“Não existe grupo de militares nem grupo de olavos aqui. Tudo é um time só”. A declaração dada pelo presidente Jair Bolsonaro nesta segunda-feira (6), emendada por uma nova publicação sobre o assunto nesta terça (7), foi uma tentativa de diminuir mais uma crise criada entre apoiadores de sua gestão. Na controvérsia mais recente, o alvo é o titular da Secretaria de Governo, o ministro Santos Cruz, em uma disputa que envolve diferentes grupos e resvala na demissão de Letícia Catelani da diretoria da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).
Apesar da fala de Bolsonaro, será difícil para o governo reverter os efeitos de mais um racha. A briga se instalou desde do último fim de semana e teve entre seus protagonistas o filósofo Olavo de Carvalho, ideólogo do núcleo familiar do governo. Olavo subiu o tom contra Santos Cruz, chamando o ministro de “politiqueiro de merda”, “um nada” e dizendo que ele quer “controlar a internet”.
A partir das críticas de Olavo, lideranças políticas pró-Bolsonaro começaram a se manifestar contra e a favor do filósofo. Os deputados federais Alexandre Frota e Carla Zambelli, ambos do PSL-SP, contestaram o posicionamento de Olavo e enalteceram o currículo de Santos Cruz. Já o jornalista Allan dos Santos, editor do site Terça Livre e apoiador do governo Bolsonaro, endossou os ataques ao ministro e teve alguns de seus comentários reproduzidos por lideranças do PSL, como o deputado federal Filipe Barros (PR).
Mas o posicionamento mais incisivo contra Olavo de Carvalho veio por parte do general Villas Boas, ex-comandante do Exército, que atualmente compõe a equipe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência. O general disse que Olavo de Carvalho vive em um “vazio institucional”, que ele “age no sentido de acentuar as divergências” e que ele seria o “Trotsky da direita”, em referência ao líder russo que teria traído a revolução socialista em seu país.
Estopim: a declaração do general à Jovem Pan
A briga recente foi deflagrada por uma declaração de Santos Cruz à rádio Jovem Pan, em que ele pediu “cuidado” no uso das redes sociais e demandou um avanço na legislação sobre o tema: “Pode até ser um instrumento de governo para divulgação de algumas ideias, de alguns projetos, mas tem que ser utilizada com muito cuidado, para evitar distorções, e que vire arma nas mãos dos grupos radicais, sejam eles de uma ponta ou de outra. Tem de ser disciplinado, até a legislação tem de ser aprimorada, e as pessoas de bom senso têm de atuar mais para chamar as pessoas à consciência de que a gente precisa dialogar mais, e não brigar.”
A fala foi contestada por bolsonaristas principalmente pelo fato de que as redes sociais foram um dos principais mecanismos de fortalecimento do grupo do presidente da República durante o período eleitoral. Filiado a um partido pequeno e crítico da linha editorial da maior parte dos veículos de comunicação, Bolsonaro identificou nas redes um meio para estabelecer “contato direto” com os cidadãos. Na Presidência, tem dado continuidade ao expediente, promovendo “lives” em plataformas como Facebook e Twitter.
No domingo (5), Bolsonaro escreveu em seu perfil no Twitter: “Em meu Governo a chama da democracia será mantida sem qualquer regulamentação da mídia, aí incluída as sociais. Quem achar o contrário recomendo um estágio na Coréia do Norte ou Cuba”. A fala foi interpretada como uma resposta à declaração de Santos Cruz.
O que realmente está em jogo?
As opiniões sobre as redes sociais, entretanto, são apenas um dos pontos de colisão entre Santos Cruz e os “olavistas”.
Um dos focos de controvérsia está no protagonismo que os militares têm no governo Bolsonaro. A atuação de ministros como Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura), Bento Albuquerque (Minas e Energia), Augusto Heleno (GSI) e do próprio Santos Cruz tem sido alvo de críticas de setores do governo por ser mais tecnicista do que a de outro grupo de ministros, como Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Damares Alves (Direitos Humanos) e Abraham Weintraub (Educação), que trabalhariam de forma mais “ideológica”. Para alguns apoiadores de Bolsonaro, a postura de Araújo, Damares e Weintraub estaria mais condizente com o programa de governo apresentado pelo presidente durante as eleições - e, portanto, caberia aos militares modificar sua linha de atuação, não o oposto.
