O ministro da Justiça, Flávio Dino, iniciou nesta segunda-feira (27) uma batalha pelo apoio de ao menos 41 dos 81 senadores para confirmar a sua indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF). Independentemente do resultado que obtiver, a busca nos próximos dias por votos favoráveis será marcada por obstáculos – os maiores enfrentados por um indicado à Corte. O histórico de aprovações de ministros do STF pelo Senado até joga a favor de Dino, mas as contrariedades e as controvérsias geradas por sua indicação darão aspectos menos protocolares e mais políticos ao processo. A oposição promete empenho para tentar barrar a indicação do ministro da Justiça para a Suprema Corte, começando pela sabatina na Comissão de Constituição a Justiça (CCJ), que deverá ser longa e tensa.
Na prévia para o embate final no plenário, senadores questionarão atitudes de Dino que ampliaram sua rejeição, que alcança até integrantes da base aliada ao governo. A postura midiática irritou colegas de ministério. O desempenho, sobretudo na área de segurança, desagradou governistas. Por fim, os gestos de desrespeito em relação ao Congresso deixaram ranços no Legislativo.
Para completar o quadro de dificuldades, o anúncio do seu nome para ocupar a vaga deixada pela ministra Rosa Weber, em setembro, ocorre em meio ao clima de confronto entre Senado e STF. O embate ganhou impulso após a aprovação, na semana passada, de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2021, que limita os poderes individuais dos ministros da Corte.
O avanço dessa iniciativa legislativa foi apoiada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e contou com o voto decisivo do líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA). Isso provocou pronta e forte reação de ministros do Supremo e ainda posicionou o Planalto no meio dessa queda de braço.
Dino precisa do apoio de 41 senadores em plenário
Ao indicar Dino, Lula faz concessões ao STF, cujos ministros mais poderosos endossaram a indicação. Ele testa ainda a posição de Pacheco, que parecia estar alinhado às insatisfações dos oposicionistas com a Corte. Por outro lado, o petista não pode ser cobrado em caso de eventual derrota do seu indicado pelos senadores, já que se trata de uma prerrogativa do Legislativo. Se o nome de Dino for barrado, será a primeira vez que isso ocorre desde o fim do século 19, o que representaria um desgaste histórico entre os Poderes da República.
O menor número de apoios na votação no plenário para a aprovação de um indicado ao STF ocorreu com o André Mendonça, ex-ministro da Justiça no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que obteve 47 votos a favor em dezembro de 2021. As votações tanto na CCJ como no plenário são secretas.
Anteriormente, o patamar mais baixo era de Edson Fachin, em 2015, durante o mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Após enfrentar intensos questionamentos em 12 horas de audiência na CCJ, relacionados às suas posições políticas e ideológicas, Fachin conseguiu angariar 52 votos. Em contexto semelhante, o indicado Dino, caso seja aprovado, pode fixar novo piso, situado entre os 41 necessários e os 47 obtidos por Mendonça.
Indicação de Dino foi resultado de negociações entre os poderes
Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a demora de Lula em decidir por Dino, que figurou como o favorito na maior parte dos quase dois meses de espera pela indicação, revela as muitas variáveis envolvidas na decisão, que também foram mudando ao longo do tempo. A própria definição pelo nome do ministro também refletiu o conjunto de acordos e a evolução das tensões que pairam na relação do Judiciário não só com o Legislativo, mas agora também com o Executivo. Não por acaso, o processo de negociação para encaminhar o nome de Dino envolveu nos últimos dias membros do próprio STF e do comando do Senado, que é na prática partilhado entre o presidente da Casa e o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), virtual sucessor de Pacheco em 2025.
Alvo de pedidos de impeachment de deputados e de senadores, que precisam do aval de Pacheco, Dino colocou em risco o próprio cargo em diferentes situações. Ele se negou a ir às sessões para as quais foi convocado, suprimiu provas cobradas pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) e foi protagonista de episódios polêmicos, como a ida sem escolta policial a uma favela dominada por facção criminosa no Rio e a visita da chamada “dama do tráfico” ao Ministério da Justiça.
Frustrado por não ser ele próprio indicado ao Supremo e por não receber o aval do colegiado do tribunal, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, se reaproximou de Lula nas últimas semanas. Eles estavam unidos pela agenda de aprovação de Dino e pela parceria de ambos para prejudicar o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), em torno da repactuação da dívida federal.
