Outrora representante da classe trabalhadora, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) mudou radicalmente de perfil nos últimos dois anos. "Modernizou" seu estatuto, trocou o vermelho e preto da sua bandeira pelo verde e amarelo, e colocou-se à disposição de bolsonaristas insatisfeitos no Congresso para abrigá-los em 2022. O PTB age para ser reconhecido como um partido de direita, conservador nos costumes e liberal na economia. Para isso, conta com um trunfo: a possível filiação do presidente Jair Bolsonaro.
O objetivo do presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, é fazer a legenda crescer. E, mesmo que a filiação de Bolsonaro não ocorra, o partido pretende "surfar" no bolsonarismo ao filiar outros defensores do atual governo e defender temas conservadores. O mais recente movimento dessa estratégia foi o anúncio da filiação do deputado federal Daniel Silveira (ex-PSL-RJ), preso desde 16 de fevereiro por ter atacado os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em vídeo nas redes sociais.
O PTB hoje é um partido menor do que já foi no passado. Em 2018, elegeu dois senadores e 10 deputados federais. Mas quer alçar voos maiores em 2022. A filiação de deputados “bolsonaristas” do PSL faz parte da estratégia. “Se o [Antonio] Rueda [vice-presidente do PSL] liberar a turma [bolsonarista], ele perde 50% do partido para o PTB”, afirma Roberto Jefferson.
O presidente do PTB explica que, para atingir os objetivos da legenda, não medirá esforços em defender a agenda conservadora. “Essa pauta cristã, em favor de Deus, da família, da liberdade e da democracia. Esse é o principal que queremos, fazer um grande partido conservador, de direita. Que já é o maior do Brasil, não tenho dúvidas disso, mas queremos que seja o maior da América do Sul”, declara.
A conversão do PTB representa uma grande guinada para uma legenda que "nunca assumiu qualquer postura ideológica". O partido, em seu formato atual, existe desde 1981. Mas a sigla remonta ao antigo PTB, que existiu entre 1945 e 1965, e teve como principal líder o ex-presidente Getúlio Vargas.
Por que o PTB decidiu assumir identidade conservadora
Desde a redemocratização do país, o atual PTB não obteve protagonismo nas disputas políticas. O partido lançou candidato à Presidência em apenas uma das oito últimas eleições presidenciais – na de 1989, a primeira após a ditadura.
Em 2022, se tudo der certo, o PTB pode voltar a ter candidato ao Palácio do Planalto com Bolsonaro na cabeça de chapa e com grandes chances de eleger uma bancada numerosa no Congresso. A meta ambiciosa do partido, porém, pode ser atingida com o presidente filiado ou não ao partido, aposta Jefferson.
“Numa relação mútua de confiança de apoio a ele. O PTB apoiará o presidente Bolsonaro em sua reeleição. Isso já está decidido internamente no partido”, declara Jefferson. “E vamos crescer porque a síntese de todo esse sentimento cristão, conservador e patriótico que temos no Brasil é o presidente Bolsonaro. Ele sintetiza esses sentimentos”, acrescenta.
As defesas enfáticas de Jefferson a Bolsonaro e aos bolsonaristas, bem como a ofensiva contra ministros do STF e adversários políticos do governo têm motivação: ser um partido com identidade clara. É o que afirma um membro da cúpula petebista. “A eleição do presidente Bolsonaro mostrou que a cultura política nacional é personalista. As pessoas não votam em partido, elas votam nas pessoas. Precisamos avançar na identidade principiológica”, sustenta.
O PTB busca se fortalecer com quadros políticos capazes de oferecer à sociedade soluções diante dos problemas em áreas temáticas, como saúde, educação e segurança. E acredita que só conseguirá ter sucesso apostando na consolidação de uma identidade clara. “Dessa identidade, queremos gerar adesão [de eleitores] e, depois, avançar uma casa programática para, de fato, entrarmos no debate político de forma qualificada”, destaca o interlocutor petebista.
