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Entrevista

Rosângela Moro diz que Bolsonaro “vendeu uma coisa e entregou um pacote diferente”

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A advogada Rosângela Moro acaba de lançar um livro contando os bastidores da vida pessoal e profissional do marido, o ex-juiz federal da Lava Jato e ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Em Os Dias Mais Intensos, Rosângela conta como foram os anos de atuação de Moro na Lava Jato e os meses que passou como ministro do presidente Jair Bolsonaro. Em entrevista à Gazeta do Povo, ela disse que Bolsonaro “vendeu uma coisa e entregou um pacote diferente”, se referindo ao combate à corrupção – uma das principais bandeiras da campanha do atual presidente em 2018.

No livro, a advogada conta como conheceu Moro e como foram os primeiros anos de casamento, antes de o casal ter a vida virada de cabeça para baixo por causa da atuação de Moro na Lava Jato.

Ao longo da obra, Rosangela resgata alguns momentos marcantes da operação, como o dia em que Lula foi preso e a divulgação do áudio do telefonema entre o ex-presidente e a então presidente Dilma, que repercutiu país afora. Ela defende as decisões de Moro à frente do caso.

Sobre a passagem de Moro ao Ministério da Justiça, Rosângela cita a esperança sentida no início do mandato de Jair Bolsonaro, a quem se refere como um “outsider, que se propunha a mudar os rumos do país”. Mas revela que depois das "frituras" de Sergio Moro no governo começou a ver o cenário com outros olhos.

“Eu, vendo o governo como um todo, via o governo como um grande time. E, vendo essas frituras vindo do próprio Planalto, doeu bastante. Foi uma decepção pessoal”, disse Rosângela à Gazeta do Povo.

No livro, ela também critica a posição do governo com relação à pandemia da Covid-19 e conta que, ao se posicionar sobre o assunto em uma rede social, acabou tendo uma discussão com Moro. Segundo ela, o ex-ministro foi cobrado por Bolsonaro por causa desse post. Então, Moro pediu que ela apagasse sua postagem.

“Gerou esse estresse porque realmente, no governo, se você não concorda – não tô falando em crítica – se você não concorda, vira inimigo número um. E atribuem o que eu digo ao Sergio. Então foi um caos”, disse.

Leia a entrevista completa:

A senhora fala, no primeiro capítulo de seu livro, a respeito do capital político de seu marido. Mas, quando ele deixou o governo, viu muitos aliados e pessoas que defendiam a Lava Jato o chamarem de traidor e ficarem ao lado de Bolsonaro. O presidente, ao contrário do esperado, não perdeu capital político com a saída de Moro do governo. Isso o incomodou?

Rosângela Moro: Em primeiro lugar, não se trata de disputar quem tem mais popularidade, quem tem mais capital político. Na minha visão, o Sergio tem um capital político. Além disso, ele é uma pessoa muito técnica. Eu creio que ele foi convidado pelo presidente pela técnica que ele poderia exercer, assim como o presidente fez com outros ministérios. Inclusive era uma promessa de campanha dele que ele ia fazer um ministério de pessoas altamente técnicas. Ele montou um time de peso, com pessoas realmente técnicas em cada uma pastas – o que, depois, se perdeu ou ele não deu autonomia devida para os técnicos exercerem as suas técnicas.

Quando houve a ruptura, quando ele [Moro] entendeu que não tinha mais condições de exercer o trabalho que se propunha exercer, pelos motivos que ele mesmo falou, pediu para sair. Então eu não acho que tenha que ser uma disputa, de quem é mais popular, de quem tem mais capital político. Mas que Sergio Moro tem um capital político, isso eu não consigo dizer que não. Não consigo refutar isso.

A bandeira da luta contra a corrupção e a favor da Lava Jato foi crucial para a eleição de Bolsonaro. Mas a saída de Moro do cargo não teve um impacto tão grande como o esperado no governo. A senhora acredita que a pauta a favor da Lava Jato era, na verdade, apenas uma forma de apresentação da onda antipetista? 

Rosângela Moro: Não, de maneira alguma. Eu não consigo vincular a Lava Jato a "anti-isso" ou "antiaquilo". Eu acho que a Lava Jato tem o grande mérito de ter sido a maior operação de combate à corrupção que o país viu. Quem sabe a maior até fora do Brasil. Eu acho, na minha percepção, que a bandeira ‘precisamos combater a corrupção, precisamos combater o crime organizado, precisamos combater o crime violento’ foi uma bandeira, uma promessa de campanha, sim. Eu discordo quando você menciona que as pessoas não estão dando mais a devida importância para a Operação Lava Jato na medida em que na sociedade, o que eu vejo, é que as pessoas querem um país em que a lei é para todos e que seja um país sem corrupção. As pessoas se deram conta de que a corrupção compromete todos os segmentos da sociedade.

