Para evitar impactos mais graves da guerra do petróleo e do coronavírus na economia brasileira, deputados e senadores apostam na aprovação pelo Congresso de mais reformas estruturais defendidas pela equipe econômica. Mas eles depositam a responsabilidade de contornar a crise econômica internacional que se avizinha no colo do presidente Jair Bolsonaro.
O humor no Congresso um dia depois de a Bolsa brasileira despencar e o risco-país disparar mostra que os parlamentares não estão dispostos a lidar com a crise sozinhos e esperam que o governo federal dite os rumos para a economia. "O Parlamento aguarda o encaminhamento das duas reformas [tributária e administrativa] ainda essa semana porque vai ser uma sinalização forte para a sociedade da importância que as reformas têm", cobrou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), nesta terça-feira (10).
Na segunda-feira (9), a bolsa brasileira teve a maior queda em 22 anos. O Ibovespa despencou 12,17%, a 86.067 pontos, acionando o circuit breaker e fazendo com que as negociações fossem interrompidas quando a desvalorização passou de 10%. Enquanto isso, o dólar disparou e o risco-país teve uma das maiores altas da história.
O dia de pânico no mercado foi causado por uma piora nas perspectivas do impacto econômico da disseminação do coronavírus e pela queda do preço do barril de petróleo. O Fundo Monetário Internacional (FMI) recomendou a todos os governos agilidade na adoção de planos para evitar que o coronavírus tenha efeitos prolongados na crise econômica internacional.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a melhor resposta à crise são as reformas. “Temos que manter absoluta serenidade. E a maior resposta à crise são as reformas. Vamos mandar a reforma administrativa, o pacto federativo já está lá, vamos mandar a reforma tributária e vamos seguir o nosso trabalho. O Brasil tem dinâmica própria de crescimento. Se fizermos as coisas certas, o Brasil reacelerará”, disse.
Guedes encaminhou ofícios aos presidentes do Senado e da Câmara, nesta terça (leia abaixo), em que pede celeridade na análise de 19 projetos de lei e emendas constitucionais hoje em tramitação no Congresso. Entre elas, as PECs do Pacto Federativo e Emergencial.
“O Congresso está pronto para avançar com as reformas necessárias capazes de restabelecer a confiança”, reforçou o presidente da Câmara, ainda no domingo (8). “O cenário internacional exige seriedade e diálogo das lideranças do país. A situação da economia mundial se deteriora rapidamente. O Brasil não vai escapar de sofrer as consequências dessa piora global. É preciso agir já com medidas emergenciais”, cobrou Maia.
Congresso aposta em reformas econômicas
No Congresso, a aposta dos parlamentares é na aprovação das reformas enviadas pelo Executivo. O plenário do Senado está pronto para votar a proposta de emenda à Constituição (PEC) dos Fundos, que abre caminho para a extinção de fundos infraconstitucionais.
Nesta terça-feira (10), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado começou a discutir a PEC Emergencial, que permite medidas de corte de gastos, como a redução da carga horária e a consequente redução dos salários de servidores públicos.
“Certamente, o Congresso colocará a sua digital, cortando os excessos e ajustando o texto. Para isso, os debates são necessários e devem ocorrer de forma ampla e aprofundada”, disse a presidente da CCJ, Simone Tebet (MDB-MS).
“Não sei se [as reformas] serão suficientes para dar um fôlego [à economia], mas são essenciais. Sem elas, o ar é menor ainda. É obrigação do Congresso analisar e votar a reforma tributária, reforma administrativa, as três PECs que estão aí. Tudo isso dá um arcabouço que torna a economia mais confiável”, disse o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), relator da PEC Emergencial.
Tebet ressaltou que o Congresso tem aprovado medidas importantes para a economia brasileira. “O Congresso Nacional tem trabalhado para avançar as pautas propositivas para o país. Aqui no Senado, vamos votar o Marco Legal do Saneamento Básico, os projetos que tratam da regulamentação do setor elétrico e do setor ferroviário. Na Câmara, posso citar o Plano Mansueto, a Lei de Concessões e o projeto que reformula a Lei de Recuperação Judicial. Enfim, são diversas frentes de ataque e avanço nas legislações estruturantes para o país, que poderão atrair mais investimento e reaquecer a economia”, disse.
Parlamentares cobram liderança de Bolsonaro
Apesar de apostarem na aprovação das reformas, parlamentares ouvidos pela Gazeta do Povo cobram uma liderança do governo federal na tentativa de amenizar o impacto da crise no Brasil.
