Nas últimas semanas, a queda de braço entre os deputados da base do governo e da oposição se acirrou na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A expectativa é que ao final dos trabalhos, a CPI tenha dois relatórios: um elaborado pelo relator da CPI, o deputado Ricardo Salles (PL-SP), e outro que deve ser apresentado pelos deputados governistas.
Uma das prerrogativas das CPIs é o indiciamento dos investigados durante os trabalhos. Neste sentido, Salles já sinalizou que incluirá nos pedidos de indiciamento o líder da Frente Nacional de Lutas Campo e Cidade (FNL), José Rainha, o ex-ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional Gonçalves Dias e o diretor-superintendente do Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iterra-AL), Jaime Messias Silva.
Deputados da base governista também devem ser citados por suposto envolvimento com acampamentos do MST durante o Abril Vermelho – quando ocorreram invasões de terras e prédios públicos –, por meio de apoio político e financeiro. Os parlamentares que devem ser citados são: Sâmia Bomfim (PSOL-SP), João Daniel (PT-SE), Erika Kokay (PT-DF), Valmir Assunção (PT-BA) e Paulão (PT-AL). Sâmia e Assunção mantêm em seus gabinetes pelo menos três integrantes de movimentos que promovem invasões de terras pelo país.
Denúncias de trabalho escravo também podem entrar no relatório final de Salles, com base no depoimento de testemunhas que são ex-integrantes ou acampados do MST. De acordo com os depoimentos, os acampados e assentados seriam obrigados a prestar serviços dentro dos acampamentos e sofreriam punições, que poderiam culminar com a expulsão, caso não fossem realizados.
Base do governo prepara relatório substitutivo para CPI do MST
Diante da recente mudança de composição do colegiado, que resultou com a oposição perdendo a maioria na CPI, a expectativa dos deputados aliados de Lula e do MST é que o relatório de Salles seja rejeitado ainda na Comissão. Com a rejeição, os governistas podem apresentar um relatório substitutivo, que, de acordo com fontes ligadas ao PT, já está sendo elaborado. Há ainda a possibilidade de apresentação de destaques, que podem remover trechos do relatório de Salles, para excluir pontos que desagradem o governo ou o MST, por exemplo.
No entanto, caso a oposição consiga reverter novamente a maioria, a base do governo deve apresentar um recurso para então tentar derrotar o relatório da CPI do MST no plenário da Câmara dos Deputados.
Os deputados da base governista vêm destacando, desde o começo da CPI, que não há fato determinado para as investigações do colegiado. Este pode ser um dos pontos do relatório substitutivo a ser apresentado pela base de Lula. Há ainda a recorrente narrativa de que a oposição estaria buscando somente a criminalização dos movimentos, em detrimento de um debate sobre a reforma agrária no país.
Bancada do agro tenta acordo com Lira para devolver maioria da CPI à oposição
Uma manobra articulada entre o governo Lula e o Centrão fez com que a composição do colegiado, antes dominado pela oposição, fosse revertida e ameaçasse a votação do relatório final. Sem maioria para aprovação, Salles chegou a cogitar a apresentação antecipada do seu relatório e o encerramento dos trabalhos se daria antes do prazo final, em 14 de setembro.
No entanto, agora, existe uma articulação para devolver a maioria para a oposição. A possibilidade de nova alteração na composição se deve à atuação, nos bastidores, do líder da bancada do agronegócio no Congresso Nacional, o deputado Pedro Lupion (PP-PR). Lupion buscou, junto ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o apoio para conseguir que os líderes do Republicanos, do União Brasil e do Progressistas nomeiem novamente os deputados que votam com a oposição.
Esses partidos, responsáveis pelas alterações nos membros da CPI, estão negociando para fazer parte do governo Lula e por isso fizeram a movimentação que inviabiliza a atuação da oposição na investigação contra o MST.
Reunião com Lira ocorreu sem a presença do relator da CPI
A reunião do presidente da FPA, Pedro Lupion, com o presidente Lira gerou desconforto entre os membros da CPI. Acompanhado do presidente da CPI, deputado Luciano Zucco (Republicanos-RS) e do 1º vice-presidente, deputado Kim Kataguiri (União-SP), o encontro não contou com a presença do relator, deputado Salles.
Ao saber da reunião, Salles foi às redes sociais e teceu críticas, posteriormente apagadas, aos supostos acordos tratados e ao presidente da FPA, deputado Lupion. “Antes ser tido como “muito duro” do que um uma liderança agropecuária incoerente, que não defende, de verdade quem representa, que alivia pro governo do PT etc … Minhas convicções não estão à venda, talkey?!?”, dizia a legenda, posteriormente excluída.
Após a repercussão, a FPA divulgou uma nota em que reconheceu e reforçou o apoio ao esforço do presidente e do relator da CPI do MST no combate às invasões criminosas de terras ocorridas desde o início de 2023. A nota afirma ainda que a reunião “foi pautada pelo pedido de recomposição de membros da comissão, alterada na última semana por líderes partidários”.
Durante a reunião, Lira teria dito que dará um voto de confiança para que a oposição volte a fazer um “trabalho sério” na comissão. Segundo fontes ouvidas pela Gazeta do Povo, o presidente da Câmara teria ainda se comprometido em atuar para recompor a maioria da oposição na CPI, mas não deu prazo para que isso aconteça.
Embora o tema não tenha sido tratado na reunião de Lupion com Lira, uma diligência em Alagoas pode ter despertado o interesse de Lira em retomar a maioria da oposição na CPI. Documentos obtidos pela CPI demonstram que, durante o governo de Renan Filho, recursos para financiar manifestações foram destinados ao MST por meio de órgãos do governo. Notas fiscais recolhidas em Maceió pelos membros da CPI mostram gastos com lonas, refeições e ônibus para acampados que participaram de "manifestações". O ex-governador de Alagoas é filho de um dos principais adversários políticos de Lira: o senador Renan Calheiros (MDB-AL).
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