Eu acho que até o resultado das eleições… Veja, não estou falando que a Lava Jato tinha como alvo o PT. A Lava Jato alcançou pessoas de vários outros partidos. O que aconteceu é que a máquina estava sendo administrada pelo PT. Claro que quem se beneficiou dos atos de corrupção, em meio grau, foram o PT e seus aliados. Você não vai imaginar que as pessoas fossem dividir propina com as suas oposições. Isso não ia acontecer. Então eu discordo... Eu acho que, inclusive, o fato de o PT não ter tido um resultado satisfatório nas eleições municipais se deve também a isso. Acho que há um desconforto das pessoas, que vincularam o PT, que era detentor da máquina, com a corrupção. O PT, em nenhum momento se retratou. O PT, em nenhum momento, fez uma mea culpa. Sempre teve uma narrativa de perseguição política. E acho que as urnas falaram isso.

Eu não concordo que a pauta anticorrupção não é uma pauta importante para a sociedade. Muito pelo contrário. Acho que a Lava Jato não é uma bandeira do Sergio, não é uma bandeira do procurador; é uma bandeira da sociedade. E eu acho que essa pauta é muito importante para a sociedade. Acho sim que esse tema foi vendido na campanha, mas que o Planalto, por algum motivo, está se distanciando dessa pauta do combate à corrupção, do fortalecimento dos órgãos de controle e do enfrentamento ao crime de corrupção. E isso precisa ser cobrado porque ele foi eleito com essa bandeira.

Como foi para a senhora esse processo de fritura do então ministro Sergio Moro? Como foi acompanhar isso?

Rosângela Moro: Para a gente, era muito novo estar em Brasília. O Sergio era uma pessoa técnica. Em Curitiba, trabalhava trancado em seu gabinete, sozinho. Em Brasília, em que pese ser também um cargo técnico, mas, diferente do magistrado, o ministro precisa de um diálogo com os outros atores, com outras pastas, com o Parlamento, com os membros do Executivo. Então foi um aprendizado conhecer Brasília nesse sentido. Chamava a atenção que, quando uma pessoa não interessa mais para o governo, isso não ocorre com muita clareza. E é a regra do jogo: um empregador não quer mais um funcionário, dispensa. Mas aí eles vêm com aquela análise "perco capital político, não perco capital político". Então vem métodos de fritura, vem métodos atrapalhando a execução do projeto que ele teria para executar, dificultando, deixando o ministro órfão nas pautas que ele quer defender e nos projetos e resultados que ele quer apresentar… É meio que um "pede para sair". Acho que é um modus operandi. Eu discordo, não consigo concordar com esse modo. Nas é o sistema, é assim que funciona. E a gente viu isso também com outros ministros e outras pastas, esse método fritura.

Isso [a fritura de Moro] começou a acontecer em agosto do ano passado. Logo depois, o Planalto deu uma recuada, porque teve uma manifestação, as pessoas na rua. E o Sergio ficou enquanto pôde levar em frente os projetos de enfrentamento da corrupção ele levou, até o momento em que ele achou que não tinha mais condições, quando aconteceu a troca nos dirigentes da Polícia Federal sem o critério dele. E não que o novo dirigente [da PF] não fosse bom; não era isso. É que ele [Moro] não tinha como dar o resultado que ele esperava dar se não tivesse no comando dele essas principais funções-chave. Seria a mesma coisa que querer fazer o presidente descer goela abaixo um ministro com o qual ele não tem uma linha de trabalho.

Como esposa e mãe, claro, eu vi o Sergio, ele nunca quis cargo. Essa história do convite [para Moro ser ministro] nos pegou meio de surpresa. A gente tinha uma viagem programada para fora do Brasil. O Sergio não aceitou esse convite por causa de cargo. Até porque eu sempre digo que cargo ele já tinha. Você comparar um cargo de ministro com um cargo de juiz... O cargo de juiz é para a vida inteira e não troca a cada quatro anos, conforme troca o presidente. Não estou falando que o cargo de juiz é melhor. São cargos diferentes. Mas o que dá uma segurança ao longo da vida é o cargo de juiz e não o cargo de ministro. E Sergio abriu mão desse cargo. Foi pego de surpresa. Ele achou que podia sedimentar [as conquistas da luta anticorrupção], articulando com o Parlamento para reformular a legislação. O pacote anticrime não foi aprovado com a redação que teria se dependesse unicamente do Sergio. Faz parte do debate do Parlamento. Mas a frustração é quando o próprio Planalto não encampava os projetos. Você ter uma negativa daquilo que você propõe vindo do outro poder é natural. É o Estado democrático; faz parte do debate. Mas, quando vem do próprio Planalto, que te convidou para exercer justamente aquele trabalho, algo não está batendo.

