As emendas pix ou transferências especiais realizadas por parlamentares para seus municípios de base tiveram um aumento de 530% entre 2022 e 2023, saltando de R$ 1,5 bilhão para R$ 8,1 bilhões. Sem necessidade de especificação de destinação ou convênio com programas e projetos dos ministérios, os repasses chegam diretamente às prefeituras, isentos de mecanismos de fiscalização para o emprego dos recursos feito pelas gestões municipais.
Além de ser uma estratégia para impulsionar candidaturas, o aumento também reflete a tendência cada vez maior de controle que o Congresso Nacional tem buscado exercer sobre o orçamento público.
O analista político Lucas Batista Pinheiro, da Consillium Soluções Institucionais e Governamentais, explica que as emendas pix influenciam as eleições municipais na medida em que, no ano pré-eleitoral e em 2024, elas são utilizadas para impulsionar obras públicas ou para dinamizar programas sociais. Esses avanços acabam contando de forma positiva para aliados e correligionários de deputados e senadores federais (autores das emendas) que pretendem disputar as eleições municipais.
“O aumento [no repasse deste tipo de emenda] significa que os parlamentares terão um papel de mais protagonismo nas eleições municipais, seja como candidatos ou como apoiadores. Eleições municipais não são definidas por ideologias, mas pela realidade local. Vence quem demonstra que sabe solucionar problemas do dia a dia da população. Por isso, resolver os buracos, o asfalto, o posto de saúde, a escola do bairro, a iluminação, a zeladoria é um grande ativo eleitoral que pode ser resolvido com emendas”, afirma ele.
Cristiano Noronha, mestre em Ciências Políticas e vice-presidente da consultoria Arko Advice, também avalia que o maior repasse desse tipo de emendas pode auxiliar no pleito municipal deste ano. “Os parlamentares gostam de destinar esses recursos para determinados municípios”. Para tanto, os recursos são utilizados em obras e outras melhorias que conferem maior visibilidade aos parlamentares e aos prefeitos correligionários ou aliados.
Município paulista lidera ranking das emendas pix em 2023
O município de Carapicuíba, na grande São Paulo, foi o destino campeão em emendas pix em 2023, com repasses da ordem de R$ 81,43 milhões - os dados são do site Tesouro Nacional Transparente. Em 2022, a cidade recebeu R$ 20,05 milhões em verbas desse tipo, o que representa um crescimento de 406% de um ano para o outro.
Pinheiro destaca que, em anos eleitorais ou naqueles que precedem os pleitos, “é natural que parlamentares e partidos queiram direcionar as emendas para suas bases, sobretudo para os municípios que os partidos escolhem como prioridade”. No caso de Carapicuíba, ele afirma ser uma cidade estratégica, pois se situa na região da Grande São Paulo, onde tanto PT quanto PSDB tentam retomar o controle e evitar o avanço da influência do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A capital paulista também registrou crescimento nos repasses, tendo passado de R$ 9,59 milhões em 2022, para R$23,17 milhões em 2023, um aumento "mais modesto" que o registrado no total das transferências de emendas pix, mas, ainda assim, bastante expressivo, da ordem de 241%. Vitrine política do país, todos os grandes partidos têm interesse em agradar a base paulistana. Ainda assim, a cidade saiu da segunda colocação no ranking de maiores repasses desse tipo em 2022, para ocupar a 17ª posição em 2023.
A cidade de São Paulo tem uma das disputas mais acirradas pela prefeitura neste ano. Segundo Pinheiro, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) tem uma batalha pela frente, pois vai enfrentar o candidato do governo federal, Guilherme Boulos (PSOL), que agora conta com o apoio da ex-prefeita Marta Suplicy. Na terça-feira (9), ela foi exonerada do cargo de secretária de Relações Internacionais da gestão de Nunes para se filiar ao PT e concorrer ao pleito na chapa apoiada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Isso obrigaria os campos de oposição a Lula a se unirem na capital paulista”, afirma.
Noronha avalia que a disputa por São Paulo é um caso emblemático, onde o PT abriu mão da cabeça de chapa porque sabe que tem dificuldades na cidade. Ele afirma que partido “sofreu grande desgaste em razão de denúncias de corrupção e, ao mesmo tempo, houve uma ascensão da direita liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro”.
Macapá e Rio: aumentos acima do ocorrido no país
Ao contrário de São Paulo, cujo crescimento ficou abaixo do registrado no repasse total de emendas pix, Macapá (AP) registrou um aumento de 544%, saindo de R$ 9,29 milhões em 2022, para R$ 50,59 milhões no ano passado, permanecendo no terceiro lugar no ranking. A cidade é o berço político de um dos possíveis candidatos para substituir Rodrigo Pacheco (PSD) na presidência do Senado, David Alcolumbre (União), que atualmente é presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Casa (CCJ).
Pinheiro avalia que Macapá é de grande interesse para o União Brasil, já que Alcolumbre, um de seus principais quadros, apoia a candidatura de Josiel Alcolumbre, seu irmão e suplente no Senado, para a prefeitura. O deputado Acácio Favacho, presidente do MDB no Amapá, também tem destinado recursos para realização de obras e de programas sociais na cidade. No entanto, o atual prefeito do município, Dr. Furlan, do Podemos, lidera as intenções de voto na capital e pode ser um empecilho para os anseios eleitorais de ambos os parlamentares.
