As relações entre Brasil e Israel atingiram o auge sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), de 2019 a 2022. No entanto, a ascensão de seu sucessor e rival, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), interrompeu o aprofundamento da parceria política e econômica entre os dois países, dando lugar a um inédito cenário de tensões. Os embates recentes, desencadeados pela declaração de Lula que equipara a investida militar israelense em Gaza, após os atos terroristas do Hamas em 7 de outubro, ao Holocausto, consagraram o atual momento como o mais crítico da história desse diálogo bilateral.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, reagiu de maneira contundente, declarando Lula persona non grata, além de submeter o embaixador Frederico Meyer à reprimenda oficial do chanceler israelense, Israel Katz, no Museu do Holocausto e não no Ministério de Relações Exteriores. Lula não pretende fazer pedido de desculpas, como exige Netanyahu e ainda preferiu escalar a crise, chamando o embaixador de volta ao Brasil. No protocolo diplomático, convocar o chefe da representação é considerada uma mensagem dura, a que antecede rompimentos diplomáticos, embora na maioria das vezes não avance além desse ponto.
Contribuindo ainda mais para a escalada, o Brasil se pronunciou em uma audiência na Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, na Holanda, nesta terça-feira (20), repetindo acusações contra Israel e pedindo o fim da “ocupação ilegal de territórios palestinos" por parte de Israel.
Adriano Gianturco, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec-MG, não tem dúvidas de que o intercâmbio entre Brasil e Israel atravessa o pior momento possível, considerando que nunca um presidente foi declarado persona non grata no mundo. “A situação é inversa do governo anterior, que era muito leal a Israel. Antes mesmo de assumir o cargo de presidente, ainda na campanha eleitoral, Bolsonaro várias vezes mostrou proximidade com aquele país”, sublinhou.
O professor lembra que o eleitor evangélico do ex-presidente nutre forte conexão com a Terra Santa, fato que o fez cogitar transferir a Embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, voltando atrás por pressões de empresários receosos de retaliações de árabes.
Lula pode usar crise para revisar contratos na área de segurança com Israel
Para Natália Fingermann, professora de relações internacionais do Ibmec-SP, o clima hostil provocado por posturas de Lula no âmbito da guerra em Gaza não deverá levar ao rompimento diplomático entre os países. De toda forma, ela prevê uma “queda drástica na cooperação entre os países”, considerando que “as relações bilaterais já estão de fato muito fragilizadas” e que o ato de convocação do embaixador prova isso.
Na opinião dela, a troca de governo no Brasil implicou em um foco inicial de tensão em torno dos contratos na área de segurança e defesa assinados na gestão de Bolsonaro. “Talvez a atual desestabilização nas relações bilaterais gere a oportunidade esperada pelo governo Lula para revisar esses acordos”, disse.
Brasil e Israel adotaram em março de 2019, por ocasião da visita do então presidente Bolsonaro a Israel, um memorando de entendimento sobre cooperação na área de segurança cibernética, setor dominado pela tecnologia israelense. Aprovado pelo Congresso, o acordo foi ratificado pelo Brasil e por Israel, em 2022, mas ainda aguarda o decreto presidencial de promulgação.
O Brasil intensificou sua relação com Israel no período Bolsonaro, marcado pela assinatura de diversos acordos nas áreas de defesa, ciência, segurança e serviços aéreos, incluindo troca de visitas de chefes de Estado e a inauguração de escritório da Agência Brasileira de Promoção das Exportações (Apex) em Jerusalém.
Alguns projetos militares afetados podem ser o da construção de aviões de caça Gripen e cargueiros KC-390, que possuem componentes que dependem de tecnologia israelense. Não é possível saber também se o Brasil possui algum tipo de software espião israelense (como era o caso do First Mile) e se o eventual programa será deteriorado por causa da crise diplomática.
O resultado concreto disso foi o recorde histórico no fluxo comercial entre os dois países, atingido em 2022, de US$ 4 bilhões, com o Brasil exportando US$ 1,9 bilhão e importando US$ 2,1 bilhões, puxados pelos adubos e fertilizantes. As exportações brasileiras, por sua vez, foram impulsionadas pela venda de petróleo, carne e grãos.
Brasil recebeu ajuda humanitária de Israel entre 2019 e 2022
Nos últimos anos, o Brasil recebeu apoio humanitário de Israel. Em 2019, quando do rompimento da barragem em Brumadinho (MG), o governo israelense enviou 136 militares, incluindo médicos, para auxiliar no resgate de vítimas em áreas consideradas de difícil acesso. Já em 2022, o país recebeu a doação de duas toneladas de seringas e agulhas, equipamentos de proteção individual, antibióticos e outros recursos para o enfrentamento da pandemia da Covid-19.
Ao todo, os dois países assinaram 36 acordos desde os anos 1950, com maior impulso a partir de 2018, na gestão do presidente Michel Temer. O Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e Israel, assinado em 2007, entrou em vigor no Brasil em 2010.
Até mesmo o plano que possibilitou a repatriação de brasileiros após o início da guerra entre Israel e o Hamas foi estabelecido durante a gestão do ex-presidente, conforme apurou a Gazeta do Povo anteriormente. A embaixada em Tel Aviv tinha um plano básico de contingência que havia sido revisto e aperfeiçoado durante a gestão passada. Ele foi seguido pelos diplomatas em Israel e possibilitou a repatriação de 1.410 brasileiros no ano passado.
Parcerias iniciadas na gestão Bolsonaro estão ameaçadas
Há outras tratativas pendentes nas áreas de irrigação, dessalinização da água do mar e captação de água da atmosfera. Há ainda projetos desenvolvidos em conjunto com institutos de pesquisa, hospitais e universidades que foram lançados no governo anterior. Estima-se que há 15 mil brasileiros morando em Israel e 120 mil judeus no Brasil.
Se considerar as raízes históricas da criação do Estado de Israel, em 1948, na qual a diplomacia brasileira foi fundamental na figura de Oswaldo Aranha, o contexto atual soa como disparate. O Brasil foi um dos primeiros países do mundo a reconhecer o país do Oriente Médio, abrindo embaixada em Tel Aviv em 1951, quando também a representação israelense se instalou no Rio.
Foram mais de sete décadas de agenda bilateral positiva, interrompida pelo atual governo brasileiro. A esquerda, que historicamente apoia os países árabes, acusa o atual governo de Israel de genocida, enquanto a direita reage qualificando-a de antissemita.
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