Ouça este conteúdo
O líder da oposição na Câmara dos Deputados, Filipe Barros (PL-PR), prefere adotar a cautela ao falar sobre as articulações de temas relativos à liberdade de expressão e prerrogativas parlamentares, como o foro privilegiado, a regulamentação das redes sociais e até mesmo a possibilidade de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar abusos de autoridade do Poder Judiciário.
"Aqui na Câmara tudo depende de costuras políticas", disse em entrevista à Gazeta do Povo, ressaltando que tem bom relacionamento com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e que é preciso saber o momento certo de levar à votação do plenário propostas de interesse da oposição, para evitar derrotas.
Barros também evitou críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e seus ministros. Especificamente sobre a questão, ele disse que não vê impedimento no fato de a Suprema Corte julgar uma ação que pode culminar na regulamentação das redes sociais antes de o Congresso decidir sobre o tema – existe a expectativa de que a ação, de relatoria do ministro Dias Toffoli, seja pautada para depois de junho.
"Eu não vejo impedimento algum o Supremo julgar, porque se o Congresso legislar depois, o que vale é a legislação do Congresso", afirmou.
O deputado disse ainda que a oposição vai participar ativamente dos debates na Câmara para a elaboração de um novo texto de regulamentação das redes sociais, após "sepultamento" do Projeto de Lei 2630/20, conhecido como PL da Censura ou PL das Fake News.
"A nossa tese é que a regulamentação tem que ser feita garantindo direitos aos usuários", afirmou.
Sobre a eventual criação de uma CPI de abuso de autoridade, já protocolada pelo deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), ele afirma que as conversas com Lira, que é quem libera a instalação do colegiado, ainda estão ocorrendo. Ressalta, porém, que o mais importante é ter maioria nesta CPI, se ela for criada. Isso evitaria uma derrota da oposição como observado na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, no ano passado, em que o relatório final aprovado favoreceu o governo, mesmo que a comissão tenha sido proposta inicialmente pela oposição.
Enquanto os temas da liberdade de expressão ainda estão difíceis de desatar, o mencionado alinhamento da oposição com Lira pôde ser visto na semana passada, quando o plenário aprovou a urgência de um projeto de lei que permite o acionamento da polícia, mesmo sem a necessidade de ordem judicial, para retirada de invasores de terras – o que desagradou a base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Câmara.
A reação às invasões inclui outras propostas em tramitação, na Câmara e Senado, que podem avançar nos próximos dias com apoio da Frente Parlamentar da Agropecuária e da Frente Parlamentar Invasão Zero.
Confira a seguir a entrevista completa com Filipe Barros, novo líder da oposição na Câmara.
Como a oposição tem negociado as pautas prioritárias com o comando da Câmara?
Filipe Barros: Eu tenho dito que a liderança da oposição na Câmara é a liderança da oposição ao governo. Nós não somos oposição ao presidente Lira. Pelo contrário, temos uma excelente conversa, um excelente diálogo com o presidente Lira. O presidente Lira aliás foi cabo eleitoral do presidente Bolsonaro em Alagoas na eleição passada. A minha relação pessoal com ele é muito boa, e da liderança da oposição como um todo também.
Nós temos avançado em algumas pautas, nós tivemos uma reunião da oposição com Lira, e pedimos para ele para que a gente possa avançar em pautas que respondam de uma maneira efetiva a esse "Abril Vermelho", que o MST está promovendo mais uma vez.
Aqui na Câmara tudo depende de costuras políticas, então nós temos feito a nossa parte, e o presidente Arthur Lira também tem feito a parte dele. Tenho certeza que a gente vai conseguir avançar em muitas pautas.
E sobre a questão do foro privilegiado? Como está a discussão?
Filipe Barros: Existe uma divergência. Eu por exemplo, defendo o fim para todos, para que todos sejam submetidos às primeiras instâncias do Poder Judiciário. Existe uma outra vertente que defende que é necessária a preservação do mandato e que deputados e senadores sejam submetidos aos Tribunais Regionais Federais, e não à primeira instância. São duas teses válidas. O que eu acho importante entre essas teses é que a pauta avance. O Senado já aprovou [uma proposta de emenda à Constituição que aguarda análise na Câmara dos Deputados], jogando todos nós na primeira instância. A Câmara, na comissão especial, já aprovou. Falta o plenário da Câmara analisar o tema. E, como eu estava te dizendo, isso depende da postura política para que a gente também não corra o risco de colocar essa pauta no plenário e perder.
Existe um prazo definido para esse debate?
