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Parlamentares ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) têm alertado que o Brasil ou autoridades nacionais, como o ministro Alexandre de Moraes, podem sofrer retaliações dos Estados Unidos, especialmente se Donald Trump retornar à Casa Branca em 2025. A legislação americana permite a aplicação de sanções contra estrangeiros por violações de direitos humanos, mas analistas consideram esta uma medida com poucas chances de ser levada adiante, por fatores geopolíticos e diplomáticos.
Em público, parlamentares que vêm denunciando internacionalmente excessos do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) contra a direita negam o desejo pela aplicação de sanções econômicas ao Brasil, mas nutrem a expectativa de restrições individuais, especialmente sobre Moraes.
“Quando o Trump for eleito, ele terá mais conforto ainda para corrigir essa injustiça aqui do Brasil. Já existe lei nos Estados Unidos para fazer esse tipo de coisa. A Venezuela, por exemplo, tem vários ativos congelados nos Estados Unidos, devido ao seu envolvimento com o narcotráfico, devido a todas as questões de liberdade. E esse deputado, Chris Smith, já aprovou uma lei nesse sentido contra a Bielorrússia, a última ditadura da Europa”, disse, no início deste mês, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), em Balneário Camboriú (SC), no CPAC Brasil.
O irmão e senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foi na mesma linha em entrevista ao programa Roda Viva, em abril, ressalvando ser contra sanções. “Não estou defendendo, estou dizendo que pode acontecer. Sanções podem ser impostas com a percepção de que a democracia não é plena aqui”, afirmou.
Em sua declaração, Eduardo Bolsonaro mencionou o deputado americano Chris Smith, do Partido Republicano, que em junho enviou a Alexandre de Moraes uma carta solicitando informações para esclarecer “relatos alarmantes” de perseguição política, falta de liberdade de expressão e má conduta judicial no Brasil. Smith, que preside o Subcomitê de Direitos Humanos da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados dos EUA, mencionou indícios de “graves violações de direitos humanos” pelo Estado brasileiro, mas não recebeu resposta do STF e de Moraes.
A lei americana que permite sanções individuais contra estrangeiros citada por Eduardo Bolsonaro de fato existe e foi aprovada em 2012, inicialmente voltada apenas para oligarcas russos envolvidos em corrupção. É chamada de Lei Magnitsky, em homenagem ao “whistleblower” Sergei Magnitsky, advogado que denunciou um enorme esquema de corrupção na Rússia e que foi torturado e morto na prisão em 2009.
Sanções são aplicadas com decreto presidencial
Ampliada em 2016 para cidadãos de qualquer país, a legislação permite que estrangeiros envolvidos em grandes esquemas de corrupção e violadores de direitos humanos sofram restrições variadas nos EUA.
A norma autoriza que Departamento de Estado, que cuida das relações exteriores, negue ou revogue vistos e que o Tesouro congele ativos dessas pessoas no território americano. Uma medida mais drástica é a proibição de cidadãos e empresas submetidos às leis dos EUA de manter relações comerciais e financeiras com os violadores.
Pela Lei Magnitsky, basta um decreto do presidente americano para incluir pessoas na “lista cinza”, como é chamada a relação dos alvos. Em 2017, quando era presidente, Trump editou um decreto para regulamentar a aplicação da lei, sob o argumento de que abusos aos direitos humanos e corrupção cometidos fora dos EUA chegaram a um nível tão grave que passaram a ameaçar a estabilidade do sistema político e econômico internacional.
“A violação dos direitos humanos e a corrupção minam os valores que constituem a base essencial de sociedades estáveis, seguras e funcionais; têm impactos devastadores sobre os indivíduos; enfraquecem as instituições democráticas; degradam o Estado de direito; perpetuam conflitos violentos; facilitam as atividades de pessoas perigosas; e minam os mercados econômicos. Os Estados Unidos procuram impor consequências tangíveis e significativas àqueles que cometem graves violações dos direitos humanos ou se envolvem em corrupção, bem como protegem o sistema financeiro dos Estados Unidos de abusos por parte dessas mesmas pessoas”, escreveu Trump no decreto.