Para o deputado Ricardo Barros (PP-PR), vice-líder do governo na Câmara, a iniciativa para adoção de medidas para conter a crise deve vir, obrigatoriamente, do poder Executivo. “Nós vivemos o presidencialismo. Se fosse um parlamentarismo, nós resolveríamos tudo aqui [no Congresso], mas não é”, disse.
“Podemos responder rapidamente a medidas que o Executivo tome para assegurar a minimização da crise”, disse Barros. “Se o governo mandar alguma medida provisória que seja necessária, podemos acelerar a votação para dar segurança jurídica a quem vai se utilizar daquele novo mecanismo”, exemplificou.
Tebet destaca que a CCJ do Senado tem trabalhado para dar agilidade às pautas enviadas pelo governo, mas o Poder Executivo precisa fazer sua parte. “O Congresso Nacional está de portas abertas. Agora, o governo precisa dizer quais são as medidas e as metas que quer atingir para que o Brasil possa atravessar essa ‘guerra do petróleo’, a crise do coronavírus, a retração econômica”, disse.
Para Oriovisto, cabe ao Congresso apenas deliberar sobre projetos enviados pelo Executivo para tentar contornar os efeitos da crise econômica. “Acho que o Congresso pode e deve estar sempre aberto a qualquer solicitação do governo federal para aprovar verbas extras, para aprovar PLNs e fazer tudo que possa para, junto com o governo federal, minimizar os efeitos”, disse o senador.
“Nosso Congresso Nacional não está conseguindo resolver os grandes problemas brasileiros, agora, conseguir resolver os problemas internacionais é uma exigência hercúlea”, disse o senador Lasier Martins (Podemos-RS). “Nós, no Congresso, praticamente não temos alcance, no presente momento, para resolver a crise internacional. Nós temos que resolver nossa crise doméstica”, afirmou o senador. “Naquilo que mais interessa ao país o governo está indo muito devagar”, criticou.
“Acho que o governo fala muito e executa muito pouco em relação à pauta econômica. O Congresso já mostrou que está pronto para atender às demandas da pauta econômica do governo federal”, concordou o deputado Alex Manente (Cidadania-SP).
Para o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), governo e Congresso perdem tempo ao paralisar as discussões na Câmara e no Senado para votação dos PLNs que remanejam cerca de R$ 20 bilhões do orçamento. Os projetos foram enviados por Bolsonaro como parte de um acordo para os parlamentares não derrubarem os vetos do presidente ao orçamento impositivo.
“Primeiro, o presidente da República tem que parar com a confusão que se cria e começar a governar. Os presidentes dos poderes têm que parar de ficar pedindo bilhões para ficarem administrando do Executivo. Ambos têm que agir com responsabilidade nesse momento. Espera-se liderança e maturidade de ambos. Do presidente da República, de um lado, e dos presidentes das Casas de outro”, disse Randolfe. “Está errado o presidente da República em não cuidar dessa grave crise, estão errados os presidentes dos poderes em quererem só dialogar com o presidente da República sobre os R$ 15, R$ 20 bilhões que serão votados aqui”, completou.
Demora na apresentação de reformas importantes
Deputados e senadores também foram unânimes ao cobrar agilidade do governo em enviar ao Congresso as reformas administrativa e tributária.
“A missão do Congresso é fazer com que a agenda econômica seja cumprida. E para isso precisamos das reformas, a administrativa, a tributária. Acho que são instrumentos importantes, não apenas para uma crise pontual, mas para dar solidez no processo econômico do nosso país”, disse Manente.
“Nós aqui estamos às voltas com as reformas, que demoram a vir para o debate, como a reforma tributária e a administrativa, o pacto federativo, que são importantíssimos para o Brasil”, afirmou Lasier.
“O governo poderia acelerar a entrega da reforma administrativa, a sua visão da reforma tributária, que também não chegou ainda”, sugeriu Barros. A falta de envio das reformas foi contestada também pelo líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP). Em entrevista para o site Congresso em Foco, o parlamentar disparou: “Se amarrasse os projetos nas costas de uma tartaruga manca, já tinha dado tempo de chegar do Executivo para o Legislativo. Não acho que seja timing, eu acho que não tem projeto”.
“O governo tem de ser o protagonista do processo, enviando, por exemplo, a reforma tributária. É urgente darmos segurança jurídica e política para que o investidor, seja estrangeiro ou brasileiro, tenha interesse em aplicar no Brasil”, sugeriu Simone Tebet.
