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Transição de governo

Segurança de Lula tinha alertas da Abin sobre riscos antes do 8 de janeiro, diz jornal

O paulista Wellington Firmino foi preso nos atos de 8 de janeiro de 2023
Relatórios elaborados pela Abin à PF alertavam para risco do 8 de janeiro. (Foto: André Borges/EFE)

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No período de transição de governo no fim de 2022, a equipe de segurança de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), composta majoritariamente por policiais federais, teria recebido uma série de relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) alertando para o que poderia acontecer contra a sede dos Três Poderes. Os documentos detalhavam movimentações que antecederam os atos de 8 de janeiro de 2023, incluindo também a tentativa de invasão à sede da Polícia Federal em 12 de dezembro de 2022 e até riscos a Lula, com a tentativa de acesso ao andar no hotel onde o presidente eleito estava hospedado na época.

A informação é da Folha de S. Paulo, que divulgou trechos do que seriam relatórios da Abin produzidos ainda em dezembro daquele ano e enviados à equipe de segurança de Lula. A tese coloca em xeque afirmações da Polícia Federal (PF) de que não tinha recebido informações precisas antecipadas sobre os atos que culminaram no 8 de janeiro.

Entre as informações enviadas pela Abin estavam, segundo o jornal, detalhes sobre veículos que circularam nas proximidades do hotel onde o presidente eleito estava hospedado, perfis de militantes que seriam considerados “potencialmente perigosos” e relatos de um homem que tentou acessar, por duas vezes, o andar ocupado por Lula no hotel.

Os relatórios revelariam, segundo a Folha de S. Paulo, um monitoramento prévio de possíveis ameaças, mas sugerem que as informações não foram plenamente exploradas, indicando que, caso os dados tivessem sido devidamente trabalhados, poderiam ter facilitado o rastreamento de envolvidos nos atentados aos prédios dos Três Poderes em 8 de janeiro. A Gazeta do Povo procurou a PF e a Abin questionando a elaboração, envio e conteúdo dos tais relatórios, mas até a publicação da reportagem não obteve retorno.

Os relatórios teriam sido produzidos pela Abin no contexto de um grupo de trabalho liderado por Andrei Rodrigues, então chefe da segurança de Lula e atualmente diretor-geral da Polícia Federal. O grupo criado durante a transição contou com a participação de integrantes da Abin e da PF. Porém, à época, descreve a reportagem, havia desconfiança por parte de Rodrigues em relação à gestão dos serviços de inteligência sob o governo de Jair Bolsonaro (PL).

No entanto, os documentos da Abin continham nomes de pessoas envolvidas em manifestações no entorno do hotel onde Lula se hospedou durante a transição, sendo esses indivíduos posteriormente identificados como participantes de atos violentos, como a tentativa de explosão no aeroporto de Brasília em dezembro de 2022 e os atos do 8 de janeiro de 2023. Entre os mencionados, estavam o blogueiro Wellington Sousa, preso por supostamente tentar explodir uma bomba no entorno do aeroporto de Brasília, e o major aposentado Cláudio Santa Cruz, apontado por liderar acampamentos em frente ao QG do Exército na capital federal.

Segundo a reportagem da Folha, desde 5 de dezembro de 2022, a Abin teria produzido pelo menos três relatórios sobre movimentações suspeitas em volta do hotel em que Lula estava. Um deles, datado de 11 de dezembro, identificou 15 participantes de um protesto supostamente liderado por Oswaldo Eustáquio, que é considerado foragido pela justiça brasileira.

Um segundo relatório seria de 14 de dezembro e teria identificado 21 pessoas envolvidas em outra manifestação, na mesma área, no dia da diplomação de Lula no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na madrugada do mesmo dia, manifestantes tentaram invadir o prédio da PF após a prisão do indígena Serere Xavante.

Outro relatório, de 31 de dezembro, véspera da posse de Lula, descreveria um episódio em que uma pessoa tentou acessar o andar do hotel onde o presidente estava hospedado. Também apontou a presença de veículos ligados a acampamentos que rondavam o local. Entre eles, uma caminhonete usada pelo indígena Serere Xavante no momento de sua prisão.

