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Política armamentista

Relatório do Fórum Nacional de Segurança Pública coloca em xeque discurso de Dino sobre armas

Flávio Dino
Flávio Dino fica no ministério da Justiça até começo de 2024. Depois assumirá o STF. (Foto: André Borges/EFE)

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O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, fez, nesta quinta-feira (20), um balanço da sua atuação à frente da pasta, antes de assumir uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF), e voltou a atacar a política armamentista do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Segundo ele, a queda das mortes violentas até novembro de 2023 aliada às políticas desarmamentistas do governo Lula provariam que "não há correlação lógica entre crescimento de armas e redução de mortes violentas ou de homicídios". Contudo, o ministro não explicou se o número de armas legais no país diminuiu ou cresceu ao longo de sua gestão, limitando-se a dizer somente que os novos registros de armas perderam o ritmo em relação ao ano passado.

Na manhã desta quinta-feira (21), Dino apresentou um resumo dos dados sobre a queda nos casos das mortes violentas intencionais (MVIs), com base em um levantamento feito pelo Fórum Nacional de Segurança Pública (FNSP), entidade que reúne 18 secretarias estaduais de Segurança Pública. Segundo o ministro, a projeção é de que haja uma redução de 6% no número de assassinatos em 2023, em comparação com 2022. Entre janeiro e novembro foram registrados 36,8 mil mortes tipificadas como homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte, latrocínio e feminicídio. A projeção do Ministério da Justiça indica que, até 31 de dezembro, esse número deve chegar a 40.173. Em 2022 foram 42.620 MVIs.

Para complementar, Dino também afirmou que o registro de novas armas legais caiu 79% em 2023. Durante sua gestão, até novembro, foram registradas 28.304 novas armas legais no país, enquanto que no ano passado o número de novos registros foi de 135.915.

“Os decretos sobre armas que aqueles arautos do caos diziam que a hora que houvesse a restrição de armas, os homicídios subiriam. Não, não aconteceu. Portanto, essa falácia foi definitivamente desconstituída, pois temos uma tendência, quase confirmação, de redução da ordem de 6% (5,7%) na comparação com 2021 e 2022”, disse o ministro.

O que Dino não explicou foi que a tendência de queda começou em 2018, após sete anos seguidos de aumento no número de mortes violentas no país, chegando ao recorde negativo de mais de 64 mil homicídios em 2017. No mesmo período, entre 2018 e 2022, o número de armas legalmente registradas para a defesa pessoal saltou de 638 mil para mais de 1,5 milhão. Portanto, tampouco se aplica a lógica dos governos de esquerda de que menos armas legais em circulação representam menos mortes violentas.

Para o deputado federal Alberto Fraga (PL-DF), vice-presidente da Frente Parlamentar de Segurança Pública da Câmara, o balanço feito por Flávio Dino é tendencioso e cheio de falhas, ao omitir dados importantes que constam no mesmo levantamento do Fórum de Segurança Pública. O parlamentar ainda desafiou o ministro a apresentar outros motivos, que não o armamento civil, para justificar a redução dos homicídios no país. “Está mais do que claro, evidente, que foi a flexibilização do acesso às armas legais que colocou a dúvida na cabeça do bandido de que aquela vítima poderia estar armada ou não. Foi isso que reduziu a violência”, opinou.

Redução no número de assassinatos iniciou em 2018

Um relatório mais completo divulgado pelo FNSP em outubro apontou que o ano de 2022 registrou mais uma queda no número de mortes violentas intencionais. Com exceção de 2020, essa tendência vem sendo registrada desde 2018.

De acordo com o levantamento, no ano passado, 47.398 pessoas perderam a vida para a violência que toma conta da maioria das cidades brasileiras. Uma taxa de 23,5 homicídios por grupos de 100 mil habitantes. À primeira vista, esses números poderiam sugerir um panorama alarmante sobre a segurança no país. No entanto, observando a série histórica, medida desde 2011, esta é a segunda menor média registrada em mais de uma década.

