A oposição na Câmara dos Deputados voltou a cobrar a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar abusos de autoridade por parte de membros do Supremo Tribunal Federal (STF), após as revelações do Twitter Files Brasil. No entanto, os casos de censura contra parlamentares e influenciadores de direita podem não ser suficientes para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), dar andamento à comissão. Nos bastidores, deputados de oposição avaliam que Lira não pautará a CPI até o fim de seu mandato, em fevereiro de 2025.
O Twitter Files Brasil, revelado pelo jornalista Michael Shellenberger com colaboração da Gazeta do Povo, trouxe a público documentos internos do X (antigo Twitter) que mostraram tentativas de censura por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do Ministério Público e de alguns parlamentares. Além disso, um relatório do Comitê Judiciário da Câmara dos Estados Unidos revelou que aproximadamente 150 perfis foram suspensos das redes sociais por ordens do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF), incluindo parlamentares, jornalistas, formadores de opinião e autoridades, quase todos do campo da direita ou críticos da atual cúpula do Judiciário.
Em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (24), os parlamentares da oposição apontaram que a CPI é o caminho para investigar eventuais decisões dos ministros, em especial de Alexandre de Moraes, que, segundo eles, não se enquadram no ordenamento jurídico.
A cobrança da oposição ocorreu no mesmo dia em que a Advocacia-Geral da União (AGU), comandada por Jorge Messias, indicou que está estudando pedir à Justiça a suspensão ou dissolução da empresa X Brasil, caso se comprove que ela prejudicou investigações que tramitam no STF e no TSE.
"Nós temos que focar os nossos esforços em um passo crucial. Que seja aberta a CPI do abuso de autoridade imediatamente. Esses absurdos precisam vir à luz do dia, precisamos que os sigilos sejam levantados", disse o deputado Gustavo Gayer (PL-GO). Ele também cobrou que o sigilo de justiça sobre o inquérito 4.874/DF, que apura os atos de 8 de janeiro de 2023, seja levantado.
"Sabemos que dificilmente isso acontecerá, porque se forem retirados os sigilos desses inquéritos, o rei ficará nu. Será vergonhoso para o mundo, quando eles perceberem o que estava sendo feito nos bastidores para perseguir pessoas que não concordam com essa ditadura. Mas nós vamos trazer tudo isso na CPI do abuso de autoridade", disse o parlamentar.
Deputados cobram de Lira resposta ao STF, mas andamento de CPI é incerto
A prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ), colocou Lira em uma posição difícil. Por um lado, a Câmara precisava passar um recado para a sociedade de que não seria conivente com o crime. Por outro lado, houve um desconforto entre os parlamentares pela forma como a prisão foi ordenada pelo STF. De acordo com a legislação, um deputado só pode ser preso em flagrante de crime inafiançável. Segundo o entendimento de alguns parlamentares, não foi o caso de Brazão.
A postura da Corte reacendeu a discussão entre os membros da Câmara em pautar medidas que possam pôr freios no Supremo. Uma delas é a CPI do Abuso de Autoridade, protocolada em novembro do ano passado, após obter o apoio de mais de 171 deputados, número mínimo de assinaturas para requisitar a instalação ao presidente da Câmara.
Apesar da pressão, o entendimento no entorno de Lira, bem como da própria oposição, é de que o presidente da Casa não inclua a CPI na lista de comissões que podem ser instaladas.
De acordo com o regimento interno da Câmara, apenas cinco CPIs podem tramitar simultaneamente. No momento, a Casa possui outros sete pedidos de instauração de comissão na fila de aprovação, como CPIs para investigar tráfico infantil, crescimento da violência no Brasil, compra de energia da Venezuela, empresas que vendem passagens promocionais e o aumento do uso de crack no país.
A deputada Bia Kicis (PL-DF), líder da minoria na Câmara, reconhece que a quantidade de pedidos de CPI pode atrapalhar a comissão voltada a investigar abuso de autoridade.
“Pelo regimento, somente cinco CPIs podem tramitar ao mesmo tempo. Dependeria de um acordo para que essa [sobre abuso de autoridade do STF] pudesse ser instalada. Sei que esse acordo parece bastante difícil”, disse a parlamentar.
A leitura nos bastidores é de que Lira irá deixar o pedido de CPI como uma espécie de “carta na manga” contra eventuais investidas do Palácio do Planalto, que não tem interesse nessa investigação. Enquanto a oposição fazia a coletiva no Salão Verde, um deputado oposicionista confidenciou à reportagem que não haveria muito mais a ser feito em relação à CPI.
