"Não houve acordo com os senhores líderes para um texto". O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), explicou desse modo a decisão da gestão Jair Bolsonaro de não apresentar, nesta segunda-feira (28), uma nova etapa do projeto de reforma tributária, conforme era esperado. O que Bolsonaro, alguns de seus ministros e membros de sua base aliada fizeram foi anunciar os parâmetros para instalação do Renda Cidadã, projeto de transferência de renda que pode substituir o Bolsa Família e será direcionado aos atuais beneficiários do auxílio emergencial.
O acordo mencionado por Barros passa por diversos aspectos. Um deles é a implantação do imposto sobre transações digitais, defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, mas rejeitado por parte expressiva do Congresso Nacional por ser visto como uma recriação da CPMF. Guedes e seu time identificam no tributo uma possibilidade de garantir com ele os recursos necessários para efetivar a desoneração da folha de pagamento, o que, na análise da equipe econômica, permitiria a criação de mais empregos. A ideia não encontra um bom grau de aprovação entre os parlamentares, receosos com os impactos à popularidade que a recriação de um imposto pode gerar.
Outro elemento em jogo é uma possível disputa entre estados que pode surgir durante a tramitação da reforma tributária no Congresso. Isso porque uma das ideias colocadas para a nova sistemática de impostos é fazer com que a tributação seja feita no ato do consumo, e não na produção dos bens. A proposta, na avaliação de alguns parlamentares, prejudicaria alguns estados de população menor e que são produtores de insumos consumidos em outros locais do país, como energia elétrica e minérios.
A aprovação da reforma tributária precisaria também superar barreiras que não dizem respeito ao seu texto, mas sim ao cenário político: as eleições, tanto as municipais quanto as internas da Câmara dos Deputados e do Senado. A disputa pelas prefeituras e câmaras de vereadores tende a fazer com que o Congresso tenha suas atividades reduzidas nas próximas semanas, principalmente nos dias que antecederem o pleito.
Já a corrida pelas presidências de Câmara e Senado vive atualmente um contexto em que a disputa está mais posicionada nos tribunais do que no Congresso, uma vez que a discussão de momento é a sobre a possibilidade de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) serem autorizados a disputarem novos mandatos. Ainda que o debate se posicione no campo jurídico, parte significativa dos esforços de parlamentares e mesmo do governo vai para o processo.
"Agora o governo tem um eixo político rodando", diz Guedes
O ministro Paulo Guedes, ao falar em entrevista coletiva no Palácio da Alvorada sobre o Renda Cidadã, disse que o governo já tem a proposta pronta e que "agora é a política que dá o tom". Ele também disse que, na comparação com momentos anteriores, existe uma "novidade" que pode beneficiar o Renda Cidadã: "agora o governo tem um eixo político rodando".
O "eixo político" mencionado pelo ministro diz respeito ao momento de melhor articulação entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional. E o deputado Ricardo Barros é quem personifica o quadro. Ele se tornou o líder do governo na Câmara em agosto e desde então tem protagonizado negociações em nome do Executivo — nesta segunda-feira, foi quem falou à imprensa imediatamente após o presidente Bolsonaro.
Na avaliação do deputado José Medeiros (Podemos-MT), apoiador de Bolsonaro, um desafio que o governo terá para fazer com que a reforma tributária avance é "ter cuidado para que não sejam criadas narrativas que demonizem a reforma". O imposto sobre transações digitais é, segundo Medeiros, uma "vítima" desse problema com as narrativas. Segundo o parlamentar, a taxa corresponderia a uma substituição tributária, o que a priori não representaria custos adicionais à sociedade, mas a ideia não foi "vendida" corretamente à população.
"Nós somos contra a recriação da CPMF, seja qual for a razão", destacou o líder do Novo na Câmara, Paulo Ganime (RJ). O deputado destacou que vê outras possibilidades de o governo ampliar sua arrecadação para custear a desoneração da folha de pagamento. "Por que não aumentar a CBS?", disse Ganime, em referência à Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), imposto que pode ser implantado no âmbito da reforma tributária, como resultado da unificação de outras taxas existentes. "A realidade é que a sociedade é contrária à criação da CPMF", disse.
"Não houve acordo ainda sobre o texto. A reforma tributária não está enterrada, nós estamos atrás de votos, continuaremos trabalhando para buscar mais votos. Está faltando apoio sobre alguns dos itens que nós estamos propondo. Há uma proposta de reduzir imposto do CNPJ e tributar dividendos. É uma troca de base tributária, mas precisamos de apoio pra fazer isso. Não houve acordo sobre o novo imposto para desonerar a folha de pagamentos e tributar as transações digitais", declarou Barros sobre o tema à Agência Câmara.
Reforma tributária causa disputa de bancadas
O líder do Solidariedade na Câmara, Zé Silva (MG), também tem ressalvas à recriação da CPMF; mas, segundo ele, os problemas de momento em torno da reforma tributária são "muito mais" do que a substituição de taxas.
Silva coloca como uma questão os efeitos da ideia de se fazer a cobrança dos impostos no ato do consumo, e não na produção. "Vamos pensar em um estado que tem grande produção de energia elétrica e uma população menor, como Tocantins. A energia é produzida ali e consumida em centros maiores como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Se mudarem as regras, o que vai acontecer com o estado produtor? Vai produzir e não receber nada? A reforma virá para aumentar desigualdades?"
A preocupação é endossada por José Medeiros: "os estados do Centro-Oeste estão realmente com essa demanda. Então esse é o tipo de coisa que precisa ser aplainada, que se precisa chegar a um consenso antes de votar".
Segundo Silva, a expectativa dos deputados é fazer com que os ajustes na reforma tributária sejam desenvolvidos pelo próprio Congresso, por meio do relator da iniciativa na Câmara, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). "Esse foi o primeiro acordo que estabelecemos. Tudo o que quisermos fazer será feito não pelo governo, mas sim com o relator", apontou.
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