Ouça este conteúdo
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pediu demissão nesta quarta-feira (23), um dia depois de ser elogiado publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro durante o lançamento do Plano Safra 2021/2022. Salles ocupava o cargo desde o primeiro dia do governo Bolsonaro. A exoneração a pedido já foi publicada no Diário Oficial da União. Ele será substituído pelo secretário da Amazônia e Serviços Ambientais, Joaquim Álvaro Pereira Leite.
Em pronunciamento à imprensa, o agora ex-ministro justificou o pedido de demissão assim: "entendo que o Brasil ao longo desse ano e no ano que vem, na inserção internacional e também na agenda nacional, precisa ter uma união muito forte de interesses, anseios e esforços. E para que isso se faça da maneira mais serena possível, eu apresentei ao senhor presidente meu pedido de exoneração, que foi atendido".
Salles estava sob pressão desde o mês passado. Ele é alvo de duas investigações no Supremo Tribunal Federal (STF) por supostamente beneficiar madeireiros em um esquema de tráfico internacional de madeiras e também acusado de atrapalhar as investigações da Polícia Federal. O então ministro do Meio Ambiente, o diretor do Ibama e assessores próximos foram alvos da Operação Akuanduba da PF, que apurou a suspeita de facilitação ao contrabando de madeira, especialmente da Amazônia. A ação foi autorizada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.
Um relatório de inteligência financeira anexado ao inquérito da PF indicou "movimentação extremamente atípica" envolvendo o escritório de advocacia que tem como sócio o ministro do Meio Ambiente. Diante disso, Moraes decretou a quebra dos sigilos fiscal e bancário de Ricardo Salles.
O ministro já havia sido alvo de um notícia-crime no STF feita pelo delegado da PF Alexandre Saraiva, ex-superintendente da corporação no Amazonas, por supostamente ter dificultado a fiscalização ambiental na Amazônia.
O delegado apontou que Salles teria uma parceria com o setor madeireiro "no intento de causar obstáculos à investigação de crimes ambientais e de buscar patrocínio de interesses privados e ilegítimos perante a Administração Pública". Saraiva foi afastado do comando da Superintendência da PF no Amazonas após bater de frente com o ministro.
Da posse à demissão, como foi a gestão de Ricardo Salles
Em dois anos e meio de gestão, o trabalho do ministro foi marcado por uma série de decisões que, na ótica de apoiadores do governo, colaboraram para a redução da burocracia e encorajaram o setor produtivo nacional a atuar sem receio da "indústria da multa".
Para críticos do governo federal e ambientalistas, entretanto, as medidas tomadas por Salles levaram à diminuição dos mecanismos de fiscalização do desmatamento, estimulado o "vale-tudo" na área ambiental e criado efeitos irreversíveis ao meio ambiente.
Próximo do setor ruralista e avesso aos ambientalistas, Salles ficou marcado pela declaração em uma reunião ministerial, no ano passado, quando afirmou que o governo deveria aproveitar o momento para "ir passando a boiada" e flexibilizar a legislação ambiental.
Na gestão de Salles no Meio Ambiente, a taxa de desmatamento na Amazônia aumentou 48,3% em relação ao biênio anterior, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o que só fez a pressão internacional sobre a política ambiental brasileira crescer. Segundo o jornal O Globo, o bioma perdeu 10.851 km² de florestas somente no ano passado, maior índice desde 2008.
Já nos primeiros meses à frente do ministério, Ricardo Salles acabou com o principal programa de proteção ao meio ambiente que existia no país, o Fundo Amazônia, abastecido com recursos a fundo perdido de países como Noruega e Alemanha. O ministro discordava da gestão dos recursos e queria dar outra finalidade ao dinheiro que não a preservação da floresta. Os países europeus, claro, não concordaram com a ideia e os repasses foram suspensos. O Fundo Amazônia tem cerca de R$ 3 bilhões congelados desde 2019.