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O governo Bolsonaro aprovou uma ampla reforma da Previdência em 2019 – sem dúvida, uma vitória da equipe econômica –, mas ainda há muito trabalho pela frente, alerta o secretário especial da Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo.

O governo planeja enviar ao Congresso pelo menos mais dois projetos para tratar de temas previdenciários não abordados na reforma, ampliar o contrato de trabalho Verde Amarelo, caso o programa se mostre exitoso, e fazer uma nova reforma trabalhista que permita que o Brasil esteja adequado ao novo mercado de trabalho.

Marinho recebeu a reportagem em seu gabinete em Brasília, na terça-feira (17). Um dos projetos na área da Previdência que o governo estuda é propor a criação da Lei de Responsabilidade Previdenciária para estados e municípios. O outro visa reduzir a judicialização do Benefício de Prestação Continuidade (BPC), deixando claro quais são as vulnerabilidades na concessão do benefício.

Sobre o programa verde amarelo, criado pela MP 905/2019, Marinho afirmou que a espinha dorsal da medida não é o programa de geração de empregos. "Estamos mudando a forma como o Estado brasileiro está tratando quem empreende e quem gera emprego nesse país. Essa é a grande mudança do programa. Isso é que tem de mais importante”, disse.

A medida vem sendo criticada por taxar o seguro-desemprego, por ter custo elevado e por gerar menos empregos do que o previsto, segundo estudos do Instituto Fiscal Independente do Senado e da própria Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia. Marinho rebate as críticas, diz que foi criada uma narrativa equivocada sobre o programa, e que o custo por emprego é de apenas R$ 300, e não quase R$ 2 mil, como ventilado pelos estudos.

Ele diz, ainda, que a MP traz diversos avanços além do programa em si de geração de emprego, como as as mudanças na fiscalização das normas de proteção do trabalho, a possibilidade de o empresário multado recorrer para um tribunal tripartite, as mudanças nos critérios de atualização de débitos trabalhistas e o estímulo ao microcrédito.

Questionado sobre uma futura reforma trabalhista do governo, Marinho diz que a modernização trabalhista – ele prefere não usar o termo reforma – a ser proposta pelo governo vai se concentrar em resolver os problemas que virão com as mudanças do mercado de trabalho. "Ou a gente se adequa a essas mudanças, ou essa onda vai virar um tsunami e levar todos. Isso é imperativo. A gente tem de fazer isso. Não é uma escolha. É uma necessidade."

Leia a seguir a entrevista completa com o secretário Rogério Marinho:

Previdência

O governo Bolsonaro conseguiu aprovar a maior reforma da Previdência da história, R$ 800 bilhões de economia em dez anos somente para a União. Quantos anos o Brasil ganhou até que seja necessário fazer mais uma reforma do sistema previdenciário?

Marinho: O que nós fizemos com essa reforma paramétrica dos critérios atuariais da Previdência não foi apenas a PEC 06 [a reforma da Previdência do INSS e servidores federais], que nos dá uma economia de mais de R$ 800 bilhões em dez anos. Foi um grupo de quatro projetos de lei que foram aprovados, todos convertidos em lei.

Tem a MP 871 [que virou a Lei 12.846/2019], que se transformou na lei de combate a fraudes [no INSS], que vai nos dar R$ 280 bilhões de economia nos próximos dez anos. Tem o PL [que virou a Lei 12.876/2019] que trata de definição e critérios geográficos para se apresentar ações contra o sistema previdenciário em órgãos federais, que vai nos dar R$ 70 bilhões de economia nos próximos dez anos. E também a reestruturação da carreira dos militares agregada à [reestruturação da] assistência social [dos militares] que vai nos dar mais de R$ 12 bilhões de saldo. Isso nos dá R$ 1,159 trilhão de economia nos próximos dez anos. É uma economia extraordinária, que ao mesmo tempo que permite a inversão da explosão dessa curva do déficit público, dá previsibilidade e segurança jurídica para o conjunto da economia brasileira.

