A discussão da reforma da Previdência será retomada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, nesta terça-feira (23), em clima de incerteza e expectativa. O parecer inicial do relator, lido há duas semanas e que sugere a admissibilidade da proposta encaminhada pelo governo, foi rejeitado nos bastidores pela maioria dos deputados do colegiado, que pressionaram por mudanças.
Nesta segunda-feira (22), o secretário especial da Previdência, Rogério Marinho, admitiu ceder em pontos que não impactam na economia que a reforma vai gerar em dez anos – R$ 1 trilhão, segundo estimativa da equipe econômica. "É melhor dar um passinho para trás agora para dar dez passos lá na frente", resumiu a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP).
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A pressão para mudar o texto da proposta de emenda constitucional (PEC) foi liderada pelo Centrão – grupo formado pelo PP, PR, DEM, PRB e Solidariedade – e recebeu apoio de siglas como MDB e PSD.
Mas até governistas defenderam modificar o relatório do deputado Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG) – uma prova inconteste da falta de articulação política do Planalto para aprovar a matéria, que é de suma importância para o futuro do Brasil.
Diante do risco de sofrer uma derrota na CCJ, Freitas concordou em fazer alterações em seu parecer. Os parlamentares querem mudar pontos da reforma que não têm vinculação com a Previdência Social, como o fim do abono salarial para quem ganha mais de um salário mínimo e o fim da multa de 40% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para quem se aposenta e continua no emprego.
Além disso, são contra a desconstitucionalização das regras de aposentadoria. A proposta do governo deixa uma série de questões sobre a Previdência para ser regulamentada em lei complementar, que é mais fácil de ser aprovada.
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Outro ponto de discordância é o regime de capitalização (trabalhador pouparia ao longo da carreira para sua própria aposentadoria), que substituiria o atual sistema de repartição (trabalhadores da ativa financiam quem já está aposentado).
Freitas e Marinho não deixaram claro se farão todas as modificações sugeridas ou se acolherão apenas parte delas. Eles debateram o assunto nos últimos dias, inclusive no feriado, em busca de um consenso com a equipe econômica.
De certo mesmo é que dispositivos cruciais da reforma da Previdência, como idade mínima e regras de transição, serão preservados. Eventuais mudanças para atenuar esses pontos só devem ocorrer na comissão especial da reforma da Previdência, etapa seguinte à apreciação do parecer do relator na CCJ.
Sigilo de dados e o risco de obstrução
A véspera da retomada da discussão foi quente, em Brasília. Deputados de oposição querem impedir a votação na sessão da CCJ desta terça-feira enquanto o governo não levantar o sigilo sobre informações que embasam a proposta de reforma da Previdência. "Não é razoável votarmos a matéria sem o conhecimento dos dados", afirmou o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ).
Além disso, parlamentares contrários às mudanças apresentadas pelo governo avaliam pedir uma nova fase de discussões se o parecer do relator Marcelo Freitas for alterado, o que demandaria mais tempo de análise.
"Nós podemos exigir que não se vote nada. Ou o governo recua ou não deixaremos essa sessão prosseguir amanhã (terça)", disse o deputado José Guimarães (PT-CE). "O princípio da transparência pública não pode permitir isso (a votação)", declarou, ao cobrar uma divulgação dos dados desagregados que embasam a proposta.
Rogério Marinho negou que há decretação de sigilo sobre o detalhamento dos dados da reforma da Previdência. À Rádio Globo, o secretário disse que a equipe econômica refina os números para levá-los à comissão especial e ressaltou que os dados que embasaram apresentação da proposta são públicos e estão no Congresso desde 2017.
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A oposição não seu deu por convencida. O deputado Aliel Machado (PSB-PR) chegou a entrar com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda para suspender a votação da PEC na CCJ.
Mas o ministro Gilmar Mendes, que participa de um seminário em Portugal, decidiu negar o pedido de liminar. Para Mendes, uma intervenção no debate nesse momento seria "prematuro" e uma ingerência indevida do Poder Judiciário no Congresso Nacional.
Diante disso, a oposição quer apresentar uma questão de ordem, argumentando que a votação é ilegal até que o mérito da ação no STF seja apreciada e as informações sejam divulgadas.
Numa tentativa de costurar um acordo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou pelo Twitter que os deputados terão acesso aos dados detalhados que embasam a proposta de reforma da Previdência na quinta-feira (25), após a votação da admissibilidade da PEC. Maia também estava em Portugal.
Qualquer seja o resultado, governo sairá derrotado
Qualquer mudança no texto da reforma feita na CCJ representará uma derrota para o governo. A PEC deu entrada na Câmara no fim de fevereiro e até agora, dois meses depois, nem sequer passou pela Comissão de Constituição e Justiça, atrasando o calendário de votação no Congresso traçado pelo governo.
Alguns líderes do governo já reconhecem publicamente que a votação em plenário deve ficar para o segundo semestre. Embora o presidente da Casa, Rodrigo Maia, mantenha discurso de que a emenda constitucional será votada até junho.
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Na própria CCJ, o governo acumula insucessos: primeiro na audiência pública que expôs o ministro da Economia, Paulo Guedes, no episódio “tigrão e tchutchuca”; depois no atraso na leitura do relatório de Marcelo Freitas; em seguida na inversão da pauta que priorizou a votação da PEC do Orçamento impositivo; e, por fim, no adiamento da votação para depois da Páscoa, com a expectativa de que o texto seja desidratado já na comissão.
O governo desejava que a reforma tivesse uma tramitação tranquila na CCJ, com aprovação do texto original por larga vantagem de votos, para demonstrar força e controle da situação. Mas deu tudo errado. E, por enquanto, o que se aguarda é uma desidratação da reforma – e isso se ela for mesmo à votação nesta terça-feira.
Reforma de FHC também foi desidratada na CCJ
Em 1995, a CCJ da Câmara também promoveu alterações na reforma da Previdência proposta pelo governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) ao analisar a admissibilidade do texto.
Uma das mudanças aprovadas (emenda 2) suprimiu a palavra “não” em dois trechos que tratavam de regra única de reajuste de benefícios e pensões. A versão do governo usava a expressão “não se admitindo, neste caso, a invocação de direito adquirido” – sem o advérbio de negação, o segurado passou a poder questionar a correção dos valores.
A batalha para aprovar a reforma de FHC durou longos 38 meses, entre 1995 e 1998, com muito desgaste por parte do governo. Houve resistência de sindicatos ligados a servidores públicos e trabalhadores do setor privado e o governo ainda não contava com uma coalizão estável, como acontece com Bolsonaro hoje.
O principal ponto da reforma era justamente a idade mínima, então proposta em 55 anos para mulheres e 60 para homens. A proposta passou com dificuldade no plenário da Câmara devido às centenas de destaques para votação em separado, que exigiam votação nominal e aumentavam o custo político do apoio a medidas impopulares.
No Senado, o projeto foi aprovado dado à ampla maioria do governo, mas sofreu alterações e precisou voltar para nova análise da Câmara. Ao examinar o substitutivo do Senado, a CCj desta vez aprovou a admissibilidade sem alterações.
O texto seguiu para votação dos deputados no plenário em maio de 1998 e o que se seguiu entrou para o anedotário da política nacional. A idade mínima para o regime geral (trabalhadores do setor privado) foi derrotada devido ao voto “errado” do deputado Antonio Kandir (PSDB-SP).
O tucano registrou, sem querer, abstenção ao invés de votar “sim”, impedindo que a proposta alcançasse os 308 votos necessários para mudar a Constituição. Somente a idade mínima para servidores públicos foi aprovada, entre outros pontos.
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