Filipe Barros: A gente está avançando, conversando com os líderes, cada líder partidário conversando com as suas bancadas. Como é uma PEC, o quórum é qualificado, 308 votos. A gente não quer correr o risco de eventualmente levar uma pauta dessa a plenário e perder. Então eu, particularmente, prefiro fazer um trabalho prévio, cada líder falando com as suas bancadas, e aí a gente tem a segurança da aprovação para depois levar o plenário.
Além das questões sobre foro, o que mais é prioridade para a oposição?
Filipe Barros: Essa questão de combate ao "Abril Vermelho", a pauta de costumes, a questão da drogas [a proibição]. Nós temos pautas que são caras a todos nós, da oposição. Nós devemos votar inclusive, e vamos trabalhar para a que a gente derrube o veto do presidente [Lula à proibição da saída de presos para visitas a familiares], na próxima sessão do Congresso Nacional.
A Câmara também deverá debater as prerrogativas parlamentares, correto? Qual a avaliação neste momento?
Filipe Barros: Essa é uma pauta cara não só para nós da oposição, mas para boa parte do Parlamento. Existe hoje um consenso de boa parte dos deputados, mesmo que esse consenso muitas vezes não seja dito publicamente. Mas existe hoje um certo incômodo. A gente precisa preservar o Congresso Nacional, a instituição, não pessoas específicas. Os parlamentares eleitos são os legítimos representantes da população. Isso está na nossa Constituição. Eu acho que a gente precisa resgatar a seriedade desse debate, a serenidade. Para quê? Para que o debate seja feito da melhor maneira possível, sem atacar qualquer outro poder, mas preservando a instituição, o Congresso Nacional. Eu acho que isso precisa ser feito. E aí vários projetos estão na mesa. A gente ainda não tem um consenso de quais que a gente vai avançar dentro da pauta das prerrogativas, mas isso a gente faz um debate quase diário, e é inevitável que isso aconteça.
Vamos falar de um tema que teve muita repercussão nos últimos dias, sobre a liberdade de expressão e as redes sociais. Como avalia?
Filipe Barros: Nós consideramos acertada a decisão do presidente Lira em enterrar o Projeto de Lei 2630/20 [PL das Fake News ou da Censura] e criar um novo grupo de trabalho. Eu acompanho esse debate desde 2019. E o problema do PL 2630 foi que ele misturou muitos assuntos dentro de um único projeto de lei, misturou moderação de conteúdo com verba de publicidade; e com mensageria instantânea, virou uma salada de frutas. É claro que não ia ser aprovado, não tinha consenso em nenhum dos assuntos que o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) [relator da proposta] havia colocado. A defesa da liberdade de expressão e aí inclui-se a liberdade de imprensa, a liberdade dos parlamentares poderem fazer uso da palavra é algo que já está no palco. Ainda mais depois dessa questão toda envolvendo o Twitter (X).
A oposição terá representantes neste grupo de trabalho que vai elaborar um texto?
Filipe Barros: A gente vai atuar ativamente nesse novo grupo de trabalho que o Lira vai criar para discutir uma regulamentação e a nossa tese é que a regulamentação que tem que ser feita garantindo direitos aos usuários. Essa é a nossa tese.
E como fica esse grupo criado ao mesmo tempo em que o Supremo Tribunal Federal anuncia retomar o julgamento sobre a responsabilização das redes por conteúdos divulgados? Não tira poder do Parlamento?
Filipe Barros: Eu não vejo impedimento algum o Supremo julgar, seja em junho ou julho. Porque se o Congresso legislar depois, o que vale é a legislação do Congresso. Então eu acho que o melhor caminho é esse. Deixa o Supremo julgar. Nós temos um parâmetro. Se nós vamos concordar ou não com o julgamento, a gente vai colocar numa nova legislação. Se a gente não concordar com o julgamento do Supremo, a gente muda através de uma nova legislação.
Mas neste caso, não haveria o risco de se repetir o caso que ocorreu com o Marco Temporal, por exemplo, em que o Congresso decide, o Supremo muda e fica nesse vai-e-vem eterno?
Filipe Barros: Não, se nós conseguirmos aprovar uma legislação bem costurada, que garanta direitos aos usuários, e que se discuta o tema. O Marco Civil da Internet demorou 10 anos para ser aprovado. Por que temos que ter uma pressa descabida para discutir a regulamentação das redes sociais? Então, eu defendo a tese de cautela. Vamos ouvir, vamos fazer audiências públicas. E sempre com foco na preservação da liberdade de expressão.
E sobre os pedidos feitos pela oposição na Procuradoria-Geral da República (PGR) e Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para investigar a censura revelada no Twitter Files? Caberia alguma ação?