Não é por acaso que nós estamos hoje com a menor taxa de juros da economia brasileira. Não é por acaso que estamos com o risco-país abaixo de 100 pontos. Não é por acaso que o capital especulativo foi varrido do cenário econômico. Não é por acaso que nós estamos votando o primeiro Orçamento impositivo do país, que nos ombreia com as principais economias e democracias do mundo, como Alemanha, Itália, Estados Unidos, Canadá. Quando os Orçamentos são a principal peça legislativa de cada parlamento, ele efetivamente é aplicado no ano subsequente, o que permite um efetivo controle da sociedade em relação aos investimentos que o país precisa fazer no ano subsequente. Então, o Brasil passa a esse patamar.

Há uma série de medidas implementadas neste ano que, em conjunto, demonstram uma maturidade e uma consistência muito forte na economia brasileira, fruto da orientação do presidente Jair Bolsonaro e da condução do ministro da Economia, Paulo Guedes, que sem dúvida nenhum estão transformando nosso país. É uma oportunidade única em nossa história e não podemos correr o risco de retroceder.

Mas quantos anos até que seja necessário fazer uma nova reforma da Previdência?

Marinho: O que fizemos foi uma reforma em termos paramétricos. Nós até queríamos ter avançado, mas foi a reforma possível e foi uma reforma extraordinária. É uma grande vitória da sociedade, do Parlamento, do Executivo. Agora, veja, há uma mudança brutal no mercado de trabalho. O financiamento da Previdência no Brasil, através do nosso sistema solidário, se dá principalmente, e quase que majoritariamente, pela folha de pagamento. Com a contribuição feita pelo trabalhador e pelo empregador. Com essa mudança no mercado de trabalho, nós temos que recalibrar o processo de uma forma permanente.

Agora, evidente, [que com a reforma] há uma redução da curva do déficit e se nós mantivermos a mesma situação, nos próximos quatro, cinco anos, já teremos o equilíbrio e aí haverá uma diminuição progressiva do nosso déficit e um equilíbrio das contas públicas. Mas há um fator, que é a mudança do mercado de trabalho, que é um outro desafio que nós temos que nos debruçar sobre ele.

O governo tentou, na reforma, abrir uma porta para apresentar um novo regime previdenciário baseado no sistema de capitalização, mas isso acabou sendo tirado pelo Congresso. O governo pretende voltar, ainda neste mandato, a propor esse novo regime?

Marinho: Nós vivemos numa democracia plena. As instituições funcionam. O governo fez a sua parte apresentando uma agenda de discussões relacionadas ao tema previdenciário na visão de que o governo tem de organizar o sistema que está aí e criar alternativas diferentes que permitam a longevidade e integralidade do sistema. Um desses pressupostos foi justamente a possibilidade da capitalização. Isso foi rechaçado pelo Parlamento. Para que esse tema volte, é necessário também que o Parlamento entenda que há a necessidade. Dos dez sistemas previdenciários mais íntegros e que são mais substanciais no mundo, pelo menos seis deles têm em seu bojo alguma forma de capitalização. Nós não temos nenhum compromisso com o erro.

Evidente que há um laboratório à nossa disposição que é a aplicação desse sistema no mundo. Em alguns lugares deu certo, em outros menos certo e em alguns lugares deu errado. O que nós temos que fazer é buscar as experiências que são exitosas e tentar customizá-las para o nosso país. Mas se isso vai acontecer nessa legislatura, ou em governo subsequente, o que vai definir é a própria maturidade do tema junto à sociedade e junto ao Congresso Nacional.

Então o governo está aberto a essa discussão?

Marinho: Sim, desde sempre. Tanto é que nós apresentamos o tema no início do processo [no projeto original da reforma].

A PEC Paralela, para incluir estados e municípios na reforma, acabou virando uma colcha de retalhos. Ela tenta mudar diversas regras da Previdência que acabaram de ser promulgadas. Diante desse cenário, o governo continua a favor da PEC Paralela? Ou é melhor engavetar a proposta e deixar que os governadores e prefeitos façam por si só suas reformas do sistema previdenciário?