Além dos ministros, outro militar em conflito constante com a ala “olavista” do Bolsonarismo é o vice-presidente General Mourão. Ele já foi atacado publicamente em diversas ocasiões pelo vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, e pelo próprio Olavo de Carvalho. Na segunda-feira (6), Mourão disse que não comentaria os disparos verbais de Olavo contra Santos Cruz.
A disputa entre “militares” e “ideológicos” ocorre também porque os apoiadores de Bolsonaro alinhados com Olavo de Carvalho alegam que Santos Cruz e outros ministros não se empenham na chamada “guerra cultural”, uma das principais vertentes do bolsonarismo. Os “olavistas” cobram empenho de outros integrantes do governo em temas como críticas ao comunismo, enfraquecimento de organizações de esquerda e de grupos de mídia que, para eles, são contrários à gestão do presidente da República.
Uma das “armas” na briga contra Santos Cruz foi um vídeo em que o ministro, ainda antes do governo Bolsonaro, diz que entidades como o Viva Rio e o Sou da Paz devem participar de discussões sobre o combate à violência. As instituições, por defenderem o desarmamento, posicionam-se na linha ideológica oposta à dos apoiadores de Bolsonaro. Em outro vídeo, que foi repercutido por Olavo de Carvalho, o general Villas Boas faz elogios ao ex-ministro Aldo Rebelo - que atualmente está no Solidariedade, mas por décadas foi uma das principais lideranças do Partido Comunista do Brasil.
A disputa ideológica tem também desdobramentos no Ministério da Educação. Ex-assessor da pasta, o cientista político Silvio Grimaldo postou em mais de uma ocasião em suas redes sociais que os militares desejam retirar os “olavistas” da Educação.
A Apex no meio da confusão
A demissão de Letícia Catelani da diretoria da Apex, anunciada na segunda-feira (6), é outro componente de tensão no governo. Ela foi desligada do cargo após a indicação de Ricardo Segovia Barbosa para a presidência da instituição. Segovia é também militar, contra-almirante da Marinha.
Catelani teve protagonismo na campanha de Bolsonaro durante o período eleitoral e foi também dirigente do PSL em São Paulo. Nas redes sociais, a agora ex-diretora costumava citar que havia barrado contratos que privilegiariam “amigos do rei” e que tinha tomado decisões que trariam economia aos cofres públicos. A atuação dela era também celebrada pelo núcleo “ideológico” do Bolsonarismo por, na visão deste grupo, impedir que a agência fomentasse produções culturais de viés esquerdista. “O General Santos Cruz quer retirar a @LeticiaCatel da APEX por ela cortar verbas de artistas de esquerda. Para isso, deseja colocar um militar que não domina sequer a língua inglesa, tão necessária para a agência. O objetivo é derrubar @ernestofaraujo”, escreveu o jornalista Allan dos Santos em seu perfil no Twitter, em referência também ao ministro das Relações Exteriores. O “militar que não domina a língua inglesa” é Segovia. Santos declarou também que Santos Cruz seria contrário à transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, proposta enaltecida por Bolsonaro e contestada por empresários nacionais que negociam com países árabes.
Perfil: Quem é Santos Cruz
O general Carlos Alberto Santos Cruz foi anunciado como ministro do governo Bolsonaro em 26 de novembro de ano passado, pouco menos de um mês após o segundo turno das eleições.
Sua indicação para a Secretaria de Governo foi considerada uma surpresa pelo perfil da pasta - todos os antecessores de Santos Cruz são políticos que exerceram mandatos eletivos e já foram figuras de destaque em seus partidos, como Ricardo Berzoini (PT), Geddel Vieira Lima (MDB) e Antonio Imbassahy (PSDB). O último ocupante do posto antes do governo Bolsonaro, Carlos Marun, foi deputado federal pelo MDB do Mato Grosso do Sul e ganhou notoriedade ao se colocar na linha de frente da defesa do ex-presidente Michel Temer e do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.
Apesar de não deter perfil político, Santos Cruz vinha, até o momento, tendo uma atuação elogiada por integrantes de diferentes partidos. O líder do PRB na Câmara, Jhonatan de Jesus (RR), chegou a dizer em fevereiro que Santos Cruz era o “melhor ministro” da gestão Bolsonaro.