Em 2018, Paulo Guedes insistia que seria possível tirar as contas públicas do vermelho ainda no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro. Mais tarde o discurso foi abandonado pelo hoje ministro da Economia. Em que pese a frustração por não atingir esse objetivo, o governo pelo menos deve terminar 2019 com um rombo menor que o estimado. O tamanho desse déficit é que ainda não é consenso, nem dentro do próprio governo.
A projeção oficial do governo, que consta do relatório de avaliação de receitas e despesas primárias do 5º bimestre, indica que o déficit primário – o resultado das finanças públicas antes do pagamento dos juros – ficará em R$ 114,9 bilhões. O valor é inferior aos R$ 139 bilhões previstos no Orçamento federal – ou seja, o rombo será menor que o estimado no fim de 2018, quando o Orçamento foi aprovado.
Mas, ao mesmo tempo, essa nova estimativa contraria declarações muito mais otimistas feitas tanto por Paulo Guedes quanto pelo secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues.
Os dois têm falado que o déficit primário do país pode fechar o ano abaixo dos R$ 80 bilhões. Questionado pela Gazeta do Povo, o Ministério da Economia endossou as declarações, mas não informou como se chegou a esse número. Também não explicou por que o relatório bimestral – documento oficial que embasa as decisões de execução do Orçamento e foi assinado pelo secretário especial adjunto de Fazenda, Esteves Colnago – prevê um rombo cerca de R$ 35 bilhões maior que o divulgado por Guedes e Waldery em suas declarações públicas.
O único momento em que os documentos oficiais do governo chegaram a um valor próximo ao divulgado pela dupla foi no relatório extemporâneo de receitas e despesas de outubro, no qual o déficit primário foi estimado em R$ 79,3 bilhões. Na ocasião – o texto foi publicado no dia 14 de outubro –, o governo contava com a arrecadação extraordinária de recursos da cessão onerosa e pré-sal. O documento previa ingresso de R$ 52,5 bilhões apenas como primeira parcela do valor obtido no megaleilão do pré-sal, que seria realizado dali a algumas semanas, em 6 de novembro. Nesse caso, mais algumas dezenas de bilhões entrariam nos cofres públicos em 2020, como segunda parcela.
Ocorre que o leilão não foi tão positivo quanto o estimado inicialmente pelo governo. A arrecadação foi menor, e foi preciso rever a projeção de déficit em outro relatório extemporâneo, este publicado no dia 12 de novembro. Nele, o governo passou a considerar a entrada de um valor maior referente à cessão onerosa, de R$ 69,3 bilhões, porque o pagamento é feito em parcela única.
Este valor, no entanto, não vai todo para o caixa da União: será dividido com a Petrobras, estados e municípios também, o que significa que o bolo que fica com os cofres federais é menor. Por isso, no documento extemporâneo de novembro o déficit primário de 2019 "aumentou" em relação ao extemporâneo de outubro e passou a ser estimado em R$ 122,3 bilhões. Dez dias depois, o governo apresentou outro documento – o relatório bimestral citado no início deste texto –, em que refez novamente as contas e passou a estimar o rombo das contas públicas nos R$ 114,9 bilhões que hoje são a projeção oficial.
Outras projeções são mais otimistas
Apesar de no declaratório o governo ser mais otimista do que o faz nos documentos oficiais, outras projeções mostram que o resultado primário do governo central pode realmente ser melhor que o esperado até alguns meses atrás. A Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal, revisou suas projeções na última edição do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF), publicada em novembro.
“As contas públicas deverão encerrar 2019 em situação melhor que a esperada em maio pela IFI. A entrada de recursos dos leilões do pré-sal, o pagamento de dividendos adicionais pelo BNDES e a recuperação das receitas, em geral, deverão produzir um déficit primário de R$ 95,8 bilhões para o governo central”, projeta.
O relatório do Prisma Fiscal de novembro, feito pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda com base nas projeções de bancos e consultorias, aponta para déficit de R$ 88,7 bilhões neste ano, ante R$ 97,7 bilhões da previsão de outubro, que já representava uma redução em relação aos R$ 100,1 bilhões projetados em setembro.
Por que o rombo é menor?