Para Randolfe, o momento não é de pensar em reformas, e sim em outras medidas para estimular a economia. “O ministro Paulo Guedes e o presidente da República precisam parar com essa cantilena de reformas. Continuar na mesma receita dando resultados diferentes é demonstração de burrice. Esta lógica deles de reformas anticíclicas só tem dado errado até agora. Tem que mudar a receita, tem que mudar a cantilena. A economia funciona de acordo com a dinâmica de cada momento”, disse.
Outro integrante da oposição, o deputado Gervásio Maia (PSB-PB) endossa a análise: “as medidas mais importantes devem vir do Executivo. Mas é importante observar que os especialistas diziam que bastava aprovar a reforma da Previdência para nós termos um avanço grande, o que não ocorreu”.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou na segunda-feira (9) que a reforma administrativa pode ser enviada ao Congresso ainda esta semana, após o retorno do presidente Jair Bolsonaro dos Estados Unidos. Guedes disse ainda que a “contribuição inicial” do governo à reforma tributária será encaminhada ao Congresso nesta ou na próxima semana.
Presidente da FPA cobra postura do Congresso
Uma opinião diferente – e de cobrança do Congresso – veio do deputado Alceu Moreira (MDB-RS). O parlamentar é também presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, que representa a bancada ruralista. Para Moreira, o Congresso tem condições de votar pautas que contribuiriam para reduzir os efeitos do impacto internacional sobre a economia brasileira.
“Se nós queremos construir uma agenda de soluções, a primeira coisa que precisamos fazer é parar de achar culpados. Há agendas aqui no Congresso. Reforma tributária, reforma administrativa são coisas para o Congresso fazer. Se o governo mandar [propostas], melhor; se não mandar, nós temos autonomia para fazer”, criticou.
Tramitam, no Congresso, propostas tanto de reforma tributária quanto de administrativa. Para a modernização no sistema de tributos e taxas, a proposição mais avançada é de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP). Já a reformulação administrativa foi apresentada por Pedro Paulo (DEM-RJ). Setores do governo chegaram a sugerir que o Planalto desistisse de elaborar seus projetos e endossasse os que já estão em curso no Legislativo.
Embora avalie que o governo deva aprimorar seu diálogo com o Congresso, bem como antecipar o envio das reformas, o deputado André Janones (Avante-MG) também acredita que os parlamentares possam construir soluções: “seria importante deixarmos de lado os embates ideológicos para nos focarmos em discussões mais técnicas”.
Nos EUA, Bolsonaro minimizou a crise
Em um evento em Miami, nos EUA, Bolsonaro insistiu nesta terça-feira (10) que o quadro econômico brasileiro está controlado e voltou a culpar a imprensa pela crise nos mercados financeiros em todo o mundo.
"Durante o ano que se passou, obviamente, temos momentos de crise. Muito do que tem ali é muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propaga. Alguns da imprensa conseguiram fazer de uma crise a queda do preço do petróleo. É melhor cair 30% do que subir 30% do preço do petróleo", disse o presidente. "Mas isso não é crise. Obviamente, problemas na Bolsa, isso acontece esporadicamente. Como estamos vendo agora há pouco, as Bolsas que começam a abrir hoje [nesta terça] já começam com sinais de recuperação”, completou Bolsonaro.
Economistas defendem investimento público livre do teto de gastos
Na primeira audiência pública na CCJ do Senado para discutir a PEC Emergencial, economistas defenderam o investimento público para enfrentar a ameaça de recessão.
Na avaliação dos economistas ouvidos na CCJ, as medidas de austeridade fiscal e as reformas não resultaram em crescimento. Eles defenderam medidas anticíclicas como a retomada da capacidade de investimento do Estado para alavancar a economia.
“Uma agenda de consolidação fiscal deve ser feita prioritariamente pelo lado da receita. Sem crescimento econômico, não há ajuste fiscal que pare em pé. Vamos para o quarto ano de crescimento medíocre, apesar de todas as reformas que têm sido feitas. Teto de gastos, reforma da Previdência, reforma trabalhista. Tudo tem fracassado. Nada tem acelerado o crescimento da economia e sempre a esperança é na próxima reforma. É uma agenda de reformas sem fim que não vai levar o país a lugar nenhum”, avaliou o professor de Economia da UnB José Luís Oreiro.
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