A curva de violência começou a subir na reta final da primeira gestão da ex-presidente petista Dilma Rousseff, que adotava políticas desarmamentistas semelhantes às do atual governo. Em 2011, o relatório do FNSP registrou pouco mais de 47 mil MVIs. Já no ano seguinte esse número saltou para quase 55 mil, chegando ao recorde de 64.079 assassinatos em 2017.

Para o promotor de justiça criminal Luciano Lara, os dados comprovam o que ele já vinha estudando há muito tempo. “Nos quatro anos em que tivemos aumento na venda das armas legais, tivemos, acompanhado desse aumento, uma redução dos crimes violentos praticados com armas de fogo. Se não se pode correlacionar o aumento na venda de armas legais com a diminuição dos crimes violentos, com certeza nós provamos, empiricamente, pelo menos, que o aumento na venda de armas legais não representa aumento da violência”. Lara é autor de diversos livros sobre segurança pública e legítima defesa. Ele também é o criador do canal Beaba do Tiro, com aproximadamente 30 mil inscritos.

“Esse relatório joga por terra um dos principais discursos do atual governo, que defende que mais armas em circulação representam mais violência. Em quatro anos tivemos uma redução de quase 18 mil mortes violentas praticadas com armas de fogo”, completou o promotor.

Ainda segundo Lara, é importante destacar que arma na mão do cidadão não tem relação direta com segurança pública. “Isso é função do Estado, das polícias. Mas, a possibilidade do enfrentamento, do criminoso saber que a chance de topar com uma vítima armada é grande, serve como inibidor da violência. Logo, a possibilidade de defesa pessoal impacta sim nos números da segurança pública”, opina.

Por outro lado, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão de pesquisa do governo federal, afirmou, na versão mais recente do Atlas da Violência, que a redução dos homicídios em 2022 poderia ter sido ainda maior, caso as políticas favoráveis ao acesso da população a armas promovidas pelo governo passado não tivessem ocorrido.

O coordenador do estudo, o economista Daniel Cerqueira, disse que a conclusão foi obtida a partir da metodologia econométrica. Segundo ele, o governo Bolsonaro foi "negacionista", pois teria ignorado uma “avassaladora literatura internacional e nacional científica mostrando que mais armas geram mais crimes”. Conforme as projeções do Ipea, caso o governo Bolsonaro não tivesse adotado políticas armamentistas, o número de homicídios entre 2019 e 2021 poderia ter uma redução de 6.379 casos em todo o país.

A metodologia do Ipea, porém, é questionada. O pesquisador em segurança pública e responsável pelo Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), Fabrício Rebelo, afirma que o estudo usa um artifício retórico pautado no discurso da infalibilidade, que busca convencer quem não tem conhecimento sobre o tema. Para tanto, cria-se uma retórica imune ao erro, que não se preocupa em apurar os reais efeitos de políticas de armas nos crimes, mas que tão somente quer reforçar que, haja o que houver, o desarmamento é positivo.

“Na lógica do estudo, se menos armas são vendidas e os homicídios caem, a restrição às primeiras salvou vidas; se mais armas são vendidas e os homicídios sobem, a culpa será diretamente daquelas; se a venda de armas cai e os homicídios aumentam, dizem que "poderia ser pior"; e quando se vende muito mais armas e os homicídios despencam, aí inventam que poderiam ter despencado mais”, disse Rebelo.

Governo declara guerra às armas legais

Desde que tomou posse, em primeiro de janeiro, o presidente Lula vem tentando de várias formas cumprir uma de suas principais promessas de campanha: desarmar a população civil. Nos últimos 12 meses, o governo federal já determinou um recadastramento nacional, além de publicar dois decretos e duas portarias restringindo ao máximo o acesso a armas e munições no país.

O primeiro deles (11.366), publicado em 2 de janeiro, suspendeu a emissão de novos registros de armas, reduziu os limites para compra de armas e munição de uso permitido, acabou com a possibilidade do transporte de armas municiadas por atiradores esportivos, além de suspender novos registros de clubes e escolas de tiro.

