Denúncias por violações à liberdade de expressão andam devagar e manifestações recentes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos se alinham a posições de Alexandre de Moraes| Foto: Antonio Augusto/SCO/STF
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Defensor de diversos comentaristas políticos censurados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o advogado Emerson Grigollette vai anexar o relatório parcial sobre a censura nas redes sociais, divulgado na semana passada pelo Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, a uma das denúncias contra o Estado brasileiro que tramita na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em razão das decisões do ministro Alexandre de Moraes.

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Desde 2019, a CIDH, órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA) sediado em Washington e encarregado de proteger os direitos humanos no continente americano, recebeu várias denúncias de violações à liberdade de expressão, ao devido processo legal e ao direito à ampla defesa, na condução do inquérito das “fake news” por Moraes. As denúncias apontam censura à imprensa – como no caso da revista Crusoé e ao canal Terça Livre –, a cidadãos e influenciadores digitais, principalmente no campo da direita.

Protocoladas há mais de cinco anos, muitas dessas denúncias andam devagar na CIDH, embora seus autores já tenham enviado informações adicionais a pedido do órgão.

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Agora, com a repercussão internacional dos atos de censura – inicialmente alardeados por parlamentares brasileiros nos EUA e Europa, depois divulgados pelo empresário Elon Musk, e agora criticados pelo Congresso americano –, a expectativa é de que a denúncia receba atenção da CIDH, que tem poder para recomendar ao Brasil o fim da censura.

“Essa demora é injustificada. Em 2023, houve uma denúncia da esquerda contra o Brasil pela morte de yanomamis e em dois meses ela foi apreciada. Mas ainda nem analisaram a admissibilidade da nossa denúncia contra a violação da liberdade de expressão”, diz Grigollette.

A denúncia em questão, apresentada em 2020 pelo advogado, foi subscrita por aproximadamente 2 mil advogados e apoiada por 130 mil pessoas no Brasil e se referia ao início das investigações contra influenciadores e comentaristas políticos da direita, como Bernardo Küster, defendido por Grigollette.

O advogado Renor Oliver, que defende Allan dos Santos, dono do canal Terça Livre, também já fez denúncias semelhantes na CIDH, mas, segundo ele, tudo continua parado. “A gente fez tudo que podia, mas tudo que a gente peticionou está parado. A única coisa que eles se manifestaram até hoje foi sobre pedidos de medidas cautelares. Mandaram um despacho padrão, pedindo mais informações sobre um dos requisitos, que é o esgotamento dos recursos internos dentro do próprio Judiciário”, relata. Como os inquéritos correm no STF, mais alta instância da Justiça brasileira, é a própria Corte que analisa os recursos, o que torna muito difícil uma reversão.

Renor Oliver apoia a juntada do relatório americano nas denúncias e considera importante a repercussão internacional do caso. “É a primeira vez que uma figura pública conhecida mundialmente joga luzes nas ilegalidades em massa que estavam ocorrendo nesses inquéritos e é inegável que as autoridades se sentirão pressionadas a tomar as medidas cabíveis sobre esses casos”, acrescenta.

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O que pode frustrar uma condenação do Estado brasileiro na OEA, em razão dos atos de Moraes, é a morosidade e uma inclinação mais restritiva hoje presente na CIDH, espécie de instância preliminar e que define se as violações são graves e persistentes para que os casos sejam levados a julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), o tribunal que tem a palavra final sobre as denúncias e fica sediado na Costa Rica.

É esse tribunal que tem o poder de condenar um Estado-parte quando as violações não são resolvidas ou reparadas dentro do país, ao final de um processo que pode durar muitos anos.

Em caso de condenação, a Corte recomenda ao Estado que cesse as violações e faça reparações às vítimas.

O que diz a convenção sobre a liberdade de expressão

A proteção da liberdade de expressão está prevista no Pacto de San José da Costa Rica, convenção incorporada pelo Brasil em 1992. Em seu artigo 13, o tratado diz que:

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

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2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:

a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões.

4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.

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5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.

Nas últimas décadas, ao analisar casos concretos, a jurisprudência da Corte IDH consagrou a liberdade de expressão como elemento essencial do regime democrático.

“A liberdade de expressão é uma pedra angular na própria existência de uma sociedade democrática. É essencial para a formação da opinião pública. É também uma condição sine qua non para que os partidos políticos, os sindicatos, as sociedades científicas e culturais e, em geral, aqueles que desejam influenciar a comunidade possam se desenvolver completamente. É, em suma, uma condição para que a comunidade, no exercício das suas opções, esteja suficientemente informada. Portanto, é possível afirmar que uma sociedade que não está bem informada não é livre”, diz uma opinião consultiva da Corte de 1985.

O tribunal também condena de forma veemente a censura, “sempre incompatível com a plena vigência dos direitos” relacionados à liberdade de expressão, exceto no que concerne à proibição de espetáculos que possam violar a proteção moral de crianças e adolescentes. A mesma decisão de 1985, na qual a Corte opinou sobre obrigações de jornalistas no Chile, além de vedar a censura prévia, diz que a responsabilização de alguém por danos causados pelo discurso só pode se dar posteriormente, desde que com causas legítimas e previstas em lei.

“O abuso da liberdade de expressão não pode estar sujeito a medidas preventivas de controle, mas a uma base de responsabilidade para quem o cometeu. Mesmo neste caso, para que tal responsabilidade seja validamente estabelecida, de acordo com a Convenção, é necessário que vários requisitos sejam atendidos, a saber: a) a existência de causas de responsabilidade previamente estabelecidas; b) a definição expressa e exaustiva destas causas por lei; c) a legitimidade dos fins prosseguidos no seu estabelecimento; d) que estas causas de responsabilidade sejam necessárias para assegurar os propósitos mencionados”, diz a decisão.

