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Se posicionando contra a decisão de Mark Zuckerberg acerca do fim do programa de checagem de fatos, o advogado-geral da União, Jorge Messias, voltou aos holofotes por defender a regulação das redes sociais. Suas recentes declarações sobre Meta, Google e TikTok indicam que o ministro está mais alinhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e busca dar respaldo jurídico para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avançar no tema.
Na noite de segunda-feira (13) a Advocacia-Geral da União (AGU) confirmou que a Meta, empresa que controla o Facebook, o Instagram e o WhatsApp, enviou resposta a um pedido de esclarecimentos feito pelo governo brasileiro sobre a mudança na política de moderação de conteúdo e checagem de fatos nas plataformas da empresa.
Na resposta, a Meta afirma que a mudança ocorrerá apenas nos Estados Unidos. Mas diz que a empresa exagerou na aplicação de suas regras "limitando o debate político legítimo e, com frequência, impedindo a livre expressão que pretendemos realizar", menciona o texto.
Na sexta-feira (10), Messias havia dado à Meta um prazo de 72 horas para se pronunciar sobre as declarações de Zuckerberg sobre o fim das parcerias com agências de checagem de conteúdo. Essa prática resultava na diminuição de visibilidade nas redes sociais de conteúdos considerados falsos por essas agências. O problema é que as agências atuavam muitas vezes de forma tendenciosa, favorecendo apenas um dos espectros políticos nos assuntos debatidos, segundo analistas. Mas o governo brasileiro gostava desse modelo.
"A nossa preocupação neste momento é que a empresa venha a público – já que ela não foi transparente em momento algum – [para explicar] qual a política que ela vai adotar a partir de uma notificação extrajudicial que a AGU protocolará nesta sexta", disse Messias na semana passada.
Ele também cobrou explicações da Meta sobre como a plataforma irá "proteger as crianças e adolescentes, mulheres e pequenos comerciantes que usam a plataforma como meio de negócio". Messias havia afirmado na semana passada que a regulação das redes sociais se torna mais urgente com a recente decisão da Meta.
O pedido de explicações da AGU à Meta foi feito por meio de uma notificação extrajudicial, instrumento jurídico que funciona, em essência, como uma ameaça de processo caso o notificado não cumpra voluntariamente um pedido do governo.
Esse instrumento vem sendo usado pelo governo do presidente Lula contra diversas redes sociais para solicitar a remoção de conteúdos que considera como "desinformação".
O instrumento foi utilizado, por exemplo, para exigir a remoção de publicações relacionadas às enchentes no Rio Grande do Sul no ano passado e para determinar ao Google que apagasse uma cotação do dólar acima de R$ 6 errada por ter sido publicada em um dia em que não havia pregão.
Essas notificações extrajudiciais geralmente vêm acompanhadas por um prazo para cumprimento da determinação - o que é considerado por analistas do setor como uma forma de coação e possível abuso de autoridade.
Mas quem é a figura do governo à frente da AGU que está exercendo essa pressão sobre as redes sociais?
Como advogado-geral da União, Jorge Rodrigo Araújo Messias, de 44 anos, tem a tarefa de representar juridicamente os interesses do governo federal. Procurador da Fazenda Nacional, ele foi o nome mais sugerido para ocupar a posição por procuradores da Fazenda e advogados da União, por meio do Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal. No final de 2022, seu nome liderou a lista sêxtupla enviada pela entidade a Lula. Para ocupar o cargo, os indicados devem ser membros da Advocacia-Geral da União, que reúne advogados da União e procuradores da Fazenda Nacional.
Durante o governo Dilma Rousseff (PT), Messias foi subchefe para Assuntos Jurídicos (SAJ) da Presidência, entre outras posições jurídicas. Ele é o "Bessias" mencionado pela então presidente em uma conversa telefônica com Lula publicada pelo então juiz federal Sergio Moro, em 2016. Dilma disse a Lula que Messias levaria a ele um termo de posse como ministro para ser usado "em caso de necessidade". A necessidade seria Lula precisar ser nomeado como ministro da Casa Civil às pressas no governo de Dilma para ter foro privilegiado e escapar de investigações da Operação Lava Jato.
Proximidade com o PT favoreceu escolha de Messias
Antes de trabalhar na Presidência, Messias foi subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, secretário de Regulação da Educação Superior no Ministério da Educação (2012-2014) e consultor jurídico nos Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia (2011-2012). Mas foi sua atuação como assessor parlamentar do senador Jaques Wagner (PT), entre 2019 e 2022, que o colocou em uma situação favorável para a escolha para o cargo.
Na época, ele disputou a indicação com Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e com Anderson Pomini, advogado eleitoral próximo ao vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB).