O Rio de Janeiro apresentou crescimento ainda maior que Macapá, saindo da 12ª posição no ranking em 2022, com R$ 5,19 milhões recebidos em emendas pix, para a 7ª colocação em 2023, com R$ 29,31 milhões. O aumento é de 564%, mais de 30 pontos percentuais acima do registrado nos repasses totais em todo o país. Na capital fluminense, a disputa principal ocorre entre o PSD, que vai tentar manter o controle do município com a reeleição de Eduardo Paes, que deve ter o apoio de Lula, e o PL, partido de Bolsonaro, que poderá lançar o Delegado Ramagem como candidato ao pleito.
Emendas pix dão mais controle do Orçamento ao Congresso Nacional
Além das disputas eleitorais deste ano, o professor de Ciências Políticas Waldir Pucci, da Universidade de Brasília (UnB), afirma que o aumento no volume de repasses via emendas, incluindo as pix, é uma tendência do Congresso e da vida política brasileira. “Esse aumento está ligado ao movimento do Congresso Nacional de cada vez mais ter domínio sobre o Orçamento e, em especial, sobre as próprias emendas”.
Ele explica que, antes de existirem as transferências especiais, os parlamentares faziam a indicação das emendas individuais, que eram pagas à medida que o governo liberasse esses pagamentos, conforme enquadramento em programas e ações ministeriais.
Com as emendas pix ocorre o contrário, pois o parlamentar faz sua indicação especificando a cidade para onde vão os recursos que, na categoria de “transferências especiais”, não precisam ser enquadrados pelos ministérios em suas ações. Nesse caso, os recursos são repassados aos municípios sem uma finalidade definida, ou seja, sem determinar que sejam destinados para uma obra, compra de equipamentos, máquinas ou capacitação, por exemplo.
O município pode escolher no que aplicar, desde que seja em uma política pública. Esses repasses são um tipo de Emenda Individual (RP 6) e, portanto, são impositivos e têm pagamento obrigatório. Há também emendas individuais que não são "pix" e precisam ser vinculadas a ações específicas.
Entenda quais tipos de emendas são usadas no Congresso
As RP6 são apenas um dos diversos tipos de emendas usadas pelo Congresso. Há ainda ss emendas de bancadas (RP 7), que podem ser estaduais ou regionais e também são impositivas. Outro tipo é representado pelas emendas de comissão (RP 8), propostas pelas comissões técnicas da Câmara e do Senado, bem como pelas mesas diretoras de ambas as Casas, mas não são impositivas. No ano passado houve uma proposta para aumentar o poder do Congresso sobre o orçamento e torná-las também impositivas, mas a iniciativa não foi adiante. Apenas as emendas individuais têm a modalidade pix.
Há ainda as emendas de relator (RP 9) que foram proibidas pelo Supremo Tribunal Federal em dezembro de 2022, a não ser em casos expepcionais de recomposição orçamentária. Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, elas eram utilizadas pelos relatores no Senado e na Câmara para destinar recursos para parlamentares e diretamente para prefeituras. Como o parlamentar que as designasse não precisava indicar sua origem, elas ficaram conhecidas como Orçamento Secreto. Ainda em 2022, a PEC da Transição destinou metade dos recursos que seriam destinados a esse fim, R$ 9,5 bilhões, para as emendas individuais (RP 6) em 2023.
Ao todo, foram destinados R$ 25,28 bilhões para emendas individuais e de bancada em 2023. Desse total, 34% correspondem às transferências especiais ou emendas pix, sendo R$ 8,1 bilhões para os municípios e R$ 624 milhões para os estados.
Queda de braço pelo controle do Orçamento
No fim de dezembro, em uma medida controversa, Lula aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2024 com veto a um dos artigos amplamente debatidos no Congresso, que previa um cronograma de pagamentos para as emendas. O relator da LDO, deputado Danilo Forte (União - CE), na ocasião, afirmou que recebeu com “preocupação os vetos anunciados, uma vez que afetam o grande objetivo da LDO de minha relatoria, que é conferir um nível maior de previsibilidade, transparência e de execução do Orçamento Federal” e que tem confiança que o Congresso derrubará os vetos presidenciais.
Além da transparência, a medida visava diminuir o poder de barganha do governo junto ao Congresso, pois, ainda que a execução das emendas individuais e de bancada seja obrigatória, o governo ainda decide o momento em que serão liberadas e joga com isso para favorecer aliados.
Noronha explica que, como o Centrão elegeu o maior número de prefeituras no país em 2020, ao contrário do PT, que chegou ao menor número de prefeitos de toda a sua história, o apoio é fundamental para a aprovação de medidas de interesse do governo Lula.
“O Congresso Nacional tem tido maior controle sobre o Orçamento via aprovação de emendas com pagamentos obrigatórios. Geralmente quando acontecem votações importantes e o governo precisa liberar recursos, as cidades que são governadas por partidos do Centrão recebem maior volume, o que acaba fortalecendo um ciclo”.
Ele ainda avalia que é possível que o PT aumente sua representatividade nessas eleições, com melhora de performance em relação ao pleito de 2020. “Mas, ainda assim, não deve ser nenhum crescimento extraordinário, porque nesses últimos tempos a direita conquistou bastante espaço e o PT acabou reduzindo em tamanho e em número de prefeituras”.
Como a direita e o centro seguem com ampla representatividade no Congresso, essa barganha pelo controle do Orçamento pode prosseguir, com o Senado e a Câmara apostando no aumento de repasses para suas bases por meio das emendas.
“A tendência é que, sim, se não houver uma mudança drástica no rumo político do Brasil, haja cada vez mais o Orçamento e as Emendas na mão do próprio Congresso Nacional, definindo as suas indicações e definindo também as suas liberações”, afirma Pucci. Ele ainda explica que “quanto maior for essa verba e essa certeza do pagamento, melhor será para o parlamentar e, principalmente, para os seus correligionários, aqueles que ele apoia nas eleições municipais”.
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