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CPI do MST foi encerrada sem aprovação de relatório final
CPI do MST foi encerrada sem aprovação de relatório de Ricardo Salles, mas gerou desgaste ao governo.| Foto:

Com o fim da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o alerta sobre a possibilidade de novas invasões se reacende. A insatisfação de líderes do movimento, expressada especialmente pelo coordenador nacional, João Paulo Rodrigues, demonstra que, apesar dos cargos no governo e do apoio que receberam durante a CPI, o MST quer mais. Deputados de oposição reforçam o temor com supostas denúncias de novas invasões sendo programadas.

Apesar de dizer que não há previsão de invasões, o líder do MST disse que a preocupação existe. "Minha preocupação é que em algum momento as famílias comecem a fazer uma reclamação nacional, indo para a estrada, parando rodovias, por exemplo. Não está prevista no momento uma jornada de ocupações, mas já há uma reclamação de que precisaremos de cinco mandatos do Lula para concluir o processo de reforma agrária", afirmou Rodrigues.

A preocupação da bancada do agronegócio é reforçada por recentes medidas como a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a possibilidade de desapropriação de terras produtivas. Na decisão, os ministros declararam que são constitucionais os dispositivos da Lei da Reforma Agrária que permitem a desapropriação de terras que não estejam "cumprindo a sua função social" – aproveitamento racional e adequado, uso adequado dos recursos naturais, cumprimento da legislação trabalhista e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.

Para o deputado Valmir Assunção (PT-BA), militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a decisão foi um “avanço”. “Se a área não cumpre a função social, o poder público pode e deve realizar a desapropriação para a reforma agrária. Quando o poder público não cumpre seu papel, os movimentos sociais denunciam por meio das ocupações, jogam luz ao descumprimento da função social da terra", comentou Assunção, em matéria publicada em seu site oficial.

No intuito de coibir as possíveis invasões, o presidente da CPI do MST, deputado Luciano Zucco (Republicanos-RS), disse que pretende se empenhar em conversas com o presidente Arthur Lira (PP-AL) para garantir uma “semana invasão zero” de votações na Câmara dos Deputados. Sem a aprovação do relatório final da CPI do MST, os projetos elencados no relatório não ganham a preferência regimental para votação, mas podem seguir sua tramitação, independentemente do resultado. Deputados podem ainda apresentar requerimentos de urgência para votação de seus projetos diretamente no plenário.

Pacote de projetos de lei pode ser votado em “Semana Invasão Zero” 

Os membros da oposição da CPI do MST reuniram sete projetos de lei que foram apresentados como a pauta prioritária contra as invasões de terras. De acordo com o deputado Zucco, a ideia do “Pacote Invasão Zero” foi bem recebida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

A ideia agora é conseguir colocá-los em votação durante uma semana, que já está sendo chamada de “Semana Invasão Zero”. Zucco afirmou que ainda não há data prevista, mas que deve conversar com o presidente da Câmara nos próximos dias. O grupo de deputados da oposição pretende se manter articulado também por meio da futura Frente Parlamentar da Invasão Zero, que ainda está coletando assinaturas.

O chamado “Pacote Invasão Zero” também têm o apoio da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Para o presidente da FPA, Pedro Lupion (PP-PR), houve uma relativização do direito em todas as instâncias do atual governo e do judiciário, que precisa ser coibida com a ação do Congresso. “Estaremos em uníssono trabalhando por essa questão. Iremos até as últimas consequências pelo direito de propriedade no Brasil”, afirmou Lupion em publicação nas suas redes sociais.

Dentre os projetos do pacote, o mais antigo já tramita há 20 anos na Câmara dos Deputados e pretende classificar como terrorismo atos violentos contra propriedades públicas e privadas. Em sua justificativa, o autor do projeto de lei, deputado Alberto Fraga (PL-DF), diz que uma das intenções é “colocar a nossa legislação penal no mesmo nível dos países mais desenvolvidos”. Veja a lista das propostas:

  • PL 938/2023 - Tem como objetivo punir com mais rigor as invasões a propriedades privadas e produtivas. Autor: Deputado federal Evair de Melo (PP-ES).
  • PL 1373/2023 - Impede que invasores de propriedades rurais sejam beneficiários de Programas relacionados à Reforma Agrária, regularização fundiária ou linhas de crédito voltadas ao setor. Autor: Deputado federal Lázaro Botelho (PP-TO).
  • PL 1052/2023 - Penaliza invasões de terras com suspensão ou impedimento de acesso à Programas de Reforma Agrária. Autora: Deputada federal Coronel Fernanda (PL-MT).
  • PL 1198/2023 - Aumenta a pena de esbulho possessório, isto é, a ocupação de um determinado bem, através de violência, clandestinidade ou precariedade para até oito anos de detenção. Autor: Deputado federal Coronel Chrisóstomo (PL-RO).
  • PL 895/2023 - Propõe a perda de benefícios de programas sociais a quem invade. Autor: Deputado federal Coronel Zucco (Republicanos-RS).
  • PL 149/03 - Classifica como terrorismo atos violentos contra propriedades públicas e privadas. Autor: Deputado federal Alberto Fraga (PL-DF).
  • PL 8262/2017 - Permite a ação da polícia sem a necessidade de ordem judicial para retomada de propriedades invadidas. Autor: Deputado federal André Amaral (MDB-PB)

