Durante foto de líderes G7, Milei aparece à extrema esquerda, e Lula, na outra ponta, quase o último à direita| Foto: REUTERS/Guglielmo Mangiapane
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Ao reafirmar sua opinião de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é "corrupto e comunista", o presidente da Argentina, Javier Milei, deixou claro que ainda há um abismo político entre os governos argentino e brasileiro. A deterioração da relação entre os dois presidentes não afeta os negócios de empresas na esfera privada e nem prejudica a relação bilateral entre os dois países, mas pode ser a "pá de cal" nos planos de Lula de unir a América do Sul sob sua liderança política.

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Na concepção de analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a ausência de uma boa relação entre Lula e Milei expõe uma dificuldade do petista em concretizar seu desejo de ser um líder regional. “Historicamente, todos os governos brasileiros têm dado muita atenção à questão da integração regional e o Mercosul é um veículo para o exercício da hegemonia regional brasileira [...] Argentina e Brasil são os motores sem os quais a iniciativa de integração regional não têm como efetivamente prosperar e nem se manter funcionando”, avalia o professor Elton Gomes, do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

O anseio de Lula em se tornar um líder regional e porta-voz do Sul-Global (nome dado atualmente aos países em desenvolvimento) esteve evidente durante o primeiro ano deste mandato, quando o petista priorizou sua agenda externa. Na análise do diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, a má articulação do governo não reflete apenas na Argentina, mas também com outros líderes sul-americanos de esquerda e direita que divergem de Lula. "O caso mais evidente é o do Milei, mas você pode dizer que o Uruguai também [...] e até em relação à Colômbia e o Chile, embora haja, teoricamente, uma maior proximidade ideológica. Mas em casos concretos são países que têm divergido [de Lula]", pontua o diplomata.

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O ex-ministro lembra que o presidente do Chile, Gabriel Boric, apesar de ser mais alinhado à esquerda, tem uma clara postura de condenação à Rússia na guerra da Ucrânia, diferentemente de Lula. Os dois líderes também não estão em consenso sobre a Venezuela. "O Brasil ainda tem uma posição um pouco ambígua e dúbia sobre a Venezuela, como se ele [Lula] estivesse esperando para ver o que vai acontecer na eleição [marcada para o dia 28 de julho]", analisa Rubens Ricupero.

Em maio do ano passado, Lula chegou a dizer que a ditadura na Venezuela, marcada por perseguição a dissidentes, uso da violência política e manipulação eleitoral, seriam apenas uma narrativa.

Na análise do diplomata Rubens Ricupero, Lula não conseguiu cumprir suas promessas na política externa e essa área do governo vive um "momento de Eclipse, está apagada e sem grandes feitos". "Me parece que hoje há muito pouca ênfase [na gestão petista] na América do Sul, que tradicionalmente era a nossa área principal de influência. Eu atribuo isso, em grande parte, ao fato de que o próprio governo brasileiro reconhece que não há condições favoráveis [para uma boa articulação na região]", avalia Ricupero.

Diplomata de carreira e professor, Rubens Ricupero foi ministro do Meio Ambiente de Itamar Franco e posteriormente assumiu o Ministério da Fazenda. Apelidado como "Apóstolo do Real" por Itamar, Ricupero teve relevante participação no Plano Real e assumiu altos postos diplomáticos, como a Embaixada dos Estados Unidos e da Itália.

Lula ainda está ressentido com Milei e espera pedido de desculpas, argentino não está disposto a ceder

A tensão entre os líderes argentino e brasileiro voltaram a aquecer na semana passada quando Lula afirmou em entrevista ao UOL que não conversou com Milei porque ele deve desculpas ao petista e ao Brasil "por falar muita bobagem". "Eu só quero que ele peça desculpas. A Argentina é um país que eu gosto muito, é um país muito importante para o Brasil, o Brasil é muito importante para a Argentina, e não é um presidente da República que vai criar uma cizânia (rixa) entre o Brasil e a Argentina”, disse Lula.

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O argentino foi questionado nesta sexta-feira (28) sobre a declaração de Lula e reafirmou o posicionamento da Casa Rosada sobre o tema. "Qual o problema no que eu disse? Que ele é corrupto? Ele não foi preso por corrupção? Que eu disse que ele é comunista? Ele não é comunista? Desde quando você tem que se desculpar por dizer a verdade? Ou estamos tão cansados do politicamente correto que nada pode ser dito à esquerda, mesmo que seja verdade?”, disse Milei em entrevista ao carnal argentino LN+.

Lula teve suas condenações por corrupção na Operação Lava Jato anuladas pelo Supremo em 2021 porque o processo contra ele correu no Paraná e não no Distrito Federal.

O ressentimento de Lula com o libertário argentino já é antigo e deve-se pelas críticas que Milei fez ao brasileiro e pelas diferenças ideológicas e morais. Durante sua campanha eleitoral, o argentino chamou Lula de “comunista raivoso” e chegou a fazer “campanha” pró-Bolsonaro em suas redes sociais em 2022. Lula disse em discursos que Milei e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) eram “contra o sistema” e parte da “extrema direita raivosa e bruta”.