Marinho: É importante ressaltar que o Senado, a exemplo da Câmara, fez um trabalho extraordinário [na reforma da Previdência]. Nos entregou um projeto extremamente exitoso e que nos vai proporcionar uma segurança jurídica e atuarial ao longo de vários anos. Já a PEC Paralela acabou sendo o depositário de uma série de negociações que ocorreram no Senado. Algumas delas foram aprovadas [na tramitação da PEC Paralela no Senado], mas não tem o apoio do governo. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) fez um trabalho extraordinário, tentou conciliar os interesses do Senado.

O que nós ouvimos, e concordamos, é que o presidente da Câmara [Rodrigo Maia] já acenou a possibilidade que a questão de estados e municípios é o que vai ser levado em consideração nesse momento na rediscussão na Câmara da PEC Paralela. E os demais temas vão ficar para um outro momento.

Seria desmembrar a PEC Paralela em duas propostas?

Marinho: Não tenho esse grau de detalhamento, porque a PEC está no Parlamento. Estou apenas replicando o que li na imprensa.

O senhor começou a entrevista falando dos quatro projetos aprovados neste ano na área de Previdência. Há ainda o que se fazer pelo governo nessa área?

Marinho: Nós vamos apresentar no próximo ano um projeto de Lei de Responsabilidade Previdenciária, porque é uma consequência da própria PEC [06/2019]. Definir de qual forma os estados e municípios vão gerir de uma forma mais refinada, a partir dos pressupostos da PEC, os seus respectivos sistemas para mantê-los íntegros, operacionais e ao mesmo tempo manter o regaste para os beneficiários futuros.

Nós devemos nos debruçar também na área da vulnerabilidade. Hoje, quase 70%, 80% das concessões de BPC [Benefício de Prestação Continuada] são fruto de judicialização. Então há uma necessidade de deixarmos claro quais são as vulnerabilidades que podem ser exceptuadas, mesmo com um critério de renda ultrapassado.

Nós enviamos recentemente um projeto de lei que trata de pessoas com deficiência (PcDs). Gerou até uma polêmica inicialmente, mas na medida em que estamos tendo a possibilidade de conversar com os segmentos, estão entendendo o alcance do projeto. E aí, linkado com o projeto de reabilitação profissional.

Menos de 2% da população brasileira passível de reabilitação é efetivamente reabilitada para ser inserida no mercado de trabalho. Isso tem uma consequência no sistema previdenciário e assistencial. Temos 700 mil pessoas aposentadas que poderiam passar por um processo de reabilitação e serem inseridas no mercado. Mais de 200 mil pessoas têm auxílio-doença prolongado, e 17 a 18 mil pessoas são reabilitadas apenas por ano. Evidente que esse é um aspecto que precisa ser realçado. E nós enviamos um projeto de lei que, ao mesmo tempo, tenta incluir as pessoas com deficiência nas 370 mil vagas que sobram todos os anos.

Nós defendemos a inclusão, achamos que é importante, que é uma conquista da sociedade, mas que ela precisa ser ampliada, ela precisa ser modernizada, para que seja inteligente. Ao mesmo tempo que permita que as empresas cumpram as cotas, permita também que as pessoas se incluam no processo. E aí vem por exemplo a questão do BPC. As pessoas com deficiência que recebem BPC têm receio de abrir mão da assistência para se integrarem no mercado de trabalho. Então, um dos componentes desse projeto [dos PcDs] é permitir o auxílio-inclusão, para que a pessoa com BPC que tenha deficiência ingresse no mercado com 50% do seu benefício [do BPC], de tal forma que se perca esse emprego, ele seja reintegrado integralmente no programa [assistencial].

Estamos também com propostas ligadas à questão da unificação da legislação previdenciária e trabalhista, é o GAET [Grupo de Altos Estudos do Trabalho] que está estudando esse tema.

