Ouça este conteúdo
O projeto que cria o Código de Processo Eleitoral deverá chegar ao Senado nos próximos dias. O texto-base foi aprovado pela Câmara na última quinta-feira (9), e os deputados devem concluir nesta semana a votação dos destaques (emendas), enviando logo em seguida a proposta para o Senado. Mas os senadores têm resistência ao projeto e não devem dar a mesma rapidez à tramitação da matéria que os deputados. Desse modo, o novo Código Eleitoral pode não entrar em vigor para as eleições de 2022 – o que vai ampliar o desgaste entre as duas Casas do Legislativo.
Para valer já nas eleições do ano que vem, o Código Eleitoral, que conta com quase 900 artigos, precisar ser aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro até o dia 1.º de outubro. A legislação determina que mudanças eleitorais precisam ser regulamentadas com um ano de antecedência das eleições.
O projeto contém dispositivos que enfraquecem a fiscalização e a punição da Justiça Eleitoral sobre candidatos e partidos, que abrem brecha para impunidade em casos de caixa 2 eleitoral e que restringem a publicação de pesquisas na véspera e no dia das eleições. Por isso, líderes do Senado já admitem que não deverão apreciar a matéria a tempo de as regras entrarem em vigor para o próximo ano.
“Eu acho que o Senado vai adiar essa discussão. Não tem como isso ser aprovado no Senado. Do jeito que está não tem a menor chance. Faltam 15 dias para outubro, não vamos fazer um debate que precisa ser amplo em tão pouco tempo”, afirmou o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR).
A mesma sinalização já foi dada pela líder da bancada feminina, senadora Simone Tebet (MDB-MS), que criticou a exigência de que o Senado analise o texto neste curto período. “O Senado Federal está com uma grande preocupação com a alteração do Código Eleitoral. Independente de entrar no mérito, eu não vou entrar, mas na forma. Como aceitar em nome de uma segurança jurídica exigir ou aceitar que o Senado possa alterar as regras do jogo eleitoral em menos de 15 dias? O Código Eleitoral tem mais de 800 artigos, como discutir de forma séria sem passar por comissões? Acho que é uma situação temerária e não será aceita pela maioria dos nossos pares”, afirmou a senadora à Globonews.
Senadores criticam “brechas” para a impunidade do Código Eleitoral
Para o senador Oriovisto Guimarães, o projeto abre brechas para impunidade de “políticos profissionais” e enfraquece todos os mecanismos de combate à corrupção. “É um projeto que mexe em regras do fundo partidário, enfraquece a Justiça eleitoral e amplia a impunidade para quem cometer ilícitos com o fundo eleitoral. Quase que se permite que não se preste conta do dinheiro gasto. É um projeto com mais defeitos do que qualidades. É o tipo de assunto que não interessa à população. Só interessa a político profissional”, argumenta Oriovisto.
Já o líder do Cidadania, senador Alessandro Vieira (SE), afirma que a Câmara promoveu uma “deterioração” nas regras eleitorais, mas que o Senado deverá ter a responsabilidade de corrigir os “equívocos”. “Acho a atuação de Arthur Lira [presidente da Câmara] lamentável, mas compatível com o histórico dele. O Senado tem que ter a responsabilidade e a maturidade de segurar esses erros para evitar que se tenha prejuízos muito graves para o Brasil”, afirma Vieira.
O senador Esperidião Amin (PP-SC) afirma que, se o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), levar o texto direto para o plenário, haverá resistências. “Eu não sei qual é o compromisso que o presidente do Senado está fazendo, mas se levar para plenário do Senado vai ter muita resistência.”
De acordo com parlamentar catarinense, a estratégia da Câmara de incluir todas as mudanças em um único projeto inviabiliza qualquer aprovação em 15 dias. “Eu acho que se existe uma coisa que deveria ser tratado em fatias; essa coisa deveria ser esse Código. Ele [Lira] deveria fatiar o que é urgente. Por exemplo, as coisas urgentes para os senadores da reforma eleitoral o Senado já votou, como a distribuição das sobras partidárias e volta da propaganda partidária (...). Eu era contra, mas fatiaram e conseguiram aprovar no Senado”, afirma Amin.