Como mãe e como esposa, doeu. Doeu bastante porque a gente tem sido vítima de ataque e de fritura e um monte de coisa há muito tempo. Mas vinham de pessoas de fora. Eu, vendo o governo como um todo, eu via o governo como um grande time... E, vendo essas frituras vindo do próprio Planalto, doeu bastante. Foi uma decepção pessoal. Em agosto [de 2019], senti que isso [a saída do governo] era uma questão de tempo porque Sergio não estava lá para ser subverniente para ninguém. Eu conheço ele. Ele vai fazer aquilo que acha que é certo, se te agrada ou não te agrada. Se não fosse assim, ele não teria condenado as pessoas que ele condenou. Então, como mãe e esposa, claro que doeu. Entendi que a regra do jogo é essa. Não gosto, não concordo, acho que isso tem que mudar e foi o que aconteceu. No meu íntimo, uma luz acendeu. Minha intuição feminina falou: ‘é uma questão de tempo’. Então ninguém vai para Brasília, a gente fica no bate e volta de avião e cada um vai trabalhar.

Gazeta do Povo: A senhora diz que sabia que mais dia, menos dia, o sistema detonaria Moro para impedir avanços anticorrupção. Foi o que ocorreu na Itália, com a Operação Mãos Limpas. Não passou pela cabeça de vocês que o mesmo aconteceria aqui?

Rosângela Moro: O convite para aceitar o cargo foi direcionado ao Sergio. Eu sempre vi – seja como juiz, seja como ministro – não era o cargo... Era o trabalho daquilo que ele estudou a vida inteira, que ele sempre se dedicou a estudar a lei, por força da Lava Jato e da titularidade de uma vara criminal de lavagem de dinheiro. Não é um cargo; é a profissão dele. As pessoas querem ser felizes em suas profissões. Então, quando a gente conversou a respeito desse convite, eu deixei para ele muito claro: "A decisão tem que ser tua e eu vou te apoiar qualquer que ela seja". Porque eu não quero conviver com ninguém frustrado do meu lado; isso acaba até com o casamento. Eu vejo mais do que o cargo; eu vi o lado da pessoa. Ele acreditou que podia fazer isso [avançar nas medidas contra a corrupção]. Teve esse convite, teve essa oportunidade. E tinha um novo governo recém-formado encampando esse assunto. Foi um momento de todo mundo esperançoso com o Brasil. Mas [Bolsonaro] vendeu uma coisa e entregou um pacote diferente. Foi mais ou menos isso que aconteceu. Mas, sendo bem específica, eu via também como uma profissão para ele [Moro]. Ele ficou muito focado. Claro que a gente sabia os prós e os contras. Eu falei: "A tua decisão eu vou apoiar, porque marido frustrado do meu lado eu não quero".

Como vocês enxergam o governo Bolsonaro hoje? A senhora se arrepende no voto no presidente?

Rosângela Moro: A gente tem que pensar sempre em uma questão de aprendizado. Eu tô esperando para ver que marca o Bolsonaro vai deixar. Eu ainda não vi nenhuma. O coronavoucher é importantíssimo, está atendendo às pessoas. Mas o coronavoucher não foi um projeto de governo que ele tinha pretensão de apresentar. Foi uma questão pontual que se estendeu. É uma exceção, uma situação excepcional para atender as pessoas diante dessa pandemia que pegou todo mundo de surpresa. Eu espero ver uma marca legal do governo Bolsonaro nos próximos anos. Vamos esperar para ver o que vem. Porque hoje eu não posso dizer nenhuma marca; não vi nada.

A senhora fala muito em seu livro da vontade de passar um ano com a família no exterior para estudar. O que podemos esperar de vocês no futuro?

Rosângela Moro: Agora viramos um capítulo – ele, e eu por tabela – de estarmos na vida pública, politicamente e publicamente expostos. Esse é um dos motivos pelos quais eu escrevi o livro. Agora, a gente vai precisar ter um pouquinho de privacidade.

E ele [Moro] realmente aceitou esse convite [para o cargo de uma consultoria de compliance empresarial]. Ele não é advogado; tem OAB mas não é advogado. Mas o convite não é para advogar. A gente tem que entender que, se tem a corrupção na esfera pública, é porque tem alguém na esfera privada pagando. Então é um trabalho muito importante a ser feito, de compliance, de integridade, com essas grandes corporações. Ele tem muita experiência nisso. Ele recebeu esse convite e aceitou.

O que eu posso te falar que está nos nossos planos é a gente trabalhar cada vez mais, pagar boletos, criar os filhos, pagar luz, internet, telefone, escola, como qualquer pessoa.