Milei vem ao Brasil e se encontra com Bolsonaro, mas conversa com Lula é descartada

Havia a expectativa de que Lula e Milei pudessem se encontrar nesta semana, durante a Cúpula do Mercosul, marcada para os dias 8 e 9 de julho, no Paraguai. No encontro, Argentina e Brasil se reúnem com Uruguai e Paraguai — além de Bolívia e Venezuela, como membros convidados — para discutir o futuro do acordo de livre comércio que o bloco negocia com a União Europeia. Lula já confirmou sua presença no encontro, mas Milei recalculou a rota.

Enquanto o encontro de líderes do Mercosul acontece em Assunção, capital paraguaia, Javier Milei faz sua primeira visita ao Brasil. O argentino vem ao país para participar da Conservative Political Action Conference (Conferência de Ação Política Conservadora, em português), conhecida como CPAC. O CPAC foi criado em 1973 pelos grupos American Conservative Union (ACU) e Young Americans for Freedom (YAF), e é considerado o maior evento conservador dos Estados Unidos.

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No evento, Milei deve se reunir com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que também já confirmou sua presença no encontro. É a primeira visita oficial de Milei ao Brasil e o argentino não tem encontros previstos com o presidente Lula. Desde que o libertário assumiu a Casa Rosada, Lula e Milei não se encontraram — como de praxe acontece com os presidentes de ambos os países.

Brasil e Argentina possuem a principal economia da América do Sul e têm relações comerciais estreitas, mas Lula e Milei têm evitado um encontro. Os dois tiveram apenas uma agenda em comum até o momento, durante a Reunião de Líderes do G7 (bloco formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, as sete maiores economias democráticas). No encontro, apenas se cumprimentaram, conforme informou um porta-voz da Casa Rosada.

Durante a passagem pelo G7, Lula manteve encontros bilaterais com diversos líderes internacionais, mas Javier Milei não foi um deles. Na tradicional foto de família (imagem em destaque), feita após o dia de reuniões na cúpula, a imagem de Lula e Milei em lados opostos ilustrou a polaridade entre os dois líderes.  

Relação Brasil e Argentina sobrevive ao distanciamento de Lula e Milei

Apesar dos impasses, os analistas ouvidos pela reportagem pontuam que as diferenças e os problemas entre Lula e Milei não devem atrapalhar a relação entre os dois países. “Nem Milei e nem Lula são capazes de retroceder a integração entre Brasil e Argentina. Muito menos retroceder o interesse dos dois países no acordo com a União Europeia", avalia Pedro Feliú, especialista em América Latina e docente na Universidade de São Paulo (USP). 

O Palácio do Planalto e o Itamaraty também ressaltam a mesma perspectiva. Apesar dos presidentes não terem um bom relacionamento, as alianças correm bem no âmbito diplomático. O chanceler Mauro Vieira já fez visitas à Argentina e sua homóloga no país também já veio ao Brasil algumas vezes com a intenção de reforçar os laços entre os dois países.

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Mas, por outro lado, o afastamento dos presidentes gera receios sobre importantes pautas em discussões no bloco, sobretudo no Mercosul. O Mercado Comum do Sul (Mercosul) — bloco econômico formado por Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e, mais recentemente, a Bolívia — tem intensificado as negociações com a União Europeia para um acordo de livre comércio que promete facilitar a comercialização entre seus países-membros. Em negociação há mais de 20 anos, o alinhamento entre os presidentes do Brasil e da Argentina é importante para o curso dos diálogos com os europeus.

Conforme relembra Elton Gomes, do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o principal instrumento que pauta o Mercosul, o Protocolo de Ouro Preto, exige que “as decisões precisam ser feitas por unanimidade, então é sempre uma negociação mais custosa mesmo que seja entre apenas quatro atores”. Ou seja, ainda que antagônicos no espectro político, Lula e Milei precisam encontrar consenso e unir forças para destravar as negociações com o bloco europeu.

No caso dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos) a diferença de posicionamento político entre Lula e Milei é evidente. O antecessor do presidente argentino, o esquerdista Alberto Fernández, havia costurado com Lula a entrada de seu país no bloco, que desde 2022 é usado pela Rússia e pela China para fazer antagonismo às democracias do Ocidente. Ao assumir a presidência, Milei desfez o acordo e realinhou a Argentina às democracias ocidentais no ano passado.

“O desafio [do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia] está focado nos interesses protecionistas agrícolas da Europa. Aqui no Mercosul há mais consenso em torno da aprovação e do apoio à conclusão do acordo”, avalia o especialista em Relações Internacionais Pedro Feliú. O acordo, até aqui, parece ser o único tema que Lula e Milei concordam. Os mandatários não tiveram conversas particulares sobre o tema, mas o argentino indicou seu apreço pelo tratado durante a viagem que fez a Europa para o G7. À margem da cúpula, o presidente argentino se reuniu com o ministro das relações exteriores da Alemanha, Olaf Scholtz, e os dois concordaram que o acordo precisa ser fechado “rapidamente”.

Neste contexto, o mandatário brasileiro, assim como Milei, também se reuniu com líderes europeus para tratar do acordo. Entre os encontros bilaterais, Lula teve reuniões com o presidente da França, Emmanuel Macron [principal figura contra o acordo], o chanceler alemão, Olaf Scholz, e com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen [que deve ser eleita para um novo mandato à frente do órgão e já se mostrou favorável ao acordo].

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