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Tratam-se de condições ignoradas por Moraes em boa parte de suas decisões que suspendem perfis nas redes sociais. Em primeiro lugar, porque a medida materializa uma censura prévia, uma vez que a pessoa banida de uma plataforma fica impedida de se manifestar nela no futuro. Além disso, não há na atual legislação brasileira definições claras do que sejam “fake news”, “notícias fraudulentas” e “discurso de ódio”, sempre apontados pelo ministro como causas para a retirada de conteúdo do ar, tampouco se são causas legítimas para punir alguém.

Orientação recente da CIDH é alinhada à agenda de Moraes sobre as redes

Apesar de a Comissão Interamericana de Direitos Humanos tradicionalmente prescrever, em relação às decisões de Alexandre de Moraes, uma aplicação bem mais liberal do direito à manifestação do pensamento, a CIDH – órgão de análise preliminar, onde começam a tramitar as acusações de violação – tem demonstrado, nos últimos anos, uma inclinação mais restritiva e alinhada ao ideário defendido pelo ministro no tema.

Dentro da Comissão Interamericana existe uma Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, formada por juristas especializados no assunto. Em sua manifestação mais recente sobre o Brasil, emitida em agosto de 2022, quando começaram as campanhas eleitorais para a Presidência, governos estaduais, Câmara e Senado, o órgão fez um “chamado” para que a Justiça Eleitoral, os eleitores, políticos e candidatos “protegessem o debate público e a vigência dos direitos humanos”.

Entre as preocupações, estavam manifestações que colocassem em dúvida “o processo eleitoral e a legitimidade das instituições democráticas, sem aportar informação constatada ou verificável” ou “que teriam o potencial de fomentar o repúdio a resultados eleitorais, sem aportar as evidências inequívocas nas quais se baseiam”.

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Em outras palavras, de forma sutil, a CIDH expressava contrariedade com discursos que desacreditassem ou duvidassem da integridade do sistema eleitoral, por exemplo, para a captação dos votos e apuração dos resultados. O mesmo argumento foi utilizado por Moraes para censurar usuários de redes sociais que criticavam ou manifestavam desconfiança sobre as urnas eletrônicas.

Moraes também defende uma responsabilização maior das redes sociais pelo conteúdo publicado por seus usuários, especialmente em postagens que possam, em seu entendimento, incitar hostilidades contra autoridades e instituições.

O problema, apontado por vários juristas, é tachar como ilícitas críticas legítimas a políticos e juízes sob o pretexto de que configuram “ataques à democracia”, “atentados contra as instituições”, ou coisas do tipo.

O objetivo da regulamentação defendida pelo ministro é possibilitar que as plataformas sejam punidas se deixarem no ar conteúdos considerados “antidemocráticos” - ainda que não haja uma decisão judicial nesse sentido - e que ela ordene sua remoção.

Na prática, as redes teriam de avaliar, por conta própria, a disseminação de material que possa vir a ser assim enquadrado, e retirá-los do ar para não serem punidas. O mais provável é que pratiquem censura em massa, mesmo de conteúdos lícitos e legítimos, para mitigar o risco de futuras punições. Essa é a essência do Projeto de Lei 2630/2021, que fracassou na Câmara, e da nova resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a propaganda nas campanhas, válida para esse ano.

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Em 2021, a CIDH tangenciou o tema, ao criticar uma medida provisória do então presidente Jair Bolsonaro (PL), que alterava o Marco Civil da Internet. Essa lei, de 2014, diz basicamente que as plataformas só podem ser responsabilizadas por conteúdo de usuários caso descumpram uma ordem judicial de remoção, caso as postagens sejam consideradas ilícitas. Mas nada impede que elas, por iniciativa própria, removam material que contrarie seus termos de uso.

A MP de Bolsonaro queria limitar a remoção espontânea, restringindo-a a hipóteses limitadas previstas em lei, como em casos de promoção da violência, discriminação, racismo, etc. O objetivo era o oposto ao que hoje prega Moraes, de reforçar o poder das big techs para remover conteúdo.

Num comunicado sobre a MP, a CIDH criticou a proposta de Bolsonaro. “A Relatoria considera que enquanto que exigir das plataformas uma ordem judicial para a eliminação de certos conteúdos ou contas pode se constituir uma salvaguarda ou garantia de devido processo para as usuários e os usuários, inverter a lógica e impor a existência de uma ordem judicial como regra para a moderação de conteúdos – com uma limitada lista de exceções – poderia obrigar as plataformas a se absterem de eliminar conteúdo à toda evidência ilegal ou violador direitos humanos, sob o argumento de se garantir a liberdade de expressão”, afirmou o órgão.

No último dia 8 de abril, depois que o dono da rede X, Elon Musk, começou a criticar as ordens de censura de Moraes sobre a plataforma, o advogado-geral da União, Jorge Messias, foi à sede da Comissão Interamericana, em Washington, defender a visão do atual governo brasileiro em favor de maior responsabilização das redes, como pregam Moraes e outros ministros do STF.

“Acabo de sair de uma produtiva reunião com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em Washington, EUA. Denunciei o recente ataque coordenado pela extrema-direita transnacional contra a democracia brasileira. Anunciamos que, muito em breve, o Estado brasileiro apresentará propostas concretas e contundentes, com alcance internacional, na luta contra o discurso de ódio, a desordem informacional e o extremismo que alimenta o lucro fácil de muitas redes sociais. As bigs techs precisam prestar contas e respeitar a legislação dos países onde operam. No Brasil, a liberdade de expressão é sagrada, mas não existe imunidade digital para cometimento de crimes”, postou Jorge Messias – a publicação foi feita no próprio X.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]