Temos também todo o programa de digitalização do INSS. Começamos o ano com oito dos 94 serviços digitais. Agora estamos com 92 dos 94. Dos dois que remanescem, a prova de vida, que todos os meses leva mais de 3 milhões de beneficiários aos postos do INSS, vai passar a ser também digital. Nós fizemos um convênio com o Tribunal Superior do Trabalho, já fizemos um piloto em 14 cidades. Estamos trabalhando com a Dataprev [a estatal da Previdência] para refinar o programa. Acho que, em fevereiro ou março, nós estaremos lançando o programa. O cidadão vai tirar uma foto das suas digitais e depois fazer um teste de adequação facial, e isso vai fazer com que ele possa fazer a prova de vida [pelo celular], sem a necessidade do seu deslocamento. Permaneceria [obrigatoriamente presencial] somente a perícia médica.

E todo o trabalho de se avaliar e se averiguar as concessões [previdenciárias e assistenciais] que foram feitas ao longo do tempo para evitar a fraude. Esse é um trabalho permanente.

Também aqui nos conselhos que nós participamos dos regimes próprios e complementares [de Previdência], a nossa ideia é modificarmos os critérios de aplicação de recursos. Porque com esse cenário de juros baixos, é necessário que se tenha uma modificação da carteira de investimentos dos responsáveis pelos respectivos fundos previdenciários, para que eles possam conseguir entregar uma contrapartida adequada. Mais do que nunca acabou a especulação no país, é necessário diversificar. É um grande trabalho pela frente [na área da Previdência].

Programa Verde Amarelo

Mudando de assunto e falando agora da MP Verde Amarelo. Para bancar o custo do programa, a única fonte de receita disponível era mesmo taxar o seguro-desemprego?

Marinho: Não se trata de uma ação no sentido de punir ninguém. Se trata de uma ação para se fazer inclusão previdenciária. Essa não é uma ideia nova. Em 2007, as centrais sindicais, junto com o ex-presidente Lula, fizeram essa proposta [de recolher Previdência sobre o seguro-desemprego] e a dificuldade foi da alíquota que seria cobrada. Mas era consensual entre as próprias centrais sindicais.

Se alguém, ao longo da sua vida laboral, muda de emprego quatro, cinco vezes, num espaço de 35 anos, ele vai adiar sua aposentadoria por pelo menos dois anos, porque o seguro-desemprego são cinco meses. O que nós estamos propondo?

Imagine que alguém fique cinco meses desempregado – isso num mercado em que a rotatividade chega a um terço em função da legislação, este ano 15 milhões de brasileiros vão perder o seu vínculo empregatício, num universo de 40 milhões de pessoas que têm carteira assinada –, e que ele contribua com uma alíquota mínima de 7,5% [sobre o seguro-desemprego]. Ele vai contribuir, [se recebe] um salário mínimo [de seguro-desemprego], com R$ 370 [nos cinco meses], mas vai antecipar a aposentadoria em cinco meses, porque a contribuição vai contar para fins previdenciário e de aposentadoria. Esses cinco meses que vai se aposentar mais cedo, ele vai receber do estado R$ 5 mil, acrescido de cinco doze avos de um décimo terceiro. Então, ele vai receber R$ 5,4 mil, tendo contribuído com R$ 370. Se você fizer um cálculo monetário rápido vai verificar que é uma grande vantagem para quem tem o seguro-desemprego.

Mas a narrativa é a narrativa. E a narrativa passou que o governo, de uma forma deselegante, cruel, está tentando taxar o desempregado. E atuarialmente isso [essa narrativa] sequer se sustenta, porque o governo na verdade tem um prejuízo. Ele tá cumprindo a legislação da responsabilidade fiscal, que nos obriga – com muita razão – a apresentar uma nova fonte de receita ou anulação de uma despesa para fazer frente à desoneração [da folha, presente no programa].