Relatório de Salles tem 120 páginas de propostas legislativas

Além dos sete projetos do Pacote Invasão Zero, há ainda uma série de propostas legislativas que foram incluídas no relatório do deputado Ricardo Salles (PL-SP), que acabou não sendo aprovado. O relator dedicou 120 páginas a propostas que têm relação com os temas tratados na CPI. São projetos, em sua maioria, apresentados por membros da oposição na CPI do MST, mas há também projetos de autoria dos ex-deputados Jerônimo Goergen e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Dentre as propostas estão projetos de decretos legislativos (PDL) que pretendem sustar um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O decreto de Lula alterou as regras para seleção de beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) e a resolução do CNJ estabeleceu protocolos para o tratamento das ações que envolvam despejos ou reintegrações de posse de área produtiva.

O PDL para sustar o decreto de Lula, de autoria dos deputados Ricardo Salles (PL-SP) e Caroline De Toni (PL-SC) questiona a preferência que o decreto de Lula concede às famílias integrantes de acampamento. Para os deputados autores do PDL, isso é “uma espécie de supervalorização de um grupo vinculado à movimentos sociais, em detrimento de outros milhares de brasileiros que sonham em ter a sua terra”. Os deputados ressaltam ainda que Tribunal de Contas da União (TCU) já havia apontado como irregular a supervalorização estabelecida para essas famílias.

Já o PDL para sustar a resolução do CNJ, apresentado pelo deputado Zucco, afirma que a norma acabou "convalidando o esbulho possessório e eliminando a proteção da posse conferida pelo ordenamento jurídico". A Resolução CNJ 510/2023, publicada no dia 26 de junho, criou comissões para tratar de soluções fundiárias em nível nacional e regional, no âmbito do CNJ e dos Tribunais. Por meio da resolução, foram estabelecidos protocolos para ações que envolvam despejos ou reintegrações de posse. A edição dessa resolução tem despertado insegurança no meio rural, pois pode dificultar a vida do produtor rural que tiver áreas invadidas.

Relatório da CPI do MST será entregue para PGR, PGE e TCU

Apesar do relatório final da CPI do MST não ter sido aprovado, a avaliação de membros da oposição é que ela cumpriu com o papel que se propôs, mostrando como o movimento funciona.

O relator da CPI, deputado Ricardo Salles, afirmou que manobras regimentais e cooptações impediram a votação, mas que o relatório teria sido aprovado caso houvesse uma nova prorrogação dos trabalhos.

“A manobra regimental empreendida pelo governo para frustrar a aprovação do relatório final da CPI do MST em nada altera o seu revelador conteúdo: MST e as outras facções são bandidos, que além de invadirem terra, escravizam os seus integrantes mais humildes”, afirmou Salles. O deputado afirmou ainda que o relatório será enviado para providências da Procuradoria Geral da República (PGR), da Procuradoria Geral Eleitoral (PGE) e do TCU.

Durante a coletiva de imprensa que marcou o fim da CPI do MST, o presidente da FPA, Pedro Lupion (PP-PR), disse que a intenção era que os deputados pudessem, por meio dela, mostrar os absurdos do movimento e o constante ataque ao direito de propriedade. “A CPI fez o importante papel de mostrar a irresponsabilidade do governo no apoio ao MST”, avaliou Lupion.

Aprovação de relatório não se sobrepõe aos efeitos da CPI 

Na avaliação do cientista político e professor do IBMEC-MG, Adriano Cerqueira, a CPI é sempre mais um processo de debate do que propriamente a concepção do relatório final. “É sempre bom quando você faz um relatório, mas com certeza os maiores efeitos produzidos na CPI são durante o processo”.

Cerqueira lembrou das CPIs do Mensalão e da Covid. “Foi durante ela [CPI do Mensalão] que o governo Lula sofreu as piores taxas de aprovação e também entrou em forte crise política. Na da Covid, o relatório como peça jurídica, gerou pouco efeito, mas foi o processo em si que gerou desgaste para o governo Bolsonaro. Os relatórios em si, não produziram tanto efeito”, ponderou.

O cientista político afirmou ainda que o fato de não ter havido condições de aprovar um relatório não anula as declarações, oitivas e diligências feitas durante o processo. "Isso teve repercussão a ponto de ter mobilizado o governo para tentar conter parte desse estrago”, disse, ao lembrar a atuação do governo Lula para barrar a convocação do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, por exemplo.

Para o MST, no entanto, o fim da CPI sem a aprovação do relatório final foi uma “derrota política da bancada agromilitar”.

“Superada mais uma tentativa de criminalização, seguiremos em luta. Esta CPI em nenhum momento intimidou a histórica bandeira da Reforma Agrária, pela qual marcharemos até que a terra seja um bem de todas e todos no Brasil”, afirmou o movimento em nota.

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