A reforma tributária ganhou espaço no noticiário depois que integrantes do governo de Jair Bolsonaro passaram a dar pistas de qual deve ser a proposta da gestão. Mas, enquanto o projeto do Executivo não desencanta, já tramita na Câmara dos Deputados uma proposta alternativa, que teve origem no Parlamento e é apoiada pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Trata-se da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP). O projeto, baseado em estudo do economista Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal, tem como principal ponto a unificação de tributos federais (PIS, Cofins e IPI), estaduais (ICMS) e municipais (ISS). Batizado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o novo tributo seguiria o modelo do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), aplicado em outros países.
"Esse é o padrão mundial de tributação de consumo. Hoje temos um sistema muito ineficiente, com uma quantidade enorme de alíquotas, cheio de exceções e benefícios fiscais. Tudo isso gera distorções na economia brasileira, o que prejudica o crescimento do país", disse Appy em entrevista à Gazeta do Povo.
Enquanto isso, a proposta do governo, pelo que se tem notícia, implicará na criação de um imposto único sobre bens e serviços reunindo apenas os tributos federais – deixando de fora, portanto, o ICMS e o ISS. Outro ponto importante seria a substituição da contribuição previdenciária patronal por uma Contribuição sobre Pagamentos (CP), ao estilo da antiga CPMF.
Na conversa com a Gazeta, Appy defendeu sua proposta das críticas e avaliou as alternativas que vêm sendo cogitadas pelo governo. Leia a íntegra da entrevista:
Quais são os pontos fortes da reforma que o senhor ajudou a propor?
O que tem de mais interessante na PEC 45 é o padrão mundial de tributação do consumo. O modelo é o mais simples possível para o contribuinte, porque tem um imposto só. Ao mesmo tempo, ele respeita a autonomia federativa, já que o imposto é gerido conjuntamente e você permite que União, estados e municípios fixem a parcela da alíquota. Outro ponto importante é a regra de transição em dez anos. Foi uma forma que encontramos para que os impactos setoriais sejam absorvidos de forma não tão traumática. Com isso, vamos reduzindo progressivamente as alíquotas dos impostos atuais e elevando progressivamente as do IBS. Por fim, prevemos uma transição mais longa ainda na distribuição de receitas para estados e municípios, de 50 anos. Tudo isso com um aspecto importante: a mudança no sistema tributário tem impacto muito positivo sobre o crescimento. Estimamos que ele seja de pelo menos dez pontos percentuais no PIB em um prazo de dez anos.
Uma das críticas ao projeto se refere justamente à autonomia dos estados. Alguns especialistas dizem que sua proposta fere o princípio do federalismo. Como o senhor se posiciona?
Sabemos que alguns advogados tributaristas estão falando isso, mas temos muita confiança de que o modelo é constitucional. A participação conjunta na gestão do imposto, por um lado, e a autonomia na fixação da alíquota, por outro, são suficientes para garantir o princípio do federalismo. É preciso esclarecer que a autonomia federativa se refere à gestão de receitas e despesas. Cada estado ter seu imposto não é condição necessária para isso. Aliás, essa autonomia já é extremamente restrita hoje, pela legislação em vigor. O que está sendo proposto não restringe mais do que hoje.
Outra crítica é de que, acabando com a guerra fiscal, a proposta pode agravar as desigualdades regionais, com concentração de riqueza no Sul e Sudeste. Por que o seu sistema é mais vantajoso?
O modelo atual, baseado na concessão de benefícios fiscais, tem sido muito ineficiente na promoção de desenvolvimento regional. Benefícios não são concedidos para explorar vocações regionais, mas para “roubar” empresas de outros estados. Além disso, todos os estados, até os mais ricos, dão benefícios. Com isso, virou um jogo de soma negativa em que, no final, ninguém consegue promover desenvolvimento. Estamos substituindo esse modelo por um fundo de desenvolvimento regional, que vai só para os estados menos desenvolvidos do país. Assim, eles poderão alocar o dinheiro para desenvolver aquilo que têm vocação.
Como funcionaria esse fundo?
Isso ainda não está na PEC 45. Aparentemente, a receita seria recolhida pelo comitê gestor do imposto e repassada para os estados, sem passar pelo orçamento da União. O Congresso vai decidir.
A proposta do governo também deve ter um imposto único, mas sem incluir os tributos estaduais e municipais. Na sua visão, a distorção continuaria?
O governo fala que, politicamente, é difícil incorporar o ICMS e o ISS na reforma tributária. Ocorre que nós temos uma carta assinada pelos 27 secretários de Fazenda dos estados pedindo o fim do ICMS e a substituição pelo IVA, na linha do que está na PEC 45 – ainda que com alguns ajustes. É um pouco estranho que o governo diga que é difícil fazer isso. O segundo problema é que, se você fizer o IVA só com impostos federais, vai deixar fora o pior imposto do país hoje, que é o ICMS. O que terá mais efeito sobre o crescimento é resolver esse problema.
E em relação à criação de uma espécie de nova CPMF, em substituição à contribuição patronal à Previdência, o que o senhor acha?
A discussão de desonerar a folha é importante e precisa ser feita. Por outro lado, achamos que um imposto sobre transações financeiras é de qualidade muito ruim. É cumulativo, estimula a desintermediação financeira. Vários países têm um histórico de queda da arrecadação quando criaram impostos desse tipo. No Brasil, isso não ocorreu porque o juro era alto e a alíquota da contribuição era baixa, mas no futuro isso certamente vai ocorrer. Então, além do risco fiscal, você gera insegurança para os próprios contribuintes, porque o governo vai correr atrás do prejuízo, aumentando cada vez mais a alíquota. Toda a literatura internacional entende que isso não é um bom imposto, que tem um impacto negativo sobre o crescimento.
Um grupo de empresários, o Instituto Brasil 200, tem uma proposta ainda mais ousada, de fazer um único imposto sobre movimentações financeiras. É pior ainda?
A proposta do Instituto Brasil 200 é substituir tributos que representam 27% do PIB por um imposto sobre transações financeiras com alíquota de 5,6%. Na verdade, se você pegar a CPMF e ver o quanto ela arrecadava do PIB, vai ver que esse imposto que eles propõem teria que ter alíquota de 7,7%. Tenho certeza absoluta de que, com essa alíquota, a arrecadação iria despencar. O imposto sobre transações financeiras é distorcivo, mas o grau cresce de forma exponencial com a alíquota. Imagine o tamanho do problema que isso provocaria na economia.
O senhor chegou a trabalhar no governo durante a gestão Lula. Não tem medo de que, com a polarização política, seja rotulado de alguma forma, e que isso acabe respingando na proposta?
Eu não tenho nenhuma vinculação partidária. O trabalho todo foi desenvolvido pelo Centro de Cidadania Fiscal, sem qualquer viés ideológico. É uma proposta estritamente técnica. Não creio que isso seja um problema.