Ricardo Barros, ma época em que era ministro da Saúde de Michel Temer.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Acusado de estar envolvido no suposto caso de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde, o deputado Ricardo Barros (PP-PR) obteve apoio do Palácio do Planalto na segunda-feira (28) para permanecer como líder do governo na Câmara. O prestígio que ele mantém é fruto de sua trajetória política de seis mandatos como parlamentar federal, que o tornou um dos nomes do Centrão mais influentes dentro do Congresso Nacional. E o Centrão, hoje, é o principal bloco partidário de sustentação do governo Bolsonaro no Parlamento.

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Como deputado, Barros costuma transitar com desenvoltura em qualquer governo – seja de esquerda, direita ou centro. E também já ocupou por diversas vezes funções de liderança do governo no Parlamento – cargos nos quais atua como intermediário dos interesses do Planalto no Legislativo e vice-versa, o que lhe garantiu influência em ambos os poderes.

Com esse perfil, o deputado do Paraná construiu uma base de parlamentares aliados. Segundo seus interlocutores, Ricardo Barros teria hoje um grupo formado por cerca de 100 deputados dentro da Casa – um quinto da Câmara, que tem 513 parlamentares.

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O poder de Ricardo Barros na Câmara começou a ser construído ainda na década de 1990. Entre os anos de 1999 e 2001, Ricardo Barros atuou na vice-liderança do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) na Câmara. Em 2002, foi líder da gestão FHC no Congresso. Neste mesmo ano, seu partido apoiou José Serra (PSDB) na eleição presidencial, vencida por Lula (PT).

Entretanto, o PP acabou aderindo ao governo de Lula, iniciado em 2003. Nos dois governos do petista, Ricardo Barros ocupou cargos de direção no partido e de liderança de Lula no Legislativo – foi vice-líder do PP na Câmara, vice-presidente nacional do partido e vice-líder do governo no Congresso.

Durante o governo de Dilma Rousseff (PT), o PP também chegou a integrar a base aliada. Mas Ricardo Barros acabou levando sua legenda para oposição; e votou pelo impeachment da petista, em 2016.

Com a chegada de Michel Temer à Presidência, o deputado foi nomeado ministro da Saúde – justamente a área na qual hoje ele se vê em meio às suspeitas do caso Covaxin. Barros comandou a pasta de 2016 a 2018.

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Como Ricardo Barros chegou à liderança do governo Bolsonaro

Ricardo Barros não começou a gestão de Bolsonaro como líder do governo na Câmara. Só foi indicado ao cargo em agosto de 2020, depois que o presidente se aproximou dos partidos do Centrão para construir uma base mais sólida para o governo dentro do Congresso.

Barros substituiu o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), aliado bolsonarista que ocupava a liderança desde o começo do governo, em 2019.

A articulação do Planalto com o Congresso, até então, era vista como ineficiente. Bolsonaro havia escolhido, para ocupar postos-chave no Legislativo, parlamentares de primeiro mandato, sem experiência – caso de Vitor Hugo.

Barros, ao contrário desses ex-líderes do governo Bolsonaro, tem larga experiência no Parlamento. E é visto dentro da Câmara como um hábil negociador. Por isso, a missão de Barros dada por Bolsonaro era ampliar a base governista para que pautas de interesse do Palácio do Planalto avançassem na Casa.

Sua indicação para posto ocorreu depois de uma articulação feita pelo então líder do Centrão, deputado Arthur Lira (PP-AL), que mais tarde se tornou presidente da Câmara com apoio de Bolsonaro.

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A ampliação da base, contudo, teria tido como contrapartida indicações do Centrão para cargos no governo. E, logo que chegou à liderança do governo na Câmara, o próprio Barros teria passado a indicar aliados para postos estratégicos na Esplanada dos Ministérios e em outros órgãos do governo federal.

Uma das primeiras indicações de Barros teria sido a do advogado Tiago Pontes Queiroz como secretário nacional de Mobilidade do Ministério do Desenvolvimento Regional.

Há cerca de dois meses, a esposa de Ricardo Barros, a ex-governadora do Paraná e ex-deputada Cida Borghetti, foi nomeada pelo presidente Bolsonaro para o cargo de conselheira de administração de Itaipu. A remuneração para a função na hidrelétrica é de R$ 27 mil por mês.

A nomeação de Cida Borghetti ocorreu depois da conversa entre o deputado Luís Miranda (DEM-DF) e Bolsonaro na qual o parlamentar diz ter alertado sobre o caso Covaxin – e na qual o próprio presidente teria citado Barros como responsável pela suposta pressão política para comprar a Covaxin.

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Os supostos indicados de Ricardo Barros no Ministério da Saúde

No Ministério da Saúde, alvo das suspeitas do caso Covaxin, Barros teria conseguido colocar o advogado Roberto Ferreira Dias na chefia do Departamento de Logística (DLOG), antes mesmo de se tornar líder do governo. O departamento é responsável pela importação de medicamentos e vacinas; e apenas em compras destinadas ao combate à Covid-19 já fechou contratos de R$ 15,7 bilhões.

Segundo reportagem do jornal O Globo, Dias se tornou o chefe do DLOG depois de uma articulação feita por Barros ainda na gestão de Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde. Mas o deputado alega que, quando Dias chegou ao posto, ele ainda não integrava a base do governo. “Eu não estava alinhado no início do governo”, disse Barros ao jornal O Globo.

Durante o depoimento do deputado Luís Miranda na CPI da Covid, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que a servidora Regina Célia Silva Oliveira, do Ministério da Saúde, também seria ligada a Barros dentro do Ministério da Saúde. Regina teria sido a responsável por assinar a guia de autorização de importação da Covaxin, apesar dos problemas que havia no contrato de compra do imunizante.

Ricardo Barros também negou que tenha ligação com a servidora. “Dos temas levantados até o momento, já posso esclarecer que, no caso da servidora Regina Célia reafirmo que não é minha a indicação para cargo. Deve ser observado que ela é uma servidora concursada desde 1995, não podendo haver escolha ou não de sua participação na rotina do ministério da Saúde. Ocupou mais de 5 cargos de livre nomeação em 4 gestões presidenciais anteriores ou ao longo do período de seis ministros da Saúde ao longo de sua carreira”, afirmou o líder do governo em nota.

Sobre as acusações de que estaria envolvido no suposto esquema de corrupção no caso Covaxin, Ricardo Barros também negou as acusações. Nas redes sociais, afirmou que não participou "de nenhuma negociação em relação à compra das vacinas Covaxin” e que não seria o parlamentar citado por Bolsonaro na reunião com o deputado Luis Miranda. "Não sou esse parlamentar citado. A investigação provará isso. Não tenho relação com esse fatos", disse Barros.

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Por que o governo manteve Ricardo Barros como líder do governo

Apesar de ter sido mantido na liderança do governo na segunda-feira (29), Ricardo Barros não estaria nos melhores momentos de sua relação com o atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que foi quem costurou a sua indicação para o cargo.

Segundo integrantes do Centrão ouvidos pela Gazeta do Povo, a relação dos dois estaria estremecida há pelo menos três meses. De acordo com esses parlamentares, Lira não estaria satisfeito com a atuação de Barros à frente da liderança do governo.

Na semana passada, o presidente da Câmara afirmou que ele próprio incentivou o deputado Luís Miranda falar publicamente sobre o caso Covaxin. Segundo aliados de Lira, ele já sabia que o nome de Ricardo Barros teria sido mencionado no encontro com Bolsonaro. “O Lira pode ter feito uma jogada contra o líder do governo. A relação deles não anda muito boa”, alegou um deputado do Centrão.

Mesmo com os atritos dentro do Centrão, assessores palacianos avaliam que Bolsonaro não vai “rifar” Ricardo Barros da liderança do governo neste primeiro momento. A cúpula do Executivo pretende analisar os próximos passos da CPI contra Barros.

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Na avaliação desse grupo, a ruptura com Barros neste momento poderia provocar um racha na base governista dentro do Congresso. E, para o Palácio do Planalto, os senadores da CPI da Covid podem não conseguir concretizar uma ligação entre o líder do governo e as suspeitas de corrupção.

Como ministro, deputado fechou contrato suspeito com sócio de empresa do caso Covaxin

Em 2019, o Ministério Público Federal (MPF) moveu ação contra Ricardo Barros por causa de um contrato de cerca de R$ 20 milhões fechado na gestão dele no Ministério da Saúde. O negócio era para a aquisição de medicamentos de alto custo que não foram entregues porque a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) barrou a importação.

A empresa fornecedora era a Global Gestão em Saúde, que é sócia da Precisa Medicamentos. A Precisa, por sua vez, representa o laboratório indiano Bharat Biotech, fabricante da Covaxin, no Brasil. Ambas têm como sócio o empresário Francisco Maximiano, alvo da CPI.

Em nota, Ricardo Barros justificou que um caso não tem relação com o outro. “Na minha gestão no Ministério, promovi uma economia superior a R$ 5 bilhões ao sistema de saúde que pode ser reinvestida, implementando novos sistemas de compra. São processos que afrontaram grandes interesses, mas promoveram mais serviços à população. Embora a Global seja sócia da Precisa Medicamentos, em análise pela CPI, esse processo em nada se relaciona com a aquisição de vacinas da Covaxin. Não participei de qualquer negociação para a compra desse produto [a vacina indiana]”, afirmou Barros.

Apesar disso, Barros apresentou emenda, durante a tramitação da medida provisória que previa facilitar a compra de vacinas, que abriu caminho para que a Anvisa autorizasse a importação de imunizantes aprovados pela agência sanitária da Índia. A mudança no texto acabou beneficiando as negociações para compra da Covaxin.

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“Isso [mudança no texto] se justifica pelo fato de Índia ser uma das maiores produtoras de insumos de medicamentos e vacinas no mundo", justificou Barros na apresentação da emenda.

Além de Barros, outros sete parlamentares apresentaram emendas com o mesmo teor durante a tramitação da MP no Congresso. Entre eles o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz, e também do deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE), que é irmão do senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI.

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