Ainda segundo o senador de Santa Catarina, atualmente existem mais senadores contrários do que favoráveis ao projeto na Casa. “Eu não posso dizer que não vai ser votado. Mas hoje tem mais contras do que prós. Votar 900 artigos sem conhecer? Eu tenho mais cautela”, completa Amin.
Resistência dos senadores a reforma eleitoral da Câmara
O Código Eleitoral não é o primeiro projeto que muda regras das eleições aprovado recentemente pela Câmara que enfrenta resistência no Senado. No mês passado, os deputados aprovaram a PEC da Reforma Eleitoral – que, entre outros pontos, trata da volta das coligações nas eleições para deputado e vereador. Mas, até o momento, não houve sinalização de que o projeto será pautado pelo Senado – o que também significa que essas mudanças tendem a não valer para 2022.
As mudanças nas regras eleitorais são encampadas, principalmente, pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, e por líderes do Centrão.
Segundo Lira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, havia se comprometido a pautar a matéria no plenário da Casa. “O Senado deve pautar, fez o compromisso de pautar. Mas não posso, não devo, nem farei e nem me pronunciarei sobre o que o Senado vai, de mérito, aprovar ou não. Eu só pedi o respeito ao presidente Pacheco em à Câmara aprovando o 2.º turno, ele pautar a PEC. Mas sem compromisso nenhum de resultado”, disse Lira em relação ao projeto que trata das coligações.
A coligação proporcional permite, em sistema de aliança partidária, que candidatos menos votados, e muitas vezes sem afinidade ideológica, se elejam na esteira dos votos computados pelo conjunto de legendas que integram a aliança eleitoral.
Na Câmara, a volta desse dispositivo contou com o apoio do Centrão e de partidos da oposição como o PT e PCdoB.
Relação entre Câmara e Senado piorou nos últimos meses
Nos bastidores, senadores afirmam que Arthur Lira se comprometeu a “pautar tudo” que fosse de interesse dos deputados quando se candidatou à presidência da Câmara dos Deputados no começo deste ano. No entanto, alegam que não serão “carimbadores” dos acordos feitos pelo deputado alagoano na outra Casa do Congresso.
O desgaste entre senadores e deputados se acentuou nos últimos dias depois que o Senado rejeitou a medida provisória que promovia uma séria de mudanças nas regras trabalhistas. Na ocasião, Lira afirmou que o Senado quebrou um acordo que havia sido costurado com líderes das duas Casas.
“Nós cumprimos os nossos acordos. Não temos acordo nenhum que não seja respeitado com a oposição, com o centro ou com base nessa Casa. Nós respeitamos os regimentos tanto da Câmara quanto do Senado. Respeitamos os acordos e cumprimos com nossas palavras”, disse o presidente da Câmara.
Já os senadores se queixam que os deputados têm ignorado mudanças feitas pelo Senado em projetos enviados ao Legislativo pelo Executivo, por exemplo. De acordo com os parlamentares, as MPs eram recebidas pela Câmara e aprovadas com um conjunto de “jabutis” – que, no jargão político, são dispositivos incluídos nos textos que não têm relação com a proposta original.
Os deputados recorrem a essa estratégia porque as medidas provisórias têm uma tramitação mais rápida, já que elas têm prazo para serem votadas. Da Câmara, a MP segue para o Senado, onde, na maioria das vezes, os “jabutis” são retirados. Em razão do rito legislativo, quando há mudança no texto, a medida volta para a Câmara, onde, segundo a reclamação dos senadores, um conjunto de deputados restaura o conteúdo modificado em votação definitiva. Na sequência, a matéria seguia para a sanção do presidente Bolsonaro.
“É inacreditável que a Câmara, ao discutir essa medida provisória, tenha acrescentado 69 artigos, entre eles, um que modifica 70 dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Realmente é um escárnio ao processo legislativo. Não se discute mais, não se debate. Usa-se uma medida provisória a esse limite de acrescentar sobre um projeto de 25 artigos, 69 novos artigos e 70 dispositivos sobre a CLT”, criticou o senador José Anibal (PSDB-SP) durante a sessão do Senado que rejeitou a MP da reforma trabalhista.