O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pode estar sobrevivendo ao inverno amazônico. Ao menos, é o que dizem lideranças na Câmara de partidos que compõem o chamado Centrão. Mesmo depois de o presidente Jair Bolsonaro ter feito uma recente reforma ministerial, outros ministérios seguem na cobiça das forças políticas no Congresso. O Meio Ambiente é um deles.
A pressão sobre Salles ainda está morna devido ao atual período do ano. No chamado inverno amazônico, período que vai de dezembro até maio, chove muito na região amazônica. Então, a produção agropecuária e muitas atividades nas propriedades rurais são suspensas. É um momento em que dá para produzir pouca coisa.
É no período da estiagem, que decorre do chamado verão amazônico, de junho — sobretudo julho — adiante, que produtores e indígenas se concentram para enleirar o mato, fazer a limpeza de pasto, manutenção de fazendas e abertura de áreas rurais. Por questões tradicionais ou falta de tratores para fazer a agricultura mecanizada, é habitual o uso de fogo para que a queima ajude o processo de plantio.
A queimada em determinadas áreas é uma técnica tradicional para fortificar o solo, segundo alegam diferentes fontes ouvidas pela Gazeta do Povo. É evidente que atividades ilegais, como desmatamentos, contribuem ou são as origens de focos de incêndio na Floresta Amazônica. De toda forma, intencionais ou não, é nesse período de queimadas do verão amazônico que a pressão sobre Salles subirá.
"O Salles está sobrevivendo bem ao inverno amazônico. Quando o verão amazônico chegar, veremos", sustenta uma liderança política da Câmara. "Por ora, o Salles está em 'banho maria'. Quando chegar o período das queimadas, com o governo voltando a sofrer uma enxurrada de críticas, ainda mais durante a pandemia, aí, sim, veremos uma pressão sobre o Salles como a que sofreu o Ernesto [Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores]", diz outro parlamentar.
Salles se articula e defende a legalidade de atividades na Amazônia
Ciente da pressão, Salles atua nos bastidores para permanecer no cargo. Interlocutores do Palácio do Planalto dizem que ele "vem lutando para ficar" com as tradicionais defesas do desenvolvimento sustentável, ou seja, desenvolvimento econômico com preservação ambiental. "Ele vem se posicionando para tentar ficar", diz um assessor.
O ministro entende que a legalidade de atividades na Amazônia pode conter atividades ilegais que provocam e intensificam as queimadas. Por esse motivo, Salles tem defendido, recentemente, proprietários de madeira investigados pela Polícia Federal. Há investigações em curso sobre a apreensão de madeira ilegal.
"O setor, se for demonizado e criminalizado indevidamente, vai colocar muitas pessoas em situação de fragilidade econômica ainda maior, só vai contribuir para aumentar o desmatamento ilegal na região", afirmou o ministro em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.
Na quinta-feira (15), um novo fato político ajudou a blindar Salles. A direção da Polícia Federal (PF) decidiu substituir o superintendente da corporação no Amazonas, delegado Alexandre Saraiva, que havia enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido de investigação contra o ministro. Saraiva apontou que Salles atuou para obstruir a investigação de apreensão de madeira ilegal.
A pressão do Centrão sobre Salles pode ter, inclusive, ganhado um "reforço" de peso, ainda que indiretamente. O procurador Lucas Rocha Furtado, do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), pediu à corte que determine à Casa Civil de Bolsonaro o afastamento cautelar do ministro, informa o jornal O Globo nesta sexta-feira (16). A representação é baseada na notícia-crime enviada pela PF ao STF.
Com aval do governo, aliados preparam blindagem no Congresso
Antes mesmo de a PF mudar o comando da superintendência, Bolsonaro determinou à articulação política do governo a blindagem do ministro por meio do fortalecimento das políticas ambientais. O Executivo e a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, dialogam a inserção de pautas no colegiado.
Aliada do governo, Zambelli afirma à Gazeta do Povo que está mapeando todos os projetos de interesse do governo para serem pautados. O Projeto de Lei (PL) 4689/2019, de autoria do deputado Zé Vitor (PL-MG), que versa sobre o fortalecimento do monitoramento e controle das autorizações de desmatamento de vegetação nativa, é um exemplo citado.
A proposta, explica Zambelli, visa fortalecer o sistema de coordenação, monitoramento e efetivo controle das autorizações de desmatamento de vegetação nativa em todas as propriedades e posses rurais do país, de acordo com os percentuais permitidos em Lei. "Deste modo, é possível criar um mecanismo que permitirá, de forma imediata, identificar desmatamentos ilegais", sustenta.
