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O ministro Luís Felipe Salomão, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), votou pela absolvição da chapa formada por Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão em duas ações do PT que pedem a cassação de seus mandatos por suposto disparo em massa de mensagens de WhatsApp contra o partido na campanha de 2018. No julgamento final do caso, iniciado nesta terça-feira (26), o relator disse que, apesar de constatar uso indevido do aplicativo por auxiliares e apoiadores do presidente, desde o período eleitoral, considerou que não há provas de gravidade para condenação.
"Ainda que os disparos em massa de mensagens de WhatsApp tenham se caracterizado na hipótese dos autos, isso não conduz de modo automático à conclusão de que pessoas jurídicas estariam financiando essa prática", disse, em referência à acusação de que empresários teriam bancado a disseminação de fake news contra o então candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad.
Ele também considerou não haver provas de que Bolsonaro tivesse ciência dessas supostas contratações, nem exemplos do teor das mensagens que teriam sido espalhadas. Mais ainda: não se sabe de que modo esse conteúdo teria repercutido nas escolhas do eleitorado nem o próprio alcance que tiveram.
"As eleições presidenciais de 2018 contaram com a participação de mais de 100 milhões de eleitores e que a chapa eleita se sagrou vencedora com aproximadamente 57 milhões de votos. Essa última circunstância, embora de modo algum possa representar espécie de salvo conduto para os candidatos, reforça que o sancionamento pela prática de ilícitos eleitorais não pode ocorrer de modo desconexo da realidade", afirmou o ministro, que também é corregedor-geral da Justiça Eleitoral.
Também votaram contra a cassação do mandato os ministros Mauro Campbell e Sérgio Banhos, por falta de provas das acusações do PT. O julgamento foi suspenso e será retomado na próxima quinta-feira (28), para os votos dos outros quatro ministros da Corte: Carlos Horbach, Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. A absolvição depende de apenas mais um voto.
Relator fixa tese sobre uso de mensagens que gerem desinformação
No voto, contudo, Salomão propôs a fixação de uma tese para considerar abuso de poder econômico e/ou uso indevido dos meios de comunicação social, o uso massivo de aplicativos de mensagens para disseminar desinformação contra candidatos adversários. A condenação dependeria da gravidade em cada caso concreto, medida por cinco parâmetros: teor das mensagens (se contêm propaganda negativa ou informações "efetivamente inverídicas"); se o conteúdo repercutiu no eleitorado; o alcance do ilícito em termos de mensagens veiculadas; o grau de participação dos candidatos nos fatos; e se a campanha foi financiada por empresas com essa finalidade. Nas ações do PT, ressaltou, não foi possível aferir com provas essa gravidade.
Ele também rejeitou os pedidos do partido para reabrir a fase de provas para colher mais elementos. Disse que, desde o início das ações, em 2018, a instrução foi reaberta para que o PT apresentasse mais provas. "O deferimento de quaisquer das provas propugnadas não teria o condão de produzir resultado concreto que permitisse aquilatar a gravidade dos fatos", disse.
Antes, destacou que o material compartilhado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, coletado no inquérito das fake news e dos atos antidemocráticos, comprovaram a existência de um grupo próximo do presidente, composto por assessores, que comporiam o chamado "gabinete do ódio", que usam redes sociais para atacar adversários.
"O conjunto probatório das duas ações, do meu modo de ver, não deixa margem para dúvidas no sentido de que campanha dos vencedores das eleições assumiu caráter preponderantemente nos meios digitais mediante utilização indevida, dentre outros, do app de mensagens WhatsApp para promover disparos em massa em benefício de suas candidaturas, valendo-se de estrutura organizada e capilarizada composta por apoiadores e pessoas próximas ao primeiro representado", afirmou Salomão.
O que disseram defesa, acusação e MP
Antes dele, o primeiro a votar, falaram advogados das partes. Representando o PT, Eugênio Aragão disse que Bolsonaro possui "engenhosa máquina de disseminação de mentiras". "Bolsonaro protagonizou disseminação de fake news, por exemplo, com vídeo com suposta intenção do PT de fraudar as eleições com o voto eletrônico. Na mesma época, em entrevista ao Jornal Nacional, ele afirmou que o livro ‘Aparelho Sexual e Cia’ teria sido utilizado como material do kit gay, cuja falsidade também foi reconhecida por esta Justiça Eleitoral", exemplificou.
A advogada de Bolsonaro, Karina Kuffa, disse que a ausência de provas decorre da inexistência dos fatos apontados, e disse que a ação foi baseada apenas em reportagem do jornal Folha de S.Paulo. "Não é só ausência de provas por ineficiência do autor em trazer elementos e caminhos para buscá-las. Mas o fato é que a ausência de provas se dá pela inexistência dos fatos. Não tem como provar algo que não existiu. Estão querendo criminalizar a campanha mais barata e orgânica que teve na história."
O vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet Branco, reiterou a manifestação que já havia feito nos autos pela improcedência do pedido de cassação, também por falta de provas. "Não se logrou demonstrar o conteúdo das mensagens. Nem se colheram evidências da repercussão efetiva dos disparos para que sejam aquilatadas as consequências do fato alegado [...] Para condenação é necessário que se atinja grau de certeza sobre todos os fatos relevantes, que deixe pouca margem para dúvida ou interpretação concorrentes", disse.