O Supremo Tribunal Federal retorna nesta terça-feira (1º) do recesso de julho com uma pauta recheada de temas progressistas, e que tende a se intensificar nos próximos meses. Nesta semana, o plenário retoma a análise de uma ação que pode descriminalizar o porte de drogas para consumo pessoal. Até o final de setembro, é aguardada a continuidade do julgamento que pode pôr fim ao marco temporal para demarcação de terras indígenas. Há expectativa ainda de que, até lá, a Corte comece a julgar outra ação que pode descriminalizar o aborto.
Esses três processos devem marcar o fim da presidência de Rosa Weber na Corte. Ela se aposenta no fim de setembro, pouco antes de completar 75 anos, idade-limite para permanência na magistratura. Em seu lugar no comando do STF entrará Luís Roberto Barroso. Ele terá dois anos de mandato, durante os quais a agenda progressista tende a ganhar mais força. Seu foco inicial deve ser a pauta ambiental.
Outra mudança no tribunal é a chegada de Cristiano Zanin, que toma posse na quinta-feira (3). Durante sua campanha para ser ministro, opositores no campo da esquerda espalharam na imprensa a pecha de que ele, no fundo, seria conservador. Ele aproveitou o boato para se apresentar à direita no Senado como um pai de família, e assim foi aprovado com folga. O foco das atenções está em como será a atuação dele, especialmente nos casos envolvendo a pauta moral e de costumes.
O julgamento sobre drogas começou em 2015 e já tem três votos para retirar a pena dos usuários. A lei atual não pune o porte com prisão, mas com advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programa ou curso.
Ainda assim, Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso entenderam que a criminalização estigmatiza dependentes e viola a privacidade. Se a tese prevalecer, a tendência é que seja definida uma quantidade limite, abaixo da qual a pessoa flagrada com a droga será considerada usuária e acima da qual será enquadrada como traficante.
O próximo a votar é Alexandre de Moraes, que historicamente defende a punição dura para o tráfico de drogas. O ministro tem origem no Ministério Público de São Paulo, favorável à permanência da criminalização para o porte. Dificilmente o julgamento chegará a um desfecho. A tendência é que um dos ministros peça nova vista e adie a decisão. A diferença é que agora haverá prazo de 90 dias corridos para a devolução do processo. Findo o período, caberá à Presidência do STF definir nova data para retomada do julgamento.
O mesmo deve acontecer com o julgamento do marco temporal da demarcação de terras indígenas. Ele foi interrompido em junho por um pedido de vista de André Mendonça, que prometeu devolver o processo no prazo. Na ocasião, Rosa Weber indicou ao ministro querer votar nesse julgamento. Como presidente do STF, ela é a última a votar nos julgamentos e por isso uma decisão deve ser proclamada na retomada desse caso. A tese do marco temporal diz que tribos não podem reivindicar terras que não tenham sido ocupadas por elas até a promulgação da Constituição de 1988. No Congresso, a bancada do agro quer consolidar essa regra, que restringe as demarcações.
Por fim, há expectativa que Rosa Weber também paute uma ação do PSOL que busca descriminalizar o aborto até a 12ª semana de gestação, em todos os casos. Hoje, o aborto é permitido em caso de risco de vida para a mãe, de estupro ou em casos de fetos anencéfalos. A ministra é relatora e assim a primeira votar. Dificilmente, no entanto, uma decisão será tomada em breve, pois é altamente provável que algum ministro peça vista.
Outros julgamentos
Nesta terça, antes da entrada de Zanin, o plenário julga uma ação com forte carga simbólica: os ministros vão confirmar a proibição das alegações de “legítima defesa da honra” em casos de feminicídio. Trata-se de uma linha de defesa por vezes usada na Justiça por homens que agridem ou matam suas companheiras acusando-as de traição. A maioria já votou por sua inconstitucionalidade, apontando que ela incorre em “naturalização e perpetuação da cultura de violência contra as mulheres”. O julgamento deve ser concluído durante a tarde.
Na mesma sessão, os ministros podem julgar outra ação, que discute se um tribunal de segunda instância pode determinar a realização de novo júri, caso a absolvição de um réu tenha ocorrido em suposta contrariedade à prova dos autos. Julgamentos realizados por jurados ocorrem quando uma pessoa é acusada de crimes contra a vida, como homicídio. A Constituição diz que a decisão deles é soberana, mas isso agora pode ser relativizado, quando eles livram um suspeito de punição mesmo quando as provas apontam a culpa.
Outro tema caro para Rosa Weber, e que deve voltar à pauta nas próximas semanas, é a situação dos presídios no Brasil. Em 2015, o STF declarou um “estado de coisas inconstitucional” no sistema penitenciário brasileiro. Ao reconhecer a violação sistemática de direitos da população carcerária, a Corte proibiu o contingenciamento de bilhões do Fundo Penitenciário Nacional, obrigando os estados a investirem na construção e reforma das prisões.
A ação ainda tramita e no julgamento de mérito, prestes a ser marcado, os ministros poderão avaliar as medidas adotadas para mitigar o problema e determinar novas providências. Neste mês de julho, Rosa Weber visitou cinco estados – Mato Grosso, Rio Grande do Norte, Bahia, Minas Gerais e São Paulo – para incentivar os mutirões carcerários, nos quais juízes fazem um esforço concentrado para revisar prisões. O foco é tirar da cadeia pais de menores, quem já cumpriu a pena ou tem direito a progredir para os regimes semiaberto ou aberto.
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