O PL 572/2020, do deputado Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM), é outro exemplificado pela parlamentar. O texto dispõe sobre o sistema nacional de redução de emissões por desmatamento e degradação, conservação, manejo florestal sustentável, manutenção e aumento dos estoques de carbono florestal, o REDD+.
Para o enfrentamento aos incêndios florestais, Zambelli menciona o PL 4629/2020, do senador Carlos Fávaro (PSD-MT). A presidente do colegiado afirma que a matéria entrará em pauta nos próximos dias. "É um texto que permitirá que o poder público possa contratar a frota de aeronaves da aviação agrícola no combate aos incêndios", explica.
O Brasil tem a segunda maior frota de aeronaves que fica ociosa no período de seca, que corresponde ao período de entressafra, justifica Zambelli. "São mais de 2,3 mil aeronaves extremamente eficazes no combate aos incêndios florestais", defende a parlamentar.
O aluguel das aeronaves possibilitaria o lançamento de água e de retardantes de fogo com agilidade, precisão e segurança, acrescenta Zambelli. "A um custo módico quando se compara a contratação temporária da frota aeroagrícola com a aquisição de aeronaves pelo poder público", diz.
Regularização fundiária volta ao debate como opção contra queimadas
Outra pauta que deve ganhar destaque no debate nas duas Casas é o da regularização fundiária das terras da União. A maioria das terras na Amazônia são da União e dos estados. Carla Zambelli acredita que colocar em pauta este debate é uma responsabilidade do Congresso na colaboração do combate ao desmatamento e às queimadas.
"Entendemos que a regularização fundiária é um tópico fundamental para isso, uma vez que, quando as terras têm oficialmente o seu dono, este passa a cuidar mais para evitar as queimadas e colabora no combate ao desmatamento ilegal", avalia a deputada.
O deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA), vice-líder do governo na Câmara, defende a pauta e afirma que há articulação do Executivo em curso para se costurar a regularização fundiária com propostas em tramitação no Senado, o PL 510/2021, e na Câmara, o PL 2633/2020.
A redação da regularização fundiária da Câmara está "praticamente pronta", afirma Passarinho. "Esbarra no tamanho da regularização dos módulos fiscais", explica. O módulo fiscal é uma medida de área que trata da extensão mínima de terra considerada comercialmente viável em determinada área do Brasil.
Hoje, pode-se regularizar até quatro módulos fiscais na região amazônica, o que, para Passarinho, "não é nada". "Se eu posso regularizar quatro módulos significa que, para produção, regularizo menos de um. Pela regra 80/20 na Amazônia, 80% tem que estar preservado e fica 20% para produção", explica o deputado.
O vice-líder do governo avalia que o Executivo não tem condições para preservar e manter a fiscalização em todas a área em posse da União atualmente e, portanto, defende uma ampliação dos módulos fiscais para aumentar a área de produção. Para ele, a regularização fundiária pode diminuir o desmatamento ilegal e as queimadas.
"O produtor, quando tem o título dele, vai trabalhar na legalidade preocupado com a terra que tem. Por quê? Porque é o patrimônio que ele tem para deixar à sua família. Quando ele não tem patrimônio, faz a [produção] de qualquer maneira, porque não tem responsabilidade", comenta.
O deputado concorda, contudo, que uma ampliação dos módulos não é um assunto simples. "Pessoas não querem que cresça muito porque acham que pode regularizar grileiros de terra", explica, sem negar a grilagem na Amazônia. "No Pará mesmo tem invasão, [tem área que] deve ter sido grilada lá atrás, só que o cara, quando comprou, comprou de boa fé. Tem que resolver", comenta.
Regularização fundiária não tem foco apenas na Amazônia, diz senador
Dos dois projetos de regularização fundiária, o PL 510/21, baseado em uma Medida Provisória (MP) editada ao fim de 2019 pelo governo federal, que perdeu a validade por ter caducado, é o texto que melhor atende a Amazônia, diz o deputado Joaquim Passarinho.
O texto do Senado permite, por exemplo, a admissão do uso da tecnologia a serviço da regularização. A redação permite o uso de imagens de satélite para fins de vistoria. Hoje, esse procedimento é feito presencialmente.
A ideia, explica o vice-líder do governo, é pegar o PL 2633/20 e o PL 510/21 e trabalhar um meio termo entre ambos para votá-los o mais rápido possível. O senador Irajá (PSD-TO), autor do texto do PL 510, ressalta, contudo, que a redação é ampla, prevendo a regularização fundiária em terras da União, não apenas na região amazônica.
