido acompanhada de especulações sobre possíveis pedidos de demissão dos chefes das Forças Armadas. Comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica se reuniram na tarde desta segunda e consideravam um pedido coletivo de exoneração, em solidariedade a Azevedo e Silva.
O ministro teria sido pressionado por Bolsonaro a deixar o cargo por não mostrar plena adesão às ideias do governo. O presidente teria se irritado com uma entrevista publicada no domingo (28) pelo jornal Correio Braziliense com um general do Exército que falou sobre medidas contra a Covid-19 tomadas pela corporação, como distanciamento social, home office e uso de máscaras, ações que desagradam Bolsonaro.
O deputado Labre acredita que as alterações desta segunda possibilitaram a Bolsonaro colocar nos ministérios "militares com outro nível de confiança". "É o que o presidente pode fazer para se fortalecer ainda mais", opinou.
Na mesma linha, Bibo Nunes endossou: "o que o Bolsonaro vai fazer? Colocar um petista, um psolista, nessas funções? Não, tem que ser gente da confiança dele".