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Indicado há dois meses pelo presidente Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-advogado-geral da União André