"O meu projeto foi apresentado pensando nas pessoas de boa-fé, nas milhares de famílias de produtores que aceitaram o desafio proposto pelo governo de ocupar áreas não povoadas a partir da década de 1970 e até hoje, passados mais de 50 anos, não receberam os títulos de suas propriedades", explica o senador à Gazeta do Povo.
O senador comenta que muitos morreram sem ver o "sonho realizado" e, por isso, defende que a regularização fundiária é uma "dívida social" que o Estado precisa "reparar". "Estamos propondo uma legislação moderna sem prejudicar o poder dos órgãos de fiscalização e controle", afirma.
O Ministério Público e o Judiciário, continua Irajá, possuem instrumentos para identificar e punir práticas criminosas. "O que não podemos é deixar de propor um novo marco regulatório por temer que ele será violado por bandidos. Para eles, existe o Código Penal", afirma.
O PL 510/21 terá prioridade no Congresso e será pautado "logo". Foi o que disse Irajá em 25 de março, em audiência na Comissão de Agricultura do Senado para tratar sobre o projeto, aos demais senadores e à ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Segundo ele, a prioridade foi garantida pelos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Governo também quer desenvolvimento social para a Amazônia
Além das pautas que podem fortalecer especificamente as políticas públicas de Salles sobre a Amazônia, o governo e a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara pensa em levar desenvolvimento social às pessoas que vivem nas comunidades locais.
Muitas vezes, por não terem opções de trabalho e crescimento, brasileiros que vivem nessas comunidades utilizam do desmate ilegal para sobreviver, afirma Zambelli. "Então, é preciso levar qualidade de vida, educação, saneamento, enfim, desenvolvimento de verdade", diz.
Para o ambiente urbano, ela defende o combate aos lixões e, por isso, promete apoiar os programas do Ministério do Meio Ambiente de combate ao lixão nas cidades e no mar. "O Programa Floresta + e o Adote um Parque também são caminhos para cuidarmos da natureza e arborizar os espaços", destaca.
Vice-líder do governo, o deputado Capitão Alberto Neto endossa o discurso de Zambelli. "É fácil virem com discursos hipócritas de ambientalistas com o nosso povo na miséria. Ninguém quer 'calçar o sapato' de quem mora no Norte, que passa dificuldades da falta de infraestrutura, estrutura de energia, saneamento básico, escola para o filho e geração de emprego", desabafa.
O deputado Joaquim Passarinho vai na mesma linha. "Não somos devastadores, mas temos que entender que, na Amazônia, há 26 milhões de brasileiros. Precisam de saúde pública, saneamento básico. Não temos nem 3% de tratamento de resíduos sólidos", diz. "Também não temos internet, só nas grandes cidades, e olha lá. Hoje, não é mais um artigo de luxo, é necessidade", emenda.
Aliados minimizam pressão e defendem continuidade de Salles
Como presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, a deputada Carla Zambelli analisa a fritura sobre o ministro Ricardo Salles de forma pragmática. "Acredito que a pressão faz parte do jogo político", afirma. Porém, ela defende que Salles tem motivos para permanecer.
"Se o ministério estiver fazendo a sua parte — e de fato está —, terá justificativas suficientes para defender a continuidade da atual gestão", sustenta. "Há propostas, há planos e é preciso que o Congresso dê apoio naquilo que lhe for de competência para ajudar não ao ministro, não ao governo federal, mas ao meio ambiente brasileiro", diz Zambelli.
A deputada defende que os aliados do governo atue para mostrar as ações do Ministério do Meio Ambiente. "E nosso mandato tem buscado fazer isso. O ministro Ricardo Salles é muito inteligente e capaz de executar as propostas de melhoria das questões ambientais", destaca.
O deputado Capitão Alberto Neto acha que Bolsonaro não o demitirá. "Ele tem um discurso muito afinado com as ideias da plataforma política do presidente", comenta. "Agora, lógico, se tiver um outro nome que mantenha esse discurso, [o presidente] é o treinador, ele que escala o time", pondera.
O parlamentar demonstra, entretanto, que está satisfeito com a gestão de Salles. "O ministro tem meu apoio e da bancada do Norte, tem realizado grande trabalho", defende. "E acredito que o presidente também esteja satisfeito", diz.
O deputado Joaquim Passarinho minimiza as pressões sobre Salles e confia na permanência do ministro. "Se as queimadas da Amazônia derrubarem ministro, vai cair todo ano um. Isso todo ano tem, não é por isso que o ministro vai cair", avalia.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF