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Depoimento de Mandetta
Mandetta disse à CPI da Covid que o presidente Jair Bolsonaro contava com uma assessoria paralela sobre a pandemia.| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senad

O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta falou por mais de sete horas à CPI da Covid nesta terça-feira (4). A fala do primeiro titular do Ministério da Saúde do governo de Jair Bolsonaro trouxe, como esperado, críticas à atuação do presidente no combate à pandemia de coronavírus e contestações ao chamado "tratamento precoce" para a Covid-19, além de uma defesa enfática da vacinação. O depoimento de Mandetta também foi marcado por divergências entre senadores governistas e adversários do governo Bolsonaro.

Entenda, em seis pontos, o depoimento de Mandetta à CPI e os próximos passos da comissão, que na quarta-feira (5) ouvirá o também ex-ministro Nelson Teich.

1) Desinformação e a "assessoria paralela" de Bolsonaro

Mandetta relatou que sua relação com o presidente Bolsonaro não era marcada por conflitos diretos, mas sim por orientações desencontradas. Segundo o ex-ministro, ele municiava Bolsonaro com informações sobre a gravidade da pandemia, a necessidade da adoção de medidas preventivas, como as restrições a circulação e uso de máscaras, e a ineficácia de medicamentos como cloroqiuna e ivermectina no combate à covid-19. E Bolsonaro, no contato pessoal, não contestava as orientações.

Dias depois, porém, Bolsonaro adotava posturas contraditórias ao exposto por Mandetta, como a promoção de aglomerações. O ex-ministro disse perceber que o presidente contava com uma "assessoria paralela" para informações sobre a pandemia. Esta assessoria, segundo Mandetta, informava Bolsonaro com diretrizes diferentes das adotadas pelo então ministro.

O ex-ministro disse ter visto o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, participando de reuniões ministeriais. Ele também disse que outro filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), ao lado do então ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores), atrapalhou, por questões ideológicas, negociações com a China que trariam insumos para o Brasil.

2) Paulo Guedes, "homem pequeno" na visão do ex-ministro

A principal crítica que Mandetta fez durante sua fala não foi, entretanto, direcionada a Bolsonaro, e sim ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Mandetta chamou Guedes de "homem pequeno" e "desonesto intelectualmente", e declarou que o titular da Economia não contribuiu para o combate à pandemia de Covid-19.

Nesta terça, em fala à Câmara, Guedes disse que Mandetta deveria ter conduzido a compra de vacinas quando estava no ministério. Em resposta, o ex-ministro disse que a comercialização de vacinas só se iniciou depois de ele ter deixado o governo.

3) Mandetta mandou carta ao presidente com queixas sobre falta de apoio

O ex-ministro disse também ter redigido uma carta para Bolsonaro no dia 28 de março do ano passado, em que expunha informações sobre a pandemia e, nas suas palavras, pedia "que a Presidência da República reveja o posicionamento adotado, acompanhando as recomendações do Ministério da Saúde, uma vez que a adoção de medidas em sentido contrário poderá gerar colapso do sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população".

Mandetta propôs a leitura da íntegra da carta durante o depoimento, mas a ideia foi descartada pelos membros da comissão. O texto foi entregue à CPI e incorporado na relação das documentações oficiais da comissão, que pode ser acessada no site do Senado.

4) "Guerra de narrativas", sobre aguardar em casa antes de procurar hospital

Apesar de não desferir ataques pesados diretamente a Bolsonaro, o ex-ministro rebateu uma crítica que o presidente costumeiramente faz sobre ele: a de que Mandetta teria orientado a população a permanecer em casa e só procurar serviços de saúde se sentisse falta de ar. Bolsonaro mencionou a suposta orientação, por exemplo, em sua live no dia 18 de março.

Segundo Mandetta, sua fala foi dada em um momento em que a pandemia ainda não havia chegado ao Brasil e que, portanto, não havia como os brasileiros estarem infectados pelo coronavírus. A declaração, para o ex-ministro, foi necessária para desfazer preocupações causadas por conta da evolução da doença em países como China e Itália.

Em outro momento de sua fala, Mandetta disse que não pediu demissão do cargo de ministro. Ele falou que Bolsonaro ofereceu a ele a possibilidade de sua exoneração ser publicada no Diário Oficial como "a pedido", para que não ficasse registrada a demissão vinda de cima. Mas ele descartou a proposta.

5) Cloroquina e outros medicamentos

As discussões sobre os medicamentos apontados como métodos de "tratamento precoce" para o combate ao coronavírus estiveram em grande parte do depoimento de Mandetta. Senadores, em especial os mais alinhados com o governo Bolsonaro, questionaram o ex-ministro sobre a não-adoção de cloroquina, ivermectina e outras substâncias.

Mandetta disse que sua atuação no Ministério foi pautada pela ciência e que não há, até o momento, indícios que mostrem a eficácia dos medicamentos. Ele citou a tentativa do ministro Marcos Pontes, da Ciência e Tecnologia, de emplacar o vermífugo nitazoxanida, de nome fantasia Annita, como tratamento para a covid-19. Falou que não participou das tratativas para o uso da substância.

O ex-ministro chamou iniciativas como o "kit covid", distribuído por alguns planos de saúde brasileiros, de "kit ilusão", pelo fato de os conteúdos não apresentarem caminhos para a cura da covid-19.

Mandetta disse considerar "muita inocência" achar que existe um "grande complô mundial" para desacreditar o uso da cloroquina e de outros medicamentos. A hipótese é levantada por apoiadores do governo Bolsonaro, que veem na adoção dos medicamentos um caminho rápido para a cura da covid-19 que seria boicotado por pessoas que teriam interesse financeiro em outros encaminhamentos. O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) mencionou a teoria durante a comissão. Mandetta lembrou das discussões em torno da fosfoetanolamina, substância que em 2015 foi batizada de "pílula do câncer" por, supostamente, representar a cura da doença. Ele disse que era deputado federal quando a aprovação da fosfoetanolamina foi discutida no Congresso e se opôs à ideia.

6) Corrupção e lockdown

O senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) perguntou a Mandetta se ele acreditava que o dinheiro desviado por esquemas de corrupção como mensalão e petrolão fez falta no combate à pandemia e poderia explicar parte das mortes registradas no Brasil.

Em resposta, o ex-ministro disse que a corrupção existe "desde que Cabral pisou no Brasil" e que é impreciso falar sobre os reais efeitos do problema na pandemia atual. Mandetta declarou também que o Brasil adotou medidas de restrição, como o fechamento de comércio, sempre em caráter posterior — ou seja, após elevação no número de mortes ou esgotamento da rede hospitalar. Isso, na sua avaliação, impediu que as ações trouxessem resultados efetivos.

O ex-ministro foi também questionado por senadores governistas sobre o carnaval do ano passado. Na ocasião, as festas ocorreram normalmente pelo Brasil, mesmo com a pandemia já causando efeitos pelo mundo. Segundo Mandetta, o que se adotou no momento foram as diretrizes da OMS, que até ali não pedia restrições generalizadas de aglomeração e nem cancelamento de voos.

Próximos passos da CPI têm Teich na quarta e Pazuello em 15 dias

O prolongamento do depoimento de Mandetta impediu que o também ex-ministro Nelson Teich fosse ouvido nesta terça, como estava inicialmente previsto. Ele falará na comissão na quarta (5), a partir das 10 horas.

A fala de Teich ocorrerá no horário que estava reservado antes para Eduardo Pazuello. O general, que deixou o Ministério da Saúde em março, pediu para não falar à CPI por ter estado próximo de pessoas que contraíram o coronavírus. Seu pronunciamento foi transferido para o dia 19.

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