O custo político do alinhamento com o bolsonarismo
A “roupagem” conservadora assumida do PTB trouxe um custo ao partido. O movimento de aproximação com o bolsonarismo gerou um racha e a desfiliação de quadros históricos. Em 2020, ao intervir nos diretórios municipais e anular convenções partidárias nas eleições municipais, Jefferson levou os ex-deputados federais Benito Gama (BA) e Alex Canziani (PR), o ex-senador Armando Monteiro (PE) e o deputado estadual Campos Machado (SP) a deixarem o partido.
Canziani e Campos Machado militavam no PTB havia 30 anos. Gama e Armando Monteiro permaneceram por quase 18 anos. “[O partido] está virando uma seita, não reconheço mais”, desabafou Canziani, atual secretário de governo de Londrina (PR), ao jornal Folha de Londrina.
O racha no partido não para por aí. Além desses caciques, outros cinco deputados federais podem seguir o mesmo caminho: Luísa Canziani (PR), Maurício Dziedricki (RS), Paulo Bengtson (PA), Pedro Augusto Bezerra (CE) e Pedro Lucas Fernandes (MA). A Gazeta do Povo apurou dentro da legenda que alguns parlamentares petebistas se sentem constrangidos com a aproximação de Jefferson com os “bolsonaristas”.
Dissidentes cogitam acionar TSE para deixar o PTB
O flerte com o "bolsonarismo" é visto entre os parlamentares incomodados como um suposto “oportunismo” de Jefferson. Para eles, o cacique petebista teria visto nisso a chance de voltar ao cenário político nacional — Jefferson foi condenado pelo STF no processo do mensalão do PT e ficou um ano e três meses preso em regime fechado.
“Todos somos liberais e conservadores, mas o posicionamento [de Jefferson] ultrapassa a sensatez. Tem se mostrado desequilibrado, com atitudes extremistas”, critica um parlamentar. A punição de Jefferson a quem votou pela prisão de Daniel Silveira incomodou. "É uma interferência nos mandatos", acrescenta.
Outro deputado parafraseia Canziani. “Está virando uma seita. Não agrada às lideranças ter esse tipo de presidencialismo, com a adoção de uma postura de desconstrução. É motivo de chacota no partido, gera ruído. Por isso, vários deputados vão sair”, desabafa. Os dissidentes lamentam a situação, acham que Jefferson se isola a passos largos, mas afirmam estar tranquilos em termos políticos.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tem sofrido críticas de Jefferson, tem dito aos dissidentes petebistas que os “acolherá” com espaços na Casa. Boa parte dos interessados em deixar o partido aguarda uma carta de desfiliação, mas mostram disposição para entrar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) caso isso não ocorra. “Se não der [a carta], peço o mandato na Justiça”, afirma um congressista.
Jefferson se defende e associa dissidentes a partidos de esquerda
As críticas petebistas na Câmara são vistas por aliados de Jefferson como uma “má compreensão” de suas atitudes. Por isso, o presidente petebista as minimiza. “Os deputados que querem sair são ligados à família Ferreira Gomes, no Ceará. São ligados ao PCdoB no Maranhão”, diz Jefferson, em referência a Ciro Gomes (PDT) e o governador maranhense, Flávio Dino (PCdoB). “É natural que queiram sair. É um conflito aberto do que se propõe o PTB ideologicamente e os partidos comunistas”, dispara.
O partido, destaca Jefferson, declarou na convenção nacional, em 18 de novembro, que é proibido estatutariamente aliança e coligação com qualquer partido signatário do Foro de São Paulo. “Quem está coligando com o PTB e trabalhando no estado com PT, PCdoB, PDT e Psol, vai ficar numa situação muito desconfortável. Não tem mais espaço para isso no partido”, afirma.
Quanto às críticas de Canziani de o partido virar uma “seita” — e concordadas entre dissidentes —, Jefferson evita polemizar. “O PTB é, hoje, um partido conservador. Nós oramos na hora das refeições, quando chegamos à sede, e defendemos o legado de Deus, porque entendemos que a atual guerra não é política, é espiritual. Eu entendo o que ele [Canziani] quis dizer. Sendo uma seita de Deus, peço que Deus o abençoe e ilumine, para que tenha sucesso no resto de jornada que tem a viver”, diz.
Saída do PTB só com troca; e o que isso tem a ver com Daniel Silveira
Os deputados dissidentes que acreditam que vão receber uma carta de desfiliação de Jefferson podem ter que repensar. O presidente petebista afirma que só vai liberar os parlamentares na base de trocas. Foi assim que ele anunciou a filiação do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ). “O Rueda me fez a seguinte proposta: ‘Roberto, o Pedro Lucas quer vir para o PSL. Então, você faz uma carta expulsando ele e eu farei uma carta expulsando o Daniel”, explica Jefferson.
Foi por conta desse "acordo" que Jefferson anunciou a filiação de Daniel Silveira ao PTB, embora o advogado do deputado, Maurizio Spinelli, tenha negado. Acontece que Rueda não teria cumprido a parte dele. “Eu falei: ‘quando você [Rueda] vai fazer isso? Vou fazer hoje [quinta-feira (25)] de manhã e te mando. Posso anunciar a filiação [do Daniel]?’ Ele disse que podia, mas não fez a carta de expulsão e se fechou, não falou mais comigo e o advogado [Spinelli] ficou em uma situação delicada”, explica.
A ficha de filiação de Silveira está com a defesa e, portanto, ele nega ter ido à prisão e quebrado as ordens do STF. O exemplo do deputado do PSL reforça o posicionamento de Jefferson a todos os deputados dissidentes petebistas. “Só assino carta de desfiliação se eu conseguir alguém em troca. Parece que o Rueda desistiu do Pedro Lucas. Então, se ele não quiser trocar, o Pedro Lucas e qualquer outro vai ter que esperar a janela [partidária, que se abrirá em março de 2022] para sair”, avisa.
Embora acredite que o PTB possa quase triplicar o tamanho atual, podendo chegar perto dos 30 deputados, ele lamenta a debandada na legenda. “Pena que [os dissidentes] não estarão conosco para crescer ao nosso lado. Mas desejo lá na frente, na janela [partidária], que tenham muito sucesso nas escolhas que farão”, afirma.
Críticas de Jefferson ao STF são entrave para filiação de Bolsonaro
Se a filiação de boa parte dos deputados “bolsonaristas” do PSL e até de outros partidos é uma realidade admitida pela cúpula petebista e pelos deputados que estão de saída, o mesmo não pode ser dito quanto à filiação de Bolsonaro. Os dissidentes acreditam o presidente da República não se filiará ao PTB por conta da ofensiva de Jefferson contra os ministros do STF.
A leitura é reconhecida pelo próprio Jefferson. “Sinceramente, acho que eles [petebistas dissidentes] têm razão. Mas eu não vou mudar meu discurso. Amo Bolsonaro, é meu amigo, já foi vereador pelo PTB, ele já foi deputado federal, meu liderado, mas, se ele quiser que eu mude meu discurso em relação ao Supremo para entrar, ele não vai, porque não vou mudar meu discurso”, avisa.
Um deputado aliado de Jefferson, que continuará no partido, concorda que a filiação de Bolsonaro é improvável, mas acredita que Jefferson tem que continuar apostando e induzindo o processo decisório do presidente da República. “O Roberto foi para o all-in [termo usado no poker quando um jogador aposta tudo]. Se der certo, o partido ficará gigante, vai ganhar mais [deputados] do que perder. Se será um crescimento orgânico ou por volume, aí precisaremos aguardar”, pondera.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF
Deixe sua opinião