Lula e Pacheco já vinham conversando sobre o momento certo de fazer a indicação de Dino. Pesou a sugestão dada pelo senador para o presidente para que o anúncio fosse feito nesta segunda-feira (27), antes de ambos embarcarem em viagem oficial para o Oriente Médio e Alemanha. Em entrevista coletiva na tarde, pouco após a confirmação de Dino, Pacheco informou que, apesar da agenda apertada de fim de ano, que inclui a votação do Orçamento da União, daria o “devido encaminhamento” para o Senado deliberar sobre a vaga do Supremo, revelando combinação com Davi Alcolumbre, presidente da CCJ, que já fez o agendamento da sabatina para 13 de dezembro.
Lula viu em Dino alguém de absoluta confiança no STF
A preferência pessoal de Lula por Dino está relacionada ao desejo do presidente da República em garantir alguém próximo e o mais fiel possível na Corte, que tem tido papel crucial no jogo político. O perfil se encaixou com o ministro filiado ao PSB, que construiu proximidade maior com o chefe do Executivo ao longo do atual mandato, explicitando a sua vontade de atuar no Judiciário. O maior derrotado, por sua vez, foi o PT, que patrocinava a indicação de Jorge Messias, o atual advogado-geral da União. Outro nome que corria por fora era o de Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), órgão ligado ao Legislativo, que era apoiado por Pacheco e Alcolumbre.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, declarou nesta segunda-feira, durante evento em Belo Horizonte, que foi consultado por Lula sobre a indicação de Dino, a quem assegurou querer “muito bem”. “O ministro foi um conceituado juiz de carreira, foi secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e foi bem avaliado como governador, tendo atuado então nos Três Poderes”, ressaltou. “A escolha é uma prerrogativa do presidente e acho que ela foi feliz”, disse. Igual contentamento revelou o ministro Alexandre de Moraes, também do STF.
Senadores de oposição criticam indicação impopular de Dino
Primeiro a reagir aos rumores do iminente anúncio de Dino, o senador Carlos Portinho (PL-RJ) afirmou que o governo perdeu o resto de pudor que faltava. “Dino não é advogado notável e sua indicação é estritamente política. Neste caso, a Constituição não autoriza. Nem notável político é e a sua atuação à frente do Ministério da Justiça prova a sua incompetência máxima! Vai passar vergonha”, protestou nas redes sociais.
O senador Luís Carlos Heinze (PP-RS) afirmou à Gazeta do Povo que a escolha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva do ministro da Justiça, Flávio Dino, para ser o novo nome do STF está dissociada da percepção da sociedade. “Enquanto as pesquisas de opinião pública apontam crescente insatisfação popular com a atuação dos ministros da Suprema Corte, Lula indica para ela seu polêmico ministro da Justiça”, disse.
“Esperamos contar com a colaboração do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para seguir barrando os desmandos no sistema de Justiça”, disse.
Ele espera que um novo gesto de resistência da Casa, que aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 08/2021, para limitar os poderes individuais dos ministros do STF, consolide uma marca histórica da atual legislatura, que segundo ele é a de combate aos superpoderes.
Perguntado pela Gazeta do Povo se haveria tempo hábil ainda este ano para sabatinar Dino, o senador Carlos Viana (Podemos-MG), líder da bancada evangélica, disse que sim. Mas ele ressaltou que isso não representaria qualquer facilidade. “Ele ainda terá de convencer os senadores”, resumiu.
Para Eduardo Girão (Novo-CE), "depois de tanto se criticar a atitude politiqueira do Supremo, Lula resolveu colocar um político nato na Corte". O partido do senador lançou nesta segunda-feira (27) um abaixo-assinado contra o nome do ministro. Novas iniciativas da oposição são esperadas.
Antes mesmo de confirmar a indicação de Dino para o STF, tiveram início novas especulações em torno das mudanças ministeriais proporcionadas pela sua saída. O nome da ministra Simone Tebet, atualmente na pasta do Planejamento, como opção para o Ministério da Justiça ganhou força, e isso ocorreria dentro da articulação que envolve a recriação do Ministério da Segurança Pública. Para este posto estão cotados o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, e o secretário-executivo da Justiça, Ricardo Cappelli, o número dois de Dino.
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