Filipe Barros: Na verdade o governo tentou criar um tese de que existe uma articulação da extrema-direita com Elon Musk [dono da rede social X, antigo Twitter], o que é uma tese completamente absurda. Primeiro, porque ele [ministro Alexandre de Moraes, do STF] incluiu Elon Musk no inquérito [que apura as milícias digitais]. Então nós temos hoje, no inquérito, a senhorinha de 70 anos que foi condenada [por participação no 8 de Janeiro] junto com Elon Musk, como se os dois estivessem numa grande articulação para o "golpe" do 8 de janeiro. É uma tese tão absurda que corrobora ainda mais com aquilo que Musk tem dito, de que existem abusos que estão sendo cometidos.
Falando nisso, o senhor vê chances, nessa toada, de que a CPI do Abuso de Autoridade, possa ser instalada?
Filipe Barros: É uma CPI que está dentre as cinco que podem ser instaladas ao mesmo tempo [ - conforme o regimento da Câmara dos Deputados - ] e nós estamos aguardando um despacho do presidente Lira autorizando ou não. A nossa conversa tem sido muito positiva. Eu acho que esse fato do Twitter pode contribuir para que saia do papel. Mas mais importante que a CPI, se ela for criada, é nós termos as condições para investigar, ou seja, nós termos maioria, e é isso que nós estamos trabalhando neste momento. Porque criar uma CPI para não ter maioria é na prática inviabilizar a própria CPI. Se eventualmente em algum momento deste ano ela for criada, a gente tenha condições de trabalhar. Porque a gente não pode criminalizar quem fez a denúncia. Elon Musk, neste caso, fez a denúncia, por isso pedimos à PGR que investigue os fatos, e a CPI seria mais um instrumento.
Sobre a sucessão de Arthur Lira, em 2025, a oposição pretende ter um candidato próprio?
Filipe Barros: Não sei se é papel da oposição ter um candidato. Eu acho que a oposição, como reúne deputados de vários partidos, nós temos que ter um compromisso com pautas, né? Os candidatos que apoiarem as pautas nós iremos ver se apoiaremos. Eu acho que esse é o papel da liderança da oposição, porque, no final das contas, o deputado é altamente influenciado pelo seu próprio partido. Eu defendo que a gente tenha uma carta de princípios e de pautas. Os candidatos que publicamente se comprometerem com essas pautas, a gente apoia, essa é a minha opinião, mas ainda vamos debater isso.
E como podemos classificar a relação com o governo hoje?
O governo acabou, né? Já se fala até em sucessão do Lula, que pode, inclusive, não ser o próprio Lula, como candidato em 2026. É um governo gastão. O déficit público já é maior do que da época da pandemia, já é maior do que o da época da [ex-presidente] Dilma Rousseff (PT), com todos os rombos de corrupção que nós tivemos naquele momento. É um governo que vai enfrentar uma crise econômica este ano... é inevitável, porque a conta não fecha.
Me parece que o Lula só quer saber de viajar, está de lua de mel com Janja. É viagem internacional todo mês, até porque aqui no Brasil, por onde passa, não consegue reunir meia dúzia de "gatos pingados". Então hoje o que nós temos são vários ministros, cada um com um projeto próprio de poder, a figura do presidente esvaziada, sem autoridade. Ele [governo] ainda se sustenta porque o Haddad [ministro da Fazenda] está fazendo 100% o jogo dos bancos. O governo hoje é um governo entreguista.
Ainda sobre o governo Lula, como avalia a condução da política externa, frente às declarações e omissões do Brasil em relação aos conflitos internacionais? E acredita que a Comissão de Relações Exteriores da Câmara poderia atuar mais nestas questões?
Filipe Barros: Eu acho que o que existe é a chamada diplomacia parlamentar, eu acho que nós, como Parlamento, podemos e devemos nos aproximar dos Parlamentos de outros países e demonstrar apoio, como por exemplo a Israel. Em que pese o governo sempre estar ao lado de ditaduras e movimentos terroristas, eu acho que o Parlamento pode iniciar esse movimento, e tenho a impressão que existe um clima muito propício a isso na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara. Eu sou membro da comissão, e esse é um assunto que a gente debate nas reuniões um pouco mais fechadas, e acho que é inevitável que isso também esteja na pauta nas próximas semanas.
A política externa é um dos principais fatores do desgaste que o governo tem enfrentado. Essa queda da popularidade do Lula, em boa parte, está ligada à desastrosa política internacional, seja no apoio ao Hamas, agora o apoio ao Irã. Porque o terrorismo você condena veementemente, e nós não vimos essa condenação veemente nem do Hamas nem do Irã. É o Lula indo para Cuba, se encontrando com Maduro na Venezuela. Na prática, o Lula continua sendo o Lula de sempre, que apoia ditaduras, desde que as ditaduras sejam as dos amigos dele.