Muito se especula do futuro político do Moro e de uma possível candidatura à Presidência em 2022. Vocês conversam sobre isso? Qual a sua opinião sobre essa possibilidade?

Rosângela Moro: É uma coisa que não está no nosso radar. A gente está em 2020. Não é justo atribuir responsabilidade pelo que as pessoas falam, pelo que as pessoas manifestam para cima da gente. O Sergio nunca se colocou como candidato. E o foco dele agora é se reinserir na profissão, na iniciativa privada. Tem a questão da pandemia que pegou todo mundo de surpresa. Nunca escondi de ninguém que meu maior sonho é estudar fora. Não fosse a pandemia, teria sido uma excelente oportunidade. Mas o Brasil, com esses números enormes de casos, com essa condução negacionista [da pandemia], deixou nosso país uma persona non grata na comunidade internacional. Por causa da Covid a gente não pode ir para lugar nenhum. Não fosse a pandemia, a quarentena jurídica dele teria sido uma excelente oportunidade para fazer o que eu gostaria de fazer [estudar no exterior].

A senhora conta no livro que vocês chegaram a discutir justamente por causa da sua posição sobre a pandemia em uma postagem nas redes sociais. Como foi esse episódio para a senhora?

Rosângela Moro: As pessoas atribuem o que o Sergio fala a mim e o que eu falo a ele. Isso não existe. Também sou gente. Também existo e eu também posso me manifestar. Eu nunca fui, nem tenho a pretensão de ser "influencer" e nem nada. Mas, se algumas pessoas tiveram a curiosidade de ouvir o que eu tenho a dizer e se, com isso eu puder mostrar para as pessoas: "Olha, vamos pensar grande, ver o que é melhor"...

Não é minha função ser comentarista política e não é minha função ficar criticando o governo. Só que, quando se tratou de saúde, por eu ter um trabalho com as pessoas com doenças raras desde 2012, não consegui me silenciar. Porque é o meu trabalho, sabe? A gente luta todo dia por uma implementação no SUS, que segue uma via crucis, um caminho surreal para conseguir implementar uma proposta depois que a Anvisa aprova. O lema é: medicina baseada em evidência, comprovação de eficácia, segurança. Ou seja, a Covid não é uma doença rara porque ela não entra no conceito da OMS. Mas, se você olhar para a questão que a doença rara é desconhecida, a Covid ainda é muito desconhecida. Então o raciocínio que eu fiz foi, se para a doença rara desconhecida tem todo um protocolo para seguir, baseado na ciência, como que para a Covid vai se dizer o que é melhor ou não por decreto?

Eu não fiz isso para provocar o presidente. Eu não sou comentarista. Não é a minha função. Mas, quando se trata de medicina, que é minha área, o trabalho é com a ciência, não é achismo. Achismo é um perigo. Vamos ouvir os médicos.

Me dava uma certa tranquilidade saber que o ministro da Saúde era um médico. Porque eu não me lembro de um ministro da Saúde anterior ao Henrique Mandetta que fosse médico, e de um médico que está sempre em eventos, em congressos, que tinha alguma experiência com o SUS. Dava sim um alento.

[O episódio da postagem] gerou esse estresse porque realmente, no governo, se você não concorda – não tô falando em crítica – se você não concorda, vira inimigo número um. E atribuem o que eu digo ao Sergio. Então foi um caos. O Sergio pediu [para apagar o post]. Eu falei: "Olha, você quer ser feliz ou quer ter razão? Mas não vou fazer disso um inferno. Então, tá bom: apago. Já está dito mesmo". Mas é um absurdo tratar a doença dessa maneira. Não concordo. Sou revoltadíssima com esses números. Morro de medo da Covid. Nunca mais entrei em um avião. Morro de medo.

Gazeta do Povo: Se dependesse da senhora, Moro sai candidato ou não sai?

Rosângela Moro: Olha, você está tentando comer pelas beiradas! Realmente, isso você tem que perguntar para o Sergio Moro. Ele vai poder te dar a melhor resposta. Eu não vi ele se colocando como candidato em nenhum momento. E a nossa preocupação, foi muita mudança na nossa vida, muita... De uma hora para outra, um braço da nossa casa está em Brasília. De uma hora para outra, está todo mundo aqui [em Curitiba] de novo. Agora vem esse novo trabalho que ele vai exercer no Brasil, mas também com alguma viagem de trabalho ocasional. Então foi muita mudança. A gente está realmente focado em 2020, em pagar as contas no final do mês e atravessar essa pandemia. Torcer para a vacina chegar, se Deus quiser.

Se a senhora tiver que escolher entre ser primeira-dama ou estudar fora?

Rosângela Moro: Não vamos trabalhar com especulação!

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