Há dois estudos, do IFI e da Secretaria de Política Econômica do próprio Ministério da Economia, que mostram que o programa é caro, vai gerar menos vagas do que o divulgado e pode ser ineficiente, gerando distorções no mercado de trabalho. Por que, apesar dos pontos negativos, o programa acabou sendo lançado mesmo assim?

Marinho: Que bom que há transparência. A Lei de Acesso à Informação nos obriga – e com muita razão – a colocar à luz do dia todas as discussões técnicas que ocorrem no período que antecede a legislação. Esse projeto [do programa Verde Amarelo] tem 28 pareceres técnicos. Veja o tamanho da discussão que se estabeleceu internamente. Mais de 80 técnicos participaram das discussões. Essa foi uma visão, como outras visões que foram contrapostas e que curiosamente não foram levadas pela imprensa. Mas tudo bem, o papel da imprensa é colocar a contradição.

E a qual foi a tese vencedora que levou o governo a seguir com o projeto? Primeiro, estamos fazendo um piloto. É verdade que é um piloto do tamanho do Brasil: 1 milhão e 800 mil jovens nos próximos três anos [expectativa oficial de geração de vagas com o programa]. É um piloto que vai atingir 4% das pessoas que vão ser contratadas nesse período. Falar que há distorção no mercado de trabalho é um pouco demais.

Segundo ponto, quando se fala do custo do programa, há um reducionismo. Há aquela tese do copo meio cheio e meio vazio. Eles [os estudos] estão dizendo que haverá uma geração de empregos marginais em torno de 300 mil, e serão beneficiados 1 milhão e 800 mil [jovens]. Então eles colocam a desoneração em cima de 300 mil. A desoneração não é em cima de 300 mil, é em cima de 1 milhão e 800 mil. Ao invés de ser [um custo] de R$ 1,9 mil por emprego, na verdade é de R$ 300 por emprego. Essa conta é a realidade.

Terceiro, quando melhora a economia no Brasil – e em qualquer país do mundo. As pessoas que são jovens no nosso país, nessa faixa de 18 a 24 anos, que é um recorte, estão com 25% a 26% de taxa de desemprego. Se você refinar ainda mais os dados e selecionar aqueles que estão procurando o primeiro emprego, passa de 40%. Então, imaginar que o crescimento econômico vai resolver por si só esse problema é evidente que não. As pessoas que serão contratadas primeiro são as que têm experiência e qualificação. Os jovens embarcam por último no vagão do desenvolvimento econômico.

O que nós estamos propondo é que através da desoneração de folha nós possamos demonstrar para a sociedade brasileira, em um programa controlado, piloto, que essa é uma ação exitosa e ela pode e deve ser ampliada.

Uma outra questão que é importante colocar é que nós aprendemos com o que foi feito anteriormente. Aconteceram dois programas [de desoneração da folha para geração de empregos]. Um foi o Primeiro Emprego, do ex-presidente Lula, que foi um fracasso porque estabeleceu uma série de condicionantes que burocratizou o programa, e menos de 100 mil jovens foram atendidos em quatro anos, e tratava-se de uma subvenção. Já a Dilma foi por uma outra ponta: sem nenhum condicionante. Ela desonerou a folha de mais de 70 segmentos da economia. Essa desoneração se deu pela patronal. Como não havia nenhum condicionante, o empresário tinha uma folga na sua folha de R$ 50 mil, e tomou a atitude que achou que devia tomar: aumento seu salário, pagou dívidas, comprou equipamentos e, numa eventualidade, empregou alguém. Então foram dois programas com dois extremos.

O que nós fizemos? Estamos evitando substituição de mão-de-obra. Fizemos um delta: janeiro a outubro de 2019, qual é a média de trabalhadores que essa empresa teve nesse período? 100, para efeitos de demonstração. Em janeiro, essa empresa terminou o mês com 105 funcionários. Desses, três têm as regras de elegibilidade do programa. Esses três serão desonerados. Se a empresa terminou janeiro com 100 funcionários e cinco têm as regras de elegibilidade, nenhum será desonerado. Porque significa que ela admitiu pessoas com o regime anterior para substituí-los por pessoas com o regime mais barato. Então nós temos um controle feito pelo e-Social. Segundo [exemplo], nós temos uma empresa nova, vamos contratar todo mundo nesse regime. Não pode. O limite é 20% no máximo.