Virar a chave para sair do vermelho não foi tão simples como imaginou Guedes. Inicialmente, seu plano incluía um amplo processo de desestatização, que não aconteceu na velocidade em que ele gostaria. O alívio acaba vindo de outras receitas, a maioria extraordinárias.
Uma combinação de fatores explica a melhora dos números. O principal deles é o aumento de arrecadação com a entrada de recursos extraordinários, caso do megaleilão do pré-sal. A expectativa do governo era de arrecadar R$ 106,5 bilhões com esse leilão, mas obteve, de fato, R$ 69,9 bilhões – a União deve ficar com R$ 24 bilhões desse montante. Pelo lado da despesa, a taxa básica de juros mais baixa e as medidas de austeridade adotadas pelo governo para controlar os gastos públicos também ajudaram a compor esse cenário.
Ainda que essas receitas extraordinárias sejam um evento fiscal relevante, o caráter atípico desse tipo de arrecadação não pode causar uma falsa impressão. “[Isso] não altera a necessidade de ajuste das contas públicas ao longo dos próximos anos, dada pelo objetivo de estabilizar a dívida/PIB”, alerta a IFI. E, ainda que seja um fato que o respiro virá dessa fonte de recursos, ela não é uma unanimidade entre especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
“O problema é que ela [a arrecadação extra] dá a impressão de que a gente vai poder contar com isso por muito tempo, quando ela é, de fato, extraordinária. Não dá para se fixar nesse tipo de receita para resolver problemas fiscais”, diz Juliana Inhasz, coordenadora da graduação de economia do Insper. Para ela, a aprovação de grandes reformas macroeconômicas teria um impacto mais positivo nesse cenário.
Para Fabio Klein, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria Integrada, o problema de se colocar a cessão onerosa na conta da projeção de déficit é que não se sabe quanto de fato entraria, o que ajuda a explicar a divergência entre os cálculos do próprio governo. “Se vai entrar uma grana, o governo pode aproveitar que está mais certo que vai acontecer isso e desbloquear Orçamento, gastar um pouco mais sem descumprir a meta”, pontua.
Para além das receitas do pré-sal, outras “surpresas” também ajudaram a compor esse quadro. Eliane Teixeira dos Santos, professora da Saint Paul Escola de Negócios, cita outros três fatores: a queda da taxa de juros básica (Selic), a venda de dólares das reservas internacionais e ainda a devolução de recursos do BNDES ao Tesouro. Tudo isso ajuda a frear o crescimento da dívida pública, o que influencia o resultado final das contas públicas.
“Esses resultados melhores não significam que o governo tem que relaxar”, alerta Eliane. A perspectiva é de que a dívida pública siga crescendo. O Orçamento federal é muito engessado, principalmente por causa das despesas obrigatórias. E cortar os gastos no investimento público é escolher a pior ponta para cortar.
Meta conservadora
A meta de déficit primário projetada pelo próprio governo já era bastante conservadora. Fabio Klein, da Tendências, lembra que, mesmo em uma situação em que as perspectivas de crescimento da economia brasileira foram revisadas para baixo, já havia uma avaliação de que seria possível cumprir essa meta com folga e que o contingenciamento de verbas era até forte demais.
“A cessão onerosa só confirma ainda mais isso e, inclusive, cria argumento para o governo legitimar o desbloqueio das verbas”, aponta. Para ele, as medidas de controle do gasto público adotadas pelo governo foram bastante pesadas e precisam de um equilíbrio. Isso porque o custo de cumprir a meta fiscal e gerar paralisia na máquina pública pode ser caro demais.
Repensar os gastos públicos do governo é fundamental, aponta a professora Juliana Inhasz, do Insper. “A economia retrocedeu, isso fez com que a renda baixasse e diminuísse a arrecadação do governo. Mas é óbvio que tem uma questão de qualidade de gasto. Não se pode cortar tudo, mas tem que repensar os gastos e melhorar a eficiência”, pondera.
Atualmente, as duas principais despesas do governo são com a Previdência e folha de pagamento dos servidores. “Ninguém quer ver o gasto público necessariamente caindo, mas alocado de forma mais eficiente. Se não consegue melhorar a eficiência com realocação, aí sim que diminua os gastos”, argumenta, lembrando que é preciso obter recursos para investir em áreas sensíveis, como saúde, educação e infraestrutura.
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