"Lista cinza" dos EUA inclui estrangeiros com endereço no Brasil
Atualmente, a “lista cinza” elaborada pelo Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (“Office of Foreign Assets Control”, OFAC) contém milhares de nomes de cidadãos e empresas, com grande número de suspeitos de ligação com o terrorismo, especialmente radicais islâmicos. Alguns deles, entre libaneses, egípcios e turcos, têm endereço no Brasil, especialmente em cidades de fronteira com o Paraguai, como Foz do Iguaçu (PR) e Ponta Porã (MS).
Por causa do perfil desses estrangeiros, é improvável, entre conhecedores do assunto, que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) entre numa lista assim, apesar das conhecidas objeções a decisões contra pessoas presas na invasão das sedes dos Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro do ano passado.
Vários presos se queixam de passarem meses na cadeia sem denúncia – caso de Débora Rodrigues dos Santos, acusada de tentativa de golpe de Estado por pichar, com batom, a frase “Perdeu Mané” na estátua da Justiça em frente ao STF. Mãe de duas crianças, ela foi recentemente transferida para um presídio a 125 quilômetros de onde mora a família.
Outro caso notório é o do ex-assessor internacional de Bolsonaro, Filipe Martins, preso desde o início deste ano por suposta participação na tentativa de golpe e preso pela suspeita inicial da Polícia Federal de que ele teria deixado o Brasil no fim de 2022 burlando o sistema migratório – a defesa já provou de diversas formas que ele nunca deixou o país e nunca tentou fugir.
Questões geopolíticas e econômicas dificultariam sanções contra Moraes
A professora de relações internacionais e especialista em direitos humanos Renata Alvares Gaspar vê empecilhos de ordem jurídica e política para um ministro do STF ou um delegado da PF ser incluído na lista cinza dos EUA. Em primeiro lugar, porque o Brasil é considerado um país democrático pelo Estado americano e não um regime tirânico e inimigo, como a Rússia, Irã, Coreia do Norte, por exemplo. Em segundo lugar, é um aliado e amigo histórico dos EUA.
“Pegaria muito mal no mundo, porque é um ato político. Sejam democratas, ou republicanos, os políticos americanos fazem uma conta muito séria do impacto desse tipo de decisão. Eles sabem que as decisões do Alexandre de Moraes são de uma instituição que funciona, e portanto, ele não está tomando uma decisão individual”, afirma.
O argumento é que, aos olhos dos EUA, eventuais excessos seriam reversíveis dentro do próprio Judiciário – ou seja, é uma questão que se resolveria internamente.
Renata lembra que a hipótese de uma sanção individual dos EUA foi levantada quando a ex-presidente Dilma Rousseff era candidata em 2010. Na época, surgiu a especulação de que, por causa do passado de guerrilheira de esquerda na ditadura militar, ela poderia ser impedida de entrar nos EUA, algo que nunca foi cogitado pelas autoridades americanas.
Em geral, sanções contra violadores de direitos humanos são aplicadas quando as vítimas são mais numerosas (uma minoria étnica ou parte de uma população vulnerável) ou quando são perseguidas justamente por denunciar os abusos (caso de ativistas de direitos humanos, por exemplo). Ainda assim, há críticas contra sanções unilaterais, em razão da existência de organismos internacionais, compostos por representantes de vários países, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos (que aplica sanções contra Estados) e o Tribunal Penal Internacional (que pune autoridades acusadas de genocídio e outros crimes contra a humanidade).
Outro obstáculo seria de ordem econômica. Os Estados Unidos são o país que mais investe no Brasil e uma medida assim, tipicamente aplicada a cidadãos de países ou organizações inimigas, poderia tensionar gravemente as relações diplomáticas e aproximar o Brasil ainda mais de potências com a China, maior rival dos americanos na geopolítica mundial.
Amizade de Trump com Elon Musk é um fator a se considerar
Professor de relações internacionais da ESPM, Gunther Rudzit considera possível a aplicação de alguma medida contra autoridades brasileiras, levando-se em conta o fato de Trump ser amigo e contar com forte apoio de Elon Musk, que tornou-se um crítico ferrenho de Moraes em razão das ordens de censura lançadas contra a rede social X.
“Contudo, caso o líder da Venezuela, Nicolás Maduro, não realize as eleições ou não reconheça o resultado, os Estados Unidos precisarão do apoio do Brasil para alguma ação política ou econômica. Assim, produzir uma crise conosco não seria benéfico para o interesse maior americano que é tirar Maduro do poder. Mas com Trump, tudo é possível”, pondera.