Então, nós tivemos um cuidado de estabelecer parâmetros e regras, e circunscrever a um segmento da sociedade que é o mais vulnerável, que tem a maior dificuldade para buscar a sua inserção no mercado de trabalho. Até uma brincadeira que se faz: eu não contrato porque você não tem experiência, e pelo fato de eu não ter experiência eu não sou contratado. É um círculo vicioso cruel. A gente pretende quebrar esse círculo, estabelecer a inserção e permitir que a sociedade acompanhe. Aliás, essa é uma outra inovação. Essa é uma política pública que vai ter absoluta transparência e visibilidade. Nós estamos criando dentro do e-Social uma janela específica para o Emprego Verde Amarelo e todos os meses nós vamos ter oportunidade de verificar qual é o número de pessoas que estão sendo contratadas.

O senhor comentou que é um programa piloto de desoneração da folha. Na segunda, dia 16, o presidente Jair Bolsonaro voltou a falar que todas as possibilidades estão na mesa sobre uma CPMF, que era a ideia inicial do governo para fazer uma desoneração total da folha. Se o programa piloto demonstrar resultado, é possível que o governo encaminhe um projeto de desoneração total da folha? E como isso seria compensado, através mesmo de um novo imposto sobre transações financeiras?

Marinho: Quando a gente fala de programa piloto e de acompanhamento social, a nossa ideia é que a política seja implementada, avaliada, e, se ela for exitosa, ela possa ser incorporada como uma política definitiva e, eventualmente, ampliada. E o Orçamento, por se tratar de um Orçamento impositivo, os parlamentares vão buscar o espaço necessário para que se possa ampliar o programa sem que aconteça uma desestabilização da área fiscal. É essa a nossa ideia.

E a única forma é fazer um novo imposto sobre transações financeiras?

Marinho: Eu não sei. No caso aqui [Programa Verde Amarelo] não vai ser dessa forma. Aliás, se o Parlamento entender que a fonte de receita que nós apresentamos [taxar o seguro-desemprego] não é adequada, ele tem toda a legitimidade de modificar. Parlamento brasileiro aperfeiçoa os projetos de lei.

A MP Verde Amarelo é um programa, tem mais de 2 mil emendas nesse programa. É talvez o projeto de lei mais emendado da história do Congresso. O que tem no cerne, na espinha dorsal desse projeto, não é a Carteira Verde Amarela. É o que chamou mais atenção. Mas na verdade nós estamos mudando a forma como o Estado brasileiro está tratando quem empreende e quem gera emprego nesse país. Essa é a grande mudança do programa. Isso é o que tem de mais importante.

Isso passa primeiro pela fiscalização. A fiscalização, historicamente no Brasil, sempre foi punitiva. O que nós estamos dizendo [com o programa]: quando você [fiscal] chega na empresa de alguém, e você encontra um problema de baixo impacto, ao invés de você punir, você vai orientar. A primeira visita é pedagógica. A segunda visita, havendo persistência no erro, aí sim ocorre a punição.

Nós estamos estabelecendo que, se for multado, você vai poder recorrer para um tribunal tripartite na área administrativa. Hoje, quando você é multado, você recorre a quem te multou.

Eu estou estabelecendo no projeto que embargo e interdição vão acontecer em sete regionais apenas. Não há nada mais definitivo e dramático que se possa acontecer que fechar a empresa. Então o fechamento de uma empresa tem que ser um processo de responsabilidades, de se ouvir as partes, de se instrumentalizar o processo, para tomar uma decisão que tenha embasamento técnico e que se preserve a segurança e a saúde do trabalhador. Que não seja um gesto discricionário de quem quer que seja.

