Alexandre Garcia é o mais novo integrante da lista de desafetos do governo petista. Depois de cobrar apuração sobre a eventual responsabilidade do governo federal na tragédia que atingiu o Rio Grande do Sul na semana passada, o jornalista com mais de cinco décadas de carreira virou alvo de uma investigação na recém-criada Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD), uma espécie de órgão censor para identificar e punir críticos do governo, que vem sendo chamada de "Ministério da Verdade".
A PNDD está subordinada à Advocacia-Geral da União (AGU), que é comandada por Jorge Rodrigo Araújo Messias, o “Bessias”.
Ao comentar sobre a tragédia no RS no programa “Oeste Sem Filtro”, no último dia 8, Alexandre Garcia disse que “a chuva foi a causa original [da tragédia]. Mas no governo petista foram construídas, ao contrário do que recomendavam as medições ambientais, três represas pequenas que aparentemente abriram as comportas ao mesmo tempo”.
Em seguida, o jornalista defendeu que as autoridades deveriam apurar a responsabilidade do governo no agravamento da tragédia que deixou 46 mortes.
Após a repercussão da fala do jornalista, o advogado-geral da União foi às redes sociais anunciar que determinou a “imediata instauração de procedimento contra a campanha de desinformação promovida” por Garcia.
Jorge Messias disse ainda que a declaração de Garcia é “inaceitável” e que o governo vai “buscar a responsabilização” do jornalista. Eventuais medidas a serem adotadas contra Garcia ainda não foram divulgadas pela AGU.
Após a manifestação do advogado-geral da União (AGU), o ministro da Justiça, Flávio Dino, também se posicionou sobre o caso, ainda que não tenha mencionado Garcia diretamente. Sem citar qualquer dispositivo da legislação vigente, Dino disse que "fake news é crime" e afirmou que a Polícia Federal "adotará as providências previstas em lei".
A postagem de Dino foi enquadrada pelo recurso "notas da comunidade", do X (antigo Twitter), por trazer a informação falsa de que as fake news são um tipo penal no Brasil. "No Brasil, não há uma lei específica que defina e puna a criação e o compartilhamento de fake news, mas dependendo do conteúdo e do dano que elas causam, elas podem se enquadrar em outros crimes, como calúnia, difamação, injúria, racismo, homofobia, entre outros", afirma a nota, produzida pela comunidade de usuários da rede.
A movimentação petista contra o jornalista ocorre no mesmo momento em que o presidente Lula enfrenta críticas por não ter visitado a região atingida pela tragédia.
Garcia afirma que apenas pediu transparência e investigação
Em vídeo divulgado em seu canal no YouTube na segunda-feira (11), Alexandre Garcia afirmou que seu objetivo era exigir transparência e pedir investigação sobre o caso, e não o de lançar acusações. O jornalista, que tem mais de 50 anos de carreira, destacou que é um defensor da democracia.
"Fico muito feliz que isso seja encaminhado à Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, porque estamos juntos em defesa da democracia. Todos os dias, aqui – você que me acompanha sabe disso –, eu defendo os valores da democracia, o poder que emana do povo, a nação maior que o Estado, o Estado para servir a nação, a independência, a autonomia de poderes, a primazia do Legislativo, o devido processo legal, o juiz natural, o direito de defesa, a liberdade de expressão e a transparência", afirmou.
O jornalista ressaltou que os próprios prefeitos dos municípios da região do Rio das Antas levantaram, na semana passada, a dúvida sobre uma eventual influência das instalações do Complexo Energético Rio das Antas (CERAN) nas enchentes. Ele afirmou que apenas reproduziu a preocupação trazida pelas autoridades e manifestou a opinião de que era necessário investigar o caso.
No vídeo, Garcia também leu a nota enviada pela CERAN em resposta aos prefeitos – que não é conclusiva sobre os efeitos das instalações nas enchentes. "Se eu tivesse a nota oficial naquela noite, eu leria a nota oficial da empresa", disse o jornalista.
Fake news não é crime, e AGU não é órgão de defesa do governo, diz jurista
A perseguição legal a Alexandre Garcia é inconstitucional, de acordo com Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP.
Ele ressalta que as fake news não são crime no Brasil, e que a AGU não pode ser usada para defender os interesses do governo.
"Não há como perseguir legalmente alguém por fake news no Brasil, já que este é um tipo penal inexistente. O que poderia ser feito – mas não neste caso concreto – é enquadrar o indivíduo em crime de injúria, calúnia ou difamação (que, repito, não se aplicam ao caso em tela). Também seria possível processar civilmente o indivíduo por provocar dolosamente algum dano patrimonial ou à imagem; mas, nesse caso, necessário seria fazer prova do dano", esclarece o jurista.
Chiarottino recorda ainda a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), que regula a liberdade de expressão para jornalistas, além das próprias previsões constitucionais sobre o mesmo tema.
Outro ponto questionável, segundo ele, é o uso da AGU para perseguir um jornalista e adversário político. "A AGU deveria ser reservada ao interesse institucional da União Federal, e não à defesa do governo", diz.
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