A resposta não é nova. Sempre que são indagados sobre como irão responder às decisões do ministro Alexandre de Moraes, congressistas de oposição afirmam que qualquer iniciativa em relação ao Supremo está nas mãos de Lira. O mesmo ocorre com o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) que limita as decisões monocráticas de ministros da Corte. A proposta, aprovada no Senado no ano passado, aguarda despacho do deputado alagoano para iniciar a tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
Por outro lado, há parlamentares que acreditam que a CPI ainda pode ser viabilizada. Segundo o deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), a oposição está sendo cautelosa com a articulação da comissão e afirma que há uma conversa com Lira para que o grupo parlamentar tenha andamento.
“É fundamental a instalação de uma CPI para investigar os abusos que estão sendo expostos pelo Twitter Files. Nós, da oposição e da minoria, estamos em contato com o presidente Arthur Lira para viabilizá-la. Queremos agir com celeridade, mas também com responsabilidade para que essa CPI não seja cooptada pelo lado investigado, ou seja, pelo governo Lula”, disse o deputado.
CPI não invade competência dos poderes, diz jurista
Além dos fatores políticos que envolvem a instalação da comissão, os aspectos jurídicos também são debatidos. Na segunda-feira (22), o ministro Gilmar Mendes, do STF, classificou a CPI de “inadmissível” e “inconstitucional”. Mas se for realmente instalada, essa comissão não será a primeira a investigar condutas de magistrados. A CPI do Judiciário, conduzida no Senado em 1999, investigou irregularidades envolvendo a construção de prédios e venda de sentenças por juízes.
Indagado sobre a constitucionalidade da CPI, o advogado Fábio Tavares Sobreira, especialista em direito Constitucional e mestrando pela Fundação Getúlio Vargas, explicou que uma CPI sobre o abuso de autoridade é constitucional, desde que haja uma diferença entre as atribuições do poder Judiciário e eventuais abusos por parte dos ministros.
“Não se admite CPI sobre matérias pertinentes às atribuições do Poder Judiciário. Então, atribuições do Poder Judiciário, é óbvio, não se pode discutir, não se pode investigar, não se pode determinar a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Mas é plenamente possível, em homenagem à separação dos poderes, que o Legislativo fiscalize, investigue, não as atribuições do outro poder, mas sim excessos, abusos e arbitrariedades”, disse o advogado.
Ele disse, ainda, que o poder Judiciário não está acima dos outros poderes e que é passível de investigação. “O Judiciário é superior hierarquicamente aos demais poderes? Evidentemente que não. O único poder superior ao Legislativo, Executivo e Judiciário é o poder Constituinte Originário. Ou seja, é o poder de criar uma nova ordem constitucional. Então, o poder Judiciário, sim, pode ser fiscalizado”, explica.
O argumento também foi compartilhado pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), autor do pedido de CPI. Em sua conta no X, ele destacou que a comissão não irá investigar “decisões” do Supremo.
“Conforme o próprio requerimento que apresentamos, a CPI que propusemos não vai tratar de 'decisões' do Judiciário como dito pela jornalista, mas dos 'abusos de autoridade' tipificados em lei e cometidos por membros do STF e do TSE fartamente documentados”, disse o parlamentar gaúcho.
Manifestação de Bolsonaro impulsionou debate sobre ações do Supremo
A indefinição acerca da CPI, por outro lado, não anula a pressão feita pela manifestação pró-Jair Bolsonaro em Copacabana (RJ), no dia 21 de abril, em relação à conduta de Moraes nos inquéritos que ele relata no STF. Na ocasião, o magistrado foi chamado de "ditador" pelo pastor Silas Malafaia e criticado por apoiadores do ex-mandatário.
Para o cientista político Juan Carlos Arruda, CEO do Ranking dos Políticos, o debate sobre a liberdade de expressão “veio para ficar”, citando a decisão de Arthur Lira de descartar o texto do projeto de lei das Fake News (PL 2630/20, também conhecido como PL da Censura), organizado pelo relator Orlando Silva (PCdoB-SP), para a elaboração de uma nova proposta sobre regulamentação das redes sociais.
Ele também citou que os atos promovidos por Bolsonaro podem ter repercussões para as eleições de 2026. "Se as manifestações, como a de domingo, continuarem a ganhar força, com a liberdade de expressão como sua bandeira principal, é provável que o debate avance e se torne um tema central nas eleições de 2026. Essa tendência sugere que a sociedade está cada vez mais consciente da importância desse direito fundamental e disposta a defendê-lo ativamente".
Na avaliação do cientista político Adriano Cerqueira, docente no Ibmec de Belo Horizonte, o ato no Rio de Janeiro também cria pressão para que Lira paute a CPI na Câmara.
“O Brasil está virando um local de batalha em prol da liberdade de expressão e de opinião. Nesse sentido, com a mudança de cenário, a possibilidade das pautas da oposição avançarem aumentou muito. Acredito que, a pressão continuando, Arthur Lira vai ter que dar andamento a alguma dessas demandas. Vai ficar difícil para Lira bloquear a CPI. Sempre que a oposição fica nítida e forte em algum caminho, o Lira tende a acompanhá-la”, disse Cerqueira.
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