Além do apoio de seus pares como procurador da Fazenda, ele recebeu apoio de nomes importantes da advocacia mais ligada à esquerda, como o advogado Marco Aurélio Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas.
O apoio de nomes de peso, porém, não impediu que Messias sofresse certa resistência por não ser um nome conhecido nos outros poderes. Para contornar isso, o então procurador passou a visitar senadores, ministros de tribunais e autoridades do Judiciário.
Messias atua como interlocutor de Lula com evangélicos
Oriundo da Igreja Batista, Messias foi escalado por Lula como um interlocutor entre o Palácio do Planalto e o segmento evangélico. A relação com a religião e o alinhamento com o governo fizeram com que o ministro ganhasse o papel da articulação em um segmento que tradicionalmente prefere o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em 2023, ele participou da tradicional “Marcha Para Jesus”, em Brasília, representando o governo. O movimento, no entanto, não surtiu o efeito esperado e o AGU terminou sendo vaiado pelo público ao citar o nome do presidente em seu discurso. Por outro lado, o ministro não foi vaiado na edição do ano passado, em São Paulo, quando leu uma carta do petista não presente no evento.
Em abril do ano passado, ele chegou a minimizar a rejeição dos evangélicos ao governo. "Eu não acho que o segmento evangélico tenha resistência como se coloca ao presidente", afirmou Messias durante a Brazil Conference, na Universidade Harvard. A declaração ocorreu em um momento em que o governo Lula buscava mostrar os resultados positivos da gestão por meio da campanha “Fé no Brasil”.
Além de conversar com pastores e demais lideranças religiosas, o ministro teve o papel de dialogar com os parlamentares da Frente Parlamentar Evangélica do Planalto nas indicações de Cristiano Zanin e Flávio Dino ao Supremo Tribunal Federal. O objetivo era convencer o grupo de que os futuros ministros não atuariam em pautas de costume.
Protagonismo de Messias pode estar relacionado com vaga no STF
O comportamento combativo do chefe da AGU em relação às plataformas digitais também é analisado como um movimento estratégico visando um assento no Supremo. Antes de Flávio Dino ser indicado por Lula, o advogado-geral da União aparecia como um dos favoritos para ocupar a vaga deixada pela ministra Rosa Weber.
Diferentemente de Dino, ele não possuía grande resistência da oposição. A mudança na indicação ocorreu após o Senado aprovar a PEC 08/2021, que limita as decisões monocráticas de ministros do Supremo. O projeto teve apoio de Jacques Wagner, líder do governo, e causou um mal-estar entre o STF e o Palácio do Planalto. Como forma de agradar os ministros e punir o senador, Lula anunciou Dino, o então ministro da Justiça e Segurança Pública, como o escolhido.
Apesar de ter sido preterido, a possível aposentadoria antecipada de algum ministro da Corte está no radar do governo e o nome de Messias não foi descartado. Em dezembro de 2023, o presidente do Tribunal, Luiz Roberto Barroso, disse ter pensado em antecipar sua aposentadoria após sua passagem no comando da Corte. Em entrevista à revista Veja, ele afirmou que a eventual saída seria para cuidar da mulher, Tereza Cristina Barroso. Ela morreu em janeiro do mesmo ano por complicações causadas por um câncer no fêmur.
Além da Meta, Messias também pressionou Google e TikTok
Antes de pressionar a Meta, a Advocacia-Geral da União (AGU) notificou o Google após a divulgação de uma cotação errada do dólar em seu buscador, que indicava R$ 6,38 no feriado de Natal, quando o mercado estava fechado. Para o governo, o erro teria gerado especulações nas redes sociais sobre uma disparada da moeda. Diante da repercussão do caso e pressão do órgão, a plataforma suspendeu temporariamente o serviço e atribuiu a falha a dados incorretos fornecidos por uma empresa de serviços financeiros.
Além do episódio com o Google, a AGU acionou a Polícia Federal e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para investigar notícias falsas sobre Gabriel Galípolo, indicado por Lula para presidir o Banco Central. Uma das supostas informações atribuídas a ele sugeria que a adoção da moeda do Brics protegeria o Brasil da influência do dólar, o que teria gerado impactos no mercado financeiro. O governo classificou o caso como um ataque especulativo, mas economistas apontaram que a alta da moeda norte-americana reflete mais os riscos fiscais do país do que as informações falsas.
No último dia 20 de dezembro, o órgão notificou o TikTok para remover um vídeo que colocava em dúvida o destino da multa de 40% em demissões sem justa causa, afirmando que não há projeto que altere a destinação desse direito. Já no dia 13, o órgão pediu ao YouTube a remoção de 12 vídeos que espalhavam rumores sobre o estado de saúde de Lula, após sua internação para um procedimento cirúrgico.