O segundo decreto, publicado em julho (11.615), focou principalmente nos chamados CACs – sigla para caçadores, atiradores esportivos e colecionadores. O documento trouxe de volta os níveis de registros referentes ao tempo de prática no esporte, restringiu ainda mais o número de armas que poderiam ser adquiridas (de 60 para 4 unidades para os CACs de nível 1), proibiu o funcionamento de clubes e escolas de tiro a menos de um quilômetro de instituições de ensino, além de transferir do Exército para a Polícia Federal a responsabilidade pela fiscalização dos atiradores, das lojas de armas, clubes e escolas de tiro.

No último dia 19, parlamentares da Frente Parlamentar da Segurança Pública conseguiram assinaturas suficientes para apresentar um novo pedido de urgência para votação de um projeto que susta os decretos de Lula contra as armas de fogo. A apresentação ocorreu duas semanas depois de uma solicitação semelhante ser rejeitada pelo plenário da Câmara dos Deputados por três votos.

Para o deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), a política de segurança do governo Lula é um desastre, por isso, a necessidade de urgência em aprovar o PDL que susta os decretos do governo federal. O deputado também adiantou que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), garantiu que vai colocar o PDL em votação já na primeira semana após o recesso parlamentar, que termina em fevereiro do próximo ano.

Portaria da PF e do Exército causa confusão em processos e inquéritos

A última medida, uma portaria conjunta publicada pela Polícia Federal e pelo Exército em novembro, criou uma regulamentação sobre calibres permitidos e restritos. Ela tornou, por exemplo, todas as carabinas semiautomáticas restritas à população, incluindo aí o anêmico calibre .22 LR. Ao mesmo tempo, liberou o calibre .357 Magnum (de grande energia) em carabinas de repetição. Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, o texto da portaria acabou provocando uma grande confusão nos processos e inquéritos policiais.

Eduardo Mallmann é perito criminal na Polícia Civil do Distrito Federal e explica que, no caso do calibre .357 Magnum, por exemplo, a restrição ao uso por civis continua valendo para os revólveres. “O problema começa quando conseguimos recolher apenas as cápsulas da munição utilizada no crime. Como tipificar esse homicídio? Se ele foi cometido com uma arma de fogo ou munição de uso restrito, seria considerado hediondo. Isso implicaria em penas muito mais graves, além da impossibilidade de o réu responder em liberdade. Mas, como o perito vai poder distinguir? A legislação pode abrir brecha para que criminosos respondam em liberdade”, explica.

Outras duas portarias conjuntas estão em fase de análise pela Consultoria Jurídica do Exército e devem apresentar medidas ainda mais restritivas ao uso de armas de fogo. A data para a publicação dos textos ainda não foi definida pelos ministérios da Justiça e da Defesa.

Bancada da segurança tem vitória no apagar das luzes

No último dia 15, parlamentares ligados à bancada da segurança conseguiram retirar armas e munições dos itens sobre os quais seria aplicado um imposto seletivo, criado para compensar danos causados por produtos prejudiciais ao meio ambiente e à saúde. O destaque chegou a ser rejeitado em uma primeira votação, mas a oposição conseguiu reverter os votos em segundo turno. Caso aprovado, o imposto poderia tornar praticamente impossível manter uma arma de fogo para defesa pessoal, caça ou tiro esportivo.

Ainda neste fim de ano, um projeto de lei complementar (PLP) que autoriza os estados e o Distrito Federal a legislarem sobre posse e porte de armas de fogo também avançou na Câmara. Ele foi aprovado na Comissão de Segurança Pública da Casa. A proposta prevê o uso de armas para defesa pessoal, práticas desportivas e controle de espécies exóticas invasoras. O PLP ainda depende de análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e do plenário da Câmara, o que não tem previsão para ocorrer.

Segundo o texto, as autorizações de porte ou posse concedidas só terão validade local e atenderão apenas a pessoas que comprovadamente residem no estado. O substitutivo aprovado na comissão determina que, caso a lei seja aprovada, o estado deve instituir um sistema de controle de armas integrado ao Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), vinculado ao Ministério de Justiça.

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