Com a bênção do presidente Jair Bolsonaro, a Embratur (Instituto Brasileiro de Turismo) escolheu o biólogo e apresentador de tevê, Richard Rasmussen, 49 anos, como "embaixador do ecoturismo brasileiro". Indicado para promover a imagem do país no exterior como destino de turismo sustentável, "Richard, o aventureiro", como é conhecido, tem um currículo controverso, que parece contrastar com o objetivo da campanha.
Rasmussen acumula infrações e multas por crimes ambientais. Em 2015, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) condenou o biólogo ao pagamento de multas que acumulam R$ 393 mil por dano ambiental acrescidos de juros moratórios de 0,5% ao mês, entre outras sanções. Rasmussen foi condenado por manter o criadouro “Toca da Tartaruga”, em Carapicuíba, na região metropolitana de São Paulo, que foi fechado em 2005 pelo Ibama.
Após várias vistorias no local, o Ibama apontou em seus relatórios várias irregularidades: presença de “aves e répteis sem origem conhecida”, “falta de comprovação da origem de oito flamingos e de todas as aquisições referentes às entradas dos animais”, a fuga de 96 aves causada pelas fortes chuvas, e a presença de 485 espécies sem marcação. Segundo a Folha de S. Paulo, o apresentador foi autuado pelo Ibama em oito infrações ligadas à fauna, entre 2002 e 2009.
A lista de infrações redigida pelo Ibama foi se alongando durante as vistorias. Em uma das visitas ao criadouro, a entidade constatou a falta de 220 animais, alguns ameaçados de extinção, que constavam numa vistoria anterior. Rasmussen se defendeu na época afirmando que vários pássaros tinham sido devorados por roedores. Além da falta de cuidado com os animais, o biólogo mantinha em cativeiro espécies brasileiras e exóticas sem a devida permissão.
Em 2003, o Ibama constatou também maus tratos. “Várias espécies compartilhavam o mesmo recinto, inadequadamente, com oferta de alimentos e água também inadequada” e “não havia metodologia de medicina veterinária preventiva”. Em janeiro de 2004, mais uma vistoria apontou “que faltavam diversos animais que constavam da fiscalização anterior, existindo outros que não constavam, vários micos-estrela estavam mortos na sala de atendimento veterinário e um morto no recinto, cães circulavam livremente no recinto de diversas aves e saguis, filhotes de onça eram mantidos em canil, entre outras irregularidades”, diz o relatório.
A reportagem tentou contato com o apresentador de tevê, mas não recebeu resposta até o fechamento da reportagem.
"Título é simbólico", diz Richard Rasmussen
Ao ser anunciado como embaixador do ecoturismo, Rasmussen disponibilizou à Embratur todo o seu material de imagens sobre o Brasil para promoção turística internacional. “O plano da Embratur é justamente mostrar para o turista estrangeiro, especialmente, que saia daquele eixo vicioso do turismo brasileiro, mostrar que existe um Brasil continental”, explica o biólogo no vídeo da campanha.
Rasmussen não será retribuído pela atividade promocional, conforme informado pela Embratur à Gazeta do Povo. “O título é simbólico, honorário” e “será totalmente voluntário, sem custo para a Embratur”, informa o instituto. O tempo de duração da colaboração não foi definido, “pois o projeto ainda está em andamento”, diz a nota.
Carreira na tevê
Nascido em São Paulo, em 1970, e criado em um sítio em São Roque, no interior paulista, Rasmussen se formou em Economia na USP (Universidade de São Paulo) e fez mestrado no Canadá, de acordo com sua biografia. Começou a se apaixonar pela natureza aos 12 anos nas viagens com seu avô ao Pantanal e Amazônia.
Antes de virar estrela da tevê, o economista trabalhou por dez anos como auditor e, paralelamente, diz ter construído “um criadouro conservacionista que abrigou diversos animais vindos da polícia ambiental, do comércio ilegal e de resgate de fauna”. O criadouro virou alvo de fiscalização do Ibama e custou a Rasmussen multas salgadas. Nesse local, o apresentador afirma ter aprendido na prática o que apresenta nos programas.
A carreira televisiva do "Indiana Jones brasileiro" começou em 2005 na TV Futura onde ele apresentou um programa sobre animais voltado às crianças. No mesmo ano iniciou a gravar o quadro Selvagem ao Extremo na TV Record e, em 2009, assinou contrato com a SBT para um programa semanal, o Aventura Selvagem. Teve passagem também pela TV Bandeirantes. Rasmussen já gravou programas também para o canal National Geographic.
Seus programas foram alvo de críticas por parte de biólogos e especialistas que viam nas imagens perturbação aos animais e até maus tratos. Após estrear na televisão, o economista recebeu críticas por não ter formação na área de biologia e resolveu fazer o curso. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, ele se formou biólogo em 2008, após sete anos de curso, pela Universidade Ibirapuera (Unib).
Em maio desse ano, Rasmussen foi contratado também para o programa Aventuras de Richard no Paraná, na TV Paraná Turismo. O programa faz parte de uma reformulação total do canal que passou a focar no turismo local.
A polêmica do boto-cor-de-rosa
Um dos momentos mais controversos da carreira do apresentador ocorreu em 2017, após a divulgação do filme A River Below, de Mark Grieco, em que pescadores da Amazônia relataram ter sido pagos com alimentação e combustível por Rasmussen com a finalidade de gravar a caça de botos-cor-de-rosa. O animal é eventualmente usado por comunidades ribeirinhas como isca para a pesca da piracatinga, atividade que sustenta muitas famílias. As polêmicas imagens foram ao ar em 2014 no Fantástico.
No documentário, Rasmussen nega as acusações dos pescadores. "Eu estava lá. Não fiz nada. Filmei o boto sendo morto e não ganhei nada com isso. Não usei em nenhum documentário e abri mão de todos os direitos de imagem. Entreguei as imagens ao mundo para que o mundo visse o que acontece ali", declarou Rasmussen em um trecho do filme. O documentarista Mark Grieco defendeu o biólogo brasileiro e negou “a alegação de que meu documentário acusa Richard Rasmussen de pagar para matar, ou de matar um golfinho”, disse na época à revista Veja.
Em suas redes sociais, o apresentador de tevê defendeu a sua atuação: "Isso fez com que a opinião pública, horrorizada, pudesse pressionar governantes e nações a mudar suas políticas de conservação. As pessoas se importam apenas com o que conhecem. Mas como conseguir uma imagem dessas", questionou.
Após a veiculação da reportagem em 2014, a pesca da piracatinga foi restrita na região amazônica por cinco anos pelo Ministério da Pesca e Aquicultura e pelo Ministério do Meio Ambiente e continua proibida.