O governo federal está com a corda no pescoço. Para o ano que vem, 94% do orçamento da União está comprometido com despesas obrigatórias, que incluem o pagamento de salários, aposentadorias e pensões. Por conta disso, o investimento público para 2020 deve ser o menor já registrado pela Secretaria do Tesouro Nacional desde 2007.
Tendo em vista o cenário de escassez de recursos, o governo tem falado em reduzir as despesas obrigatórias – promovendo, por exemplo, a reforma da Previdência. Uma das medidas apresentadas para apreciação no Congresso já no início do mandato de Jair Bolsonaro (PSL), porém, vai na contramão do aperto nos cintos: são as mudanças no sistema previdenciário dos militares – que foram encaminhadas aos parlamentares em conjunto com uma proposta de reestruturação na carreira dos integrantes das Forças Armadas.
Apesar de ter sido enviado para o Congresso em março, o projeto de lei 1.645 de 2019 está andando a passos lentos na Câmara dos Deputados. Isso porque a prioridade na Casa era a reforma do regime geral da Previdência – que, agora, já está em apreciação no Senado. Como o projeto dos civis avançou, a proposta envolvendo os militares também deve caminhar. Por enquanto, o PL ainda está na comissão especial formada para avaliar a matéria.
Regras mais duras de um lado, concessões de outro
As mudanças incluídas na proposta tornam mais rígidas algumas regras para a “aposentadoria” dos militares – que, na prática, significa a passagem para a reserva das Forças Armadas. Entre elas estão o aumento do tempo mínimo de serviço, de 30 para 35 anos; na alíquota de contribuição, de 7,5% para 10,5%; e também na idade mínima para a transferência para a reserva, que passaria a variar de 50 a 70 anos (contra 44 a 66 anos na regra em vigor).
Segundo o próprio governo federal, essas mudanças devem promover uma economia de R$ 97,3 bilhões em dez anos. Por outro lado, mais alterações incluídas no projeto provocarão aumento nos gastos de R$ 86,85 bilhões no mesmo período – diminuindo o saldo positivo aos cofres públicos para R$ 10,45 bilhões. Em comparação, a reforma da Previdência dos civis tem economia prevista, agora, de R$ 870 bilhões em dez anos.
As mudanças que “sabotam” a economia do projeto incluem alterações na carreira dos militares. A proposta prevê, por exemplo, o aumento no adicional para quem fizer cursos de aperfeiçoamento. Hoje, o valor está entre 12% e 30% sobre o soldo. Na nova configuração, o “bônus” máximo chegaria a 73% do soldo.
Além disso, a nova norma cria um adicional de disponibilidade para os militares que estiverem aptos a se deslocar. O valor varia entre 5% e 41% do soldo, dependendo da patente do militar.
Cenário fiscal é desfavorável
Na opinião de Luís Eduardo Afonso, professor da Universidade de São Paulo (USP), o projeto é "uma decepção". "É uma economia muito baixa, e temos que levar em conta que a proposta ainda precisa tramitar na Câmara e no Senado. Pode diminuir mais ainda", diz.
Segundo ele, o momento para pensar em mudanças na carreira dos militares não é adequado, tendo em vista o contexto das contas públicas e o ganho fiscal oferecido pelas mudanças. "Ninguém discute que, eventualmente, a carreira dos militares pode ter muitas defasagens. Mas nesse momento toda a sociedade está sendo chamada para fazer um sacrifício, enquanto para os militares o esforço não será tão grande. Estamos comprometendo cada vez mais a capacidade de governar com gastos obrigatórios, o que é muito complicado", afirma.
Istvan Kasznar, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), pondera, por outro lado, que a carreira militar tem características próprias. Por isso, segundo ele, não é possível analisar o projeto com o mesmo olhar que se tem para civis e para os demais servidores públicos. "Há uma necessidade de ajustamento, por conta da desigualdade de renda que existe no país. Mas não podemos esquecer que os militares também têm sofrido com cortes de gastos, que afetam o próprio funcionamento das Forças Armadas" defende.
Um dos exemplos da falta de recursos vem do Exército. Neste mês de setembro, a corporação não está tendo expediente às segundas-feiras, justamente para cortar gastos. A falta de dinheiro deve atingir, também, contratos de serviços – como limpeza, recolhimento de lixo, e fornecimento de água e luz –, já que o Ministério da Economia contingenciou 28% dos gastos discricionários do Exército.
"É um retrato lastimável da falta de recursos do país. É como se a sociedade estivesse fazendo escolhas erradas, gastando muito com aposentadoria e pensões e ficando sem dinheiro para contas básicas", afirma o professor da USP.
Militares de baixa patente consideram projeto injusto
Mesmo entre os membros das Forças Armadas a reforma não é consenso. Em audiência pública promovida pela Câmara dos Deputados a respeito do tema, representantes dos praças disseram que as mudanças privilegiam os oficiais de alta patente. "Essa reestruturação só beneficia a alta cúpula das Forças Armadas", criticou Adão Farias, representante da Associação Brasileira Bancada Militar de Praças.
A principal reclamação é a disparidade nos percentuais de aumento concedidos nas promoções previstas no projeto. Para o deputado Darcísio Perondi (MDB-RS), vice-líder do governo, o texto do Executivo valoriza o esforço dos oficiais. "Aqui é meritocracia. Na reforma da Previdência, todos precisam contribuir, desde o que ganha menos ao que ganha mais, porque o buraco fiscal é gigantesco", defendeu.
Para Istvan Kasznar, da FGV, é importante que os oficiais com cargos superiores na hierarquia tenham mais qualificação. "São oficiais que dedicam a vida toda a isso. Temos que tomar cuidado porque as instituições militares precisam de elites bem treinadas, mesmo que a estrutura salarial não tenha sido bem montada de início", afirma.
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