Apesar do detalhamento das ameaças, um relatório da PF teria concluído que houve falhas na coordenação e no fluxo de informações da Abin, o que comprometeu a prevenção das invasões aos prédios dos Três Poderes. O documento encaminhado pela PF ao Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que as informações da Abin, essenciais para evitar os atos, não foram compartilhadas com todos os responsáveis pela segurança.

Alertas de inteligência da Abin emitidos em janeiro de 2023

Em agosto de 2023, durante depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre o 8 de janeiro, o ex-diretor-adjunto da Abin Saulo Moura da Cunha disse a deputados e senadores que, de 2 a 8 de janeiro de 2023, a agência teria produzido 33 alertas de inteligência sobre o movimento de manifestantes que poderiam culminar em atos violentos.

Sem mencionar relatórios anteriores, como os sugeridos em dezembro de 2022 e destinados à segurança de Lula, o ex-diretor da Abin disse aos congressistas que até o5 de janeiro de 2023 a agência avaliava que as manifestações teriam baixa adesão, tendo em vista que o órgão foi informado sobre a chegada de 43 ônibus em Brasília e que “43 ônibus é um contingente grande, mas não um contingente imenso”.

Na mesma ocasião, Cunha acrescentou que não recebeu informações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) sobre movimentações atípicas de ônibus rumo a Brasília no período e que informações de alerta foram repassadas apenas pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT).

O ex-diretor da Abin disse que uma avaliação sobre o risco do ato convocado para Brasília se alterou em 6 e 7 de janeiro, quando a ANTT informou a chegada de mais 105 ônibus. “Na tarde do dia 7 [de janeiro de 2023], os órgãos de segurança do GDF [Governo do Distrito Federal] e alguns órgãos do governo federal já tinham ideia de que teríamos uma manifestação com grande número de pessoas”, afirmou.

O ex-diretor da Abin disse, sem mencionar relatórios datados de 2022, que no início da manhã de 8 de janeiro começou a informar o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Gonçalves Dias, sobre os alertas e riscos potenciais. Disse que por volta da 13h, pouco antes dos manifestantes saírem do Quartel General (QG) de Brasília com destino à Esplanada, que se convenceu que haveria atos violentos.

“Nós recebemos informação de que havia entre os manifestantes chamamentos para invasão de prédios”, contou à CPMI. Ele disse ter ligado às 13h30 para o ex-ministro Dias alertando que tinha a “impressão” e “certa convicção” naquele momento que a marcha que se deslocava e não tinha rompido nenhuma barreira ainda, seguia rumo às sedes dos Poderes e que elas poderiam ser invadidas ou, pelo menos, “haveria uma ação violenta”. Dias teria apenas respondido que os manifestantes “teriam problemas”.  

À CPMI, Dias chegou a dizer que a situação era considerada tranquila e que somente após a ligação de Saulo se convenceu da dimensão do que poderia acontecer.  

À época da Comissão Parlamentar, líderes da oposição avaliavam que esses fatos já caracterizariam omissão do governo, por saber que haveria um potencial risco à invasão da sede dos Três Poderes e não foram adotadas medidas de contingenciamento e segurança eficazes.

Relatório da PF ao STF não informa relatórios da Abin à corporação

No fim de outubro de 2024, no entanto, a PF concluiu relatório que identificou falhas de segurança. Elencou problemas na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal como “fatores decisivos” que teriam contribuído para a demora nas respostas aos ataques de 8 de janeiro de 2023.

O documento que foi enviado ao STF para compor inquérito do 8 de janeiro, e não cita diretamente a própria força de segurança, diz que a ausência de Anderson Torres, então secretário de Segurança do DF, evidenciou um cenário propício para os atos e a não resposta imediata das forças de segurança.

O relatório diz que “embora houvesse várias informações críticas disponíveis sobre o risco de violência, essas informações não foram devidamente compiladas, analisadas ou retransmitidas às forças de segurança competentes”, ao indicar que a própria PF não tinha conhecimento do que estava por acontecer.

No relatório, os responsáveis pelos atos de violência e depredação foram apontados em núcleos: Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF); Forças Armadas,; Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a Secretaria de Segurança Pública.

Para a PF, “como parte integrante do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), o GSI tinha a obrigação de manter suas informações atualizadas e compartilhar os dados críticos com outros órgãos, como a Abin e as forças de segurança do Distrito Federal”, mas não menciona a própria Polícia Federal na estrutura preventiva e de atuação.

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