Os primeiros seis meses do terceiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram marcados por ações controversas que geraram resultados abaixo do esperado que surpreenderam até mesmo opositores. A combinação de promessas a eleitores e apoiadores não cumpridas aliada à persistência em erros estratégicos na implementação do plano de governo tem impedido avanços significativos na economia, nas relações parlamentares e na política externa.
Especialistas consultados pela Gazeta do Povo avaliam que o discurso eleitoral persistente e agressivo de Lula tem afetado negativamente o ambiente político e social, enquanto a ênfase dada pelo presidente a viagens internacionais numerosas e custosas facilitam críticas. Para as fontes, a gestão do semestre pode ser resumida ao binômio “vingança e turismo”.
"Vingança" por atitudes que o presidente vem tomando, como críticas sistemáticas ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro ou declarações que mostraram grande rancor – como o episódio em que Lula insinuou que o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro (União-PR), que o condenou, teria "armado" a divulgação, pela Polícia Federal (PF), de um plano criminoso para matá-lo. A PF, no entanto, trouxe evidências suficientes de que o Primeiro Comando da Capital (PCC) armou um atentado contra Moro.
Nos meios políticos, as críticas sobre as constantes viagens internacionais apontam para o fato de que elas resultaram em gastos expressivos de recursos e não trouxeram resultados concretos, além de terem gerado muita polêmica. Ainda sobre a política externa, a maior obra anunciada pelo governo pode ser um gasoduto na Argentina, financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na China, o governo chegou a dizer que acordos da ordem de US$ 50 bilhões teriam sido fechados, mas nenhuma outra informação sobre eles foi posteriormente divulgada.
Ao longo de todo o semestre, a gestão petista sustentou a disposição de atrelar a agenda externa a temas ambientais, mesmo enfrentando crescentes pressões da oposição endossadas pela bancada ruralista. Lula também teve que lidar com a falta de disposição das potências do Ocidente em apoiá-lo depois que começou a manifestar apoio à Rússia na guerra da Ucrânia. O apreço do brasileiro por governos totalitários, como de Vladimir Putin (Rússia), Nicolas Maduro (Venezuela) e Xi Jinping (China) tem fechado as portas de parceiros tradicionais do Brasil no Ocidente.
Legislativo com mais poder de barganha surpreendeu Lula
O relatório de risco político da agência BCW Brasil indica que o governo foi também afetado pela construção de um novo modelo de presidencialismo de coalizão, com avanço do Legislativo sobre verbas do orçamento federal. Mesmo depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) extinguir o chamado “orçamento secreto”, a indicação de verbas, por parlamentares, por meios burocráticos continua. “Em paralelo, em razão da pulverização dessa sistemática não há fiscalização na ponta, onde recursos são aplicados, favorecendo a corrupção e a perda de recursos públicos”, sublinha.
No campo econômico, o estudo da BCW Brasil, que é coordenado pelo professor Eduardo Galvão, avalia que inflação, câmbio, desemprego e confiança do mercado, apesar de apontarem um cenário negativo, favoreceram Lula no curto prazo, sobretudo no segundo trimestre. Os indicadores deram ao governo a chance avançar na agenda econômica, sobretudo em relação à política monetária, ao marco fiscal e à reforma tributária. “No entanto, esses avanços ainda dependem da implementação das reformas macroestruturais prometidas na campanha”, observam os pesquisadores.
Quanto à condução política, o cientista político descreve um começo de governo dominado por conflitos e desencontros. “Lula e seus articuladores demoraram a perceber que o sistema político mudou muito desde 2003, quando ele chegou ao poder. O Congresso se fortaleceu e é cada vez menos dependente da boa vontade do Executivo”, disse.
Essa realidade exigiu esforço grande de convencimento e de articulação para avançar com pautas prioritárias, o que era facilitado no passado só com liberação de emendas parlamentares ou de cargos no primeiro escalão.
Incongruência de ações do governo geraram turbulências na economia
O cientista político Ismael Almeida avalia que o governo encerra o primeiro semestre marcado pela dubiedade na economia, emplacando pautas importantes como o marco fiscal e renovando trunfos de gestões petistas como os programas Minha Casa, Minha Vida e Bolsa Família.
Mas, por outro lado, nada disso é congruente com o discurso da gestão de Lula, sobretudo nas falas do próprio presidente, que não ajudam a estabelecer clima favorável à retomada da economia. Ele cita como exemplo as falas agressivas do petista contra o agronegócio, setor que há décadas assegura resultados positivos na balança comercial e contra o Banco Central, que Lula tenta intimidar para forçar uma redução nos juros. “Tal incoerência acaba por anular o impacto positivo que algumas medidas poderiam ter tido, pois gera insegurança sobre as reais intenções do Planalto”, disse.
Almeida aponta como agravante desse cenário a inexistência de qualquer sinalização firme em relação ao controle de gastos públicos. “A essência do novo arcabouço fiscal, inclusive, não representa a austeridade, mas sim a garantia do crescimento das despesas mesmo em cenário de baixa arrecadação”, sublinhou.
Por fim, a prioridade que Lula deu à agenda internacional também deixou transparecer despreocupação com os problemas domésticos. Nesses seis meses, o presidente passou um sexto deles fora do país – foram 32 dias de ausência. Segundo o governo, o objetivo das viagens é aliviar “tensões diplomáticas” causadas pelo governo anterior. Mas a diplomacia do petista tem sido ainda pior.
“A insistência de Lula em tentar destruir a imagem do seu antecessor mostra que não parece haver um plano próprio, a não ser desfazer o que foi feito por governos anteriores, ainda que tenham resultados positivos para o país”, pontuou Almeida.
Para o analista político José Amorim, o governo “patinou” nos primeiros seis meses por ignorar completamente o cenário nacional. “A impressão é que Lula pensava em governar a exemplo dos mandatos anteriores. Além disso, a chamada frente ampla teve problemas de comunicação, com ministros se contradizendo”, disse. Ele destaca que, mesmo nomeando o vice Geraldo Alckmin (PSB) como ministro para melhorar a interlocução com o mercado, as falas do petista baseadas no “nós contra eles”, que se mantêm após o período eleitoral, de nada ajudam.
Para completar os efeitos do espírito de vingança, houve demora em liberar dinheiro para parlamentares. Ou seja, Lula levou tempo demais para reagir a movimentos do Legislativo com o repasse de verbas que já tinham sido combinadas. Isso teve como consequência derrotas em votações importantes para o Executivo e a instalação de CPIs que pioraram a imagem do governo.
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