Então, nós estamos estabelecendo uma forma nova de o Estado brasileiro tratar quem gera riqueza nesse país. Sempre preocupados em preservar a saúde e a segurança de quem trabalha. Veja que não é uma coisa boba.

Nós estamos, por exemplo, nesse projeto de lei [a MP Verde Amarelo] mudando todos os critérios de atualização de débitos trabalhistas. O Tribunal Superior do Trabalho definiu que um depósito recursal ou uma ação trabalhista, ela é atualizada na razão de 1% ao mês mais o ICPA-e. Dá 15%, 16% ao ano. É o melhor investimento do país. Então nós estamos redefinindo, porque de um lado você tem que corrigir a dívida, mas por outro lado você não pode propiciar o enriquecimento indevido de quem quer que seja.

Estamos redefinindo, por exemplo, a questão do microcrédito. Eu estou falando de quase 50 milhões de pessoas, dos quais 40 milhões recebem por mês um quarto de salário mínimo de renda familiar. Essas pessoas estão sendo vistas na MP 905, no programa Verde Amarelo. Nós estamos tirando uma série de entraves burocráticos para ampliação do microcrédito. Fizemos, inclusive, um compromisso com a Febraban, em que ela se compromete a investir R$ 40 bilhões nos próximos três anos no microcrédito. E inserir dentro do processo formal quase 10 milhões de pessoas que estão desbancarizadas. São pessoas que precisam de recursos para comprar uma caixa de manicure, uma caixa de isopor, a carne para fazer o churrasquinho. Essas pessoas podem não ter o emprego formal, mas elas produzem riquezas, serviços e sustentam famílias. Esse projeto mira esse segmento de uma forma muito forte.

Reforma trabalhista

A MP do Programa Verde Amarelo está sendo chamada de minirreforma trabalhista por justamente mudar muitos pontos envolvendo o mercado de trabalho. A sua secretaria criou o Grupo de Altos Estudos do Trabalho (GAET) para estudar a legislação trabalhista e sindical. O que podemos esperar de uma possível futura reforma sindical e trabalhista a ser apresentada governo Bolsonaro?

Marinho: Primeiro, a MP 905 tem muita coisa para se dizer ainda. Não é apenas o Emprego Verde Amarelo. Ela muda a forma que o Estado brasileiro trata quem gera riqueza nesse país. E isso incomoda muita gente. Porque a gente quebra igrejinhas, a gente muda corporações, a gente muda a cultura, e o governo estabelece uma relação produtiva com quem realmente dá emprego nesse país. A gente deixa de ser um Estado perseguidor e passa a ser um Estado parceiro.

Respondendo à sua pergunta. Não queremos reformar nada. Nós queremos modernizar. Essa é a palavra. A gente quer modernizar, a gente quer simplificar, a gente quer desburocratizar. A gente quer trazer o Estado brasileiro a uma condição de ser um Estado parceiro, e não que gera dificuldades. Não um Estado que o tempo todo tá querendo regular mais, tutelar mais, intervir mais. Não é isso que vai ajudar o país.

Eu falei no início da nossa conversa da mudança dramática do mercado de trabalho. Ou a gente se adequa a essas mudanças, ou essa onda vai virar um tsunami e levar todos. Isso é imperativo. A gente tem de fazer isso. Não é uma escolha. É uma necessidade.

Nós estamos aqui debruçados nas NRs [normas regulamentadoras]. São 37 NRs. Para você ter uma ideia, quando eu cheguei aqui em janeiro, 6.900 tipos diferentes de multas poderiam ser aplicadas a quem empreende neste país. Eu desafio qualquer um a ter o conhecimento da integralidade desse colossal que o Estado impõe somente na área de saúde e segurança do trabalho.

Já customizamos dez dessas 37 NRs. Temos um calendário para até novembro do próximo ano tratarmos de todas elas. Isso tem sido feito com responsabilidade, utilizando-se da legislação, com consultas públicas, conversando com empregadores, com empregados, com o governo, buscando conhecimentos técnicos, mas, sobretudo, utilizando o bom senso. Mais da metade dessas multas já foram retiradas. Nós conseguimos com essa customização [das 10 NRs] uma economia para o nosso país de mais de R$ 100 bilhões nos próximos dez anos.

Bom, o GAET é justamente o mercado do futuro. Nós vamos receber no dia 10 de fevereiro o documento definitivo desse grupo de trabalho. A nossa ideia é, a partir desse documento que está sendo gestado por profissionais, por pesquisadores, por economistas, termos um documento que será colocado em consulta pública e, em seguida, refinado internamente para que se possa ser apresentado ao Congresso Nacional. Há necessidade que ele seja submetido ao conjunto de intervenções da sociedade civil para que nós tenhamos a legitimidade de apresentar ao Congresso Nacional um projeto que leve o Brasil para um outro patamar.

A nossa ideia é que possamos resolver a questão de uma população vulnerável que nós temos. Um quarto da população está abaixo da linha da pobreza. Pessoas que têm baixa qualificação, baixa condição educacional e que dificilmente vão conseguir se inserir nesse mercado de trabalho do futuro. Nós, como povo, temos que encontrar alternativas de prover esse grande contingente da população.

E você tem também as pessoas que estão empregadas hoje e que terão seus postos de trabalho extintos por essas mudanças. De que forma você vai requalificá-los, dar a eles uma versatilidade, uma maneabilidade para que eles possam se reinserir no mercado de trabalho.

E, por fim, aquele segmento da sociedade que, por causa da sua alta escolarização, já está integrado nesse processo, então você aumentar o número dessas pessoas, prover instrumentos, reduzir a regulação, reduzir a tutela do Estado nessa relação, para permitir que essa economia, que é uma economia da indústria 4.0, da nanotecnologia, da biotecnologia, da inovação tecnológica, da robótica, da inclusão digital, essa seja uma economia que seja potencializada ao lado de cuidar de pessoas. Porque mais do que nunca vão se abrir oportunidades na relação entre as pessoas.

E quando se fala em reforma trabalhista, há uma preocupação com a manutenção dos direitos trabalhistas. E o presidente Bolsonaro, por exemplo, já falou que quer reduzir a multa do FGTS. Isso está em estudo pelo governo?

Marinho: Na Carteira Verde Amarela, por exemplo, nós já estamos reduzindo de 40% para 20% a multa, mas não é nenhuma novidade. É um contrato por tempo determinado, dentro desse piloto. Isso também já existe desde 2017, com a reforma trabalhista [do governo Temer, que Marinho foi relator na Câmara], nos acordos que são feitos extrajudiciais. Já está dentro da lei. Então, desde que haja um acordo, sem imposição, é possível reduzir para 20%.

A questão da redução de 8% para 2% [na alíquota cobrada do FGTS no programa verde e amarelo] também já está na lei há mais de 20 anos, que é a questão do contrato por tempo determinado. Não há nenhuma inovação nesse processo. A inovação [no programa Verde Amarelo] é que as obrigações que estão contidas no artigo sétimo da Constituição – décimo terceiro, férias, proporcionalidade, um terço de férias, etc –, tudo isso vai ser pago mês a mês de forma proporcional para evitar ou reduzir a judicialização.

Então, nós entendemos que há a necessidade de se criar e de se entender que novas formas de trabalho vão acontecer. Quem tem menos de 30 anos sabe que ninguém compra mais uma roupa, um aparelho eletrônico, um alimento numa loja convencional. Busca isso num aplicativo de internet. E nem falei dos aplicativos de transporte, que é uma realidade que ninguém pode desconhecer. E isso tem toda uma série de consequências. Veja a questão da fragilização da nossa contribuição previdenciária, porque a sociedade de uma maneira ou de outra vai ter que prover essas pessoas, seja através da Previdência ou da assistência. São desafios que estão colocados na nossa frente. E o Brasil não pode fugir deles. Tem que enfrentá-los.

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