Como se não bastassem os retrocessos no combate à corrupção levados a cabo em 2021, Congresso, Judiciário e Executivo poderão, em 2022, avançar com projetos, julgamentos e medidas com potencial de dificultar ainda mais a investigação e a punição de desvios.
Mesmo num ano eleitoral – pretexto usado por políticos para paralisar reformas econômicas e propostas de impacto social – essas ideias ainda permanecem em alta na agenda de Brasília, principalmente porque podem ajudar a blindar os próprios parlamentares.
Entidades da sociedade civil comprometidas com o tema estão atentas, principalmente pela forma com que vários desses projetos passaram a tramitar nos últimos anos: são redigidos de forma fechada num grupo de trabalho formado por “juristas” (em geral, advogados ligados à classe política) e depois colocados em votação de forma acelerada na Câmara.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com o projeto do novo Código Eleitoral, e o que se tentou na revisão da Lei de Lavagem de Dinheiro (o grupo, neste caso, acabou extinto antes da apresentação do anteprojeto de lei).
“Possíveis retrocessos que podem ser votados no curto prazo atingem a causa de maneira indireta. Um grande risco é a criação de grupos de trabalho, modelos menos transparentes de discussão legislativa, para discutir temas sensíveis que afetam a corrupção. Esses GTs podem propor projetos de lei que devem ser votados direto em plenário, como tem acontecido na gestão Arthur Lira (PP-AL)”, alerta a Transparência Internacional Brasil, em recente levantamento sobre propostas com potencial de prejuízo à agenda anticorrupção.
Para piorar, matérias na direção oposta, que fortalecem o enfrentamento da criminalidade, continuam sob impasse – o exemplo mais significativo é a PEC da prisão em segunda instância, cuja votação na comissão especial da Câmara, em dezembro, foi sabotada por líderes de nove partidos, que substituíram, no colegiado, deputados que eram a favor por outros contrários.
Outra proposta que não avançou é a que acaba com o foro privilegiado. Aprovada em 2018 no Senado, está parada na Câmara dos Deputados desde então. Parte do boicote se dá pelo temor de que a candidatura do ex-juiz Sergio Moro (Podemos) à Presidência no ano que vem alavanque o apoio popular e force os deputados a aprovar as duas propostas.
Confira, abaixo, os retrocessos que podem avançar:
"PEC da vingança"
O presidente da Câmara, Arthur Lira, ainda não desistiu de aprovar uma proposta de emenda à Constituição que altera a composição e as competências do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão disciplinar que se notabilizou nos últimos anos por fechar o cerco contra procuradores que integravam a Lava Jato.
Em outubro, a proposta foi rejeitada no plenário da Casa (faltaram 11 votos), mas Lira disse que ainda poderá colocar em votação o texto original, considerado mais brando que a versão derrotada. “O jogo só termina quando acaba”, disse o presidente da Câmara em outubro.
A versão rejeitada aumentava o número de conselheiros indicados pelo Congresso e previa a possibilidade de o conselho derrubar investigações abertas por procuradores e promotores.
O texto que sobrou mantém 14 conselheiros no órgão, mas tira do MP do Distrito Federal o direito de indicar um membro, que passa a ser escolhido pelo Congresso. O corregedor, responsável pela apuração de má conduta dos procuradores e promotores, poderá ser alguém de fora do MP, selecionado por deputados e senadores.
Arthur Lira tenta articular apoio entre os deputados para colocar a PEC novamente em votação em fevereiro de 2022, na volta do recesso parlamentar.
Código Eleitoral
Aprovado em setembro pela Câmara, o novo Código Eleitoral, ainda pendente de apreciação pelo Senado, pode reduzir drasticamente o poder do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de fiscalizar as contas partidárias. O texto aprovado pelos deputados diz que, em vez de terem suas despesas verificadas por técnicos da Corte, as legendas poderão contratar empresas privadas de auditoria para atestar a regularidade dos gastos.
Especialistas e servidores apontam um claro conflito de interesses: os partidos usariam dinheiro público para pagar uma empresa que fiscalizaria esses mesmos recursos, oriundos do fundo partidário. Hoje, a prestação de contas é feita num sistema eletrônico, considerado mais transparente porque é feito dentro de um mesmo padrão. Todos os anos, o TSE julga essas contas em sessões transmitidas ao vivo com os autos divulgados na internet.
O texto aprovado na Câmara diz que, se a auditoria privada identificar algum desvio, o partido só será punido se o gasto irregular for superior a 20% do total recebido via fundo partidário. A punição máxima é uma multa de R$ 30 mil, valor irrisório.
Até novembro de 2021, os 23 partidos com direito às verbas do fundo partidário haviam recebido um total de R$ 802,5 milhões (os que receberam menos foram PV e Cidadania, cada um com R$ 14,8 milhões). No mesmo período, as multas aplicadas pelo TSE ao conjunto das legendas (por meio de descontos no repasse do fundo) somaram R$ 17,9 milhões. Se o novo Código Eleitoral for aprovado, a estimativa é que essas penalidades caiam drasticamente.
Outra novidade trazida pela proposta é a quarentena para que juízes, procuradores, promotores, militares, policiais e guardas civis possam se candidatar. A partir de 2026, eles vão ter que deixar o cargo que ocupam quatro anos antes de se candidatarem. Membros dessas categorias dizem que é também uma forma de impedir avanços no combate ao crime, uma vez que partem deles, como eleitos, o esforço no Congresso para aprovar leis com essa finalidade.
Novo Código de Processo Penal
Ainda em discussão na Câmara, o projeto de lei do novo Código de Processo Penal é alvo de duras críticas por parte do Ministério Público, que perderia seu poder de investigação. O texto diz que ele só poderia apurar crimes “quando houver fundado risco de ineficácia da elucidação dos fatos pela polícia, em razão de abuso do poder econômico ou político”.
Além disso, a proposta limita a dois anos o prazo de um inquérito policial – atualmente, não há uma “data de validade” da investigação, mas o juiz pode avaliar caso a caso, junto com o MP, a possibilidade de dar continuidade ou não às diligências necessárias para elucidar um crime.
O texto também não diminui as inúmeras possibilidades de recurso atualmente possíveis ao longo do processo, uma das maiores causas da impunidade. Com dinheiro para pagar bons advogados, um réu pode recorrer indefinidamente até a prescrição do crime.
O novo CPP ainda contempla a criação do “juiz de garantias”, um magistrado que teria como função atuar na fase de investigação para zelar pelos direitos do investigado e ficaria impedido de proferir a sentença final para absolvê-lo ou condená-lo. A maioria dos magistrados diz que isso vai tumultuar os processos e arrastá-los até a prescrição.
O juiz de garantias foi aprovado no final de 2019 pelo Congresso dentro do pacote anticrime, mas foi suspenso pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF). Caberá ao plenário do STF, em 2022, declarar ou não sua constitucionalidade. O ministro, no entanto, ainda não marcou a data do julgamento sobre o tema no plenário.
Ficha Limpa
Está previsto para o início de fevereiro, no STF, um julgamento que pode afrouxar a aplicação da Lei da Ficha Limpa, reduzindo, na prática, o prazo de inelegibilidade de políticos condenados em órgãos colegiados. Desde a aprovação da lei, em 2010, até 2020, os oito anos fora das eleições contavam a partir do término do cumprimento da pena, como manda a lei.
Em dezembro de 2020, no entanto, Kassio Marques decidiu que o prazo passaria a contar a partir da condenação. Ou seja: o político não cumpre a pena, porque pode continuar recorrendo, mas ganha o direito de se candidatar depois de oito anos. O julgamento que poderá restabelecer a regra anterior está marcado para o dia 3 de fevereiro.
O ministro atendeu a um pedido do PDT, que argumentou que os políticos estavam ficando inelegíveis por tempo indefinido, por causa da demora para o trânsito em julgado (esgotamento dos recursos que eles mesmos apresentam para evitar a punição).
Coaf no Ministério da Justiça
Está em estudo no Palácio do Planalto a possibilidade de transferir de volta para o Ministério da Justiça o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Em 2019, ele foi retirado da pasta, então sob o comando do ex-juiz Sergio Moro, para ficar sob o guarda-chuva do Banco Central.
Os políticos temiam que Moro usasse o órgão para uma devassa em suas contas e exigiram, na época, a dispensa de Roberto Leonel, auditor da Receita que havia sido escolhido por Moro para comandar o órgão, que repassa ao Ministério Público transações suspeitas identificadas por bancos.
Agora que o Ministério da Justiça está sob a chefia de Anderson Torres, delegado da PF próximo de Bolsonaro, o presidente cogita deixar o Coaf debaixo de sua supervisão. Ele sempre reclamou da atuação do órgão na investigação sobre o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), seu filho mais velho, no caso das “rachadinhas”.
Foi o Coaf que, em 2018 e 2019, forneceu ao MP do Rio relatórios sobre saques e transferências que apontavam para a suspeita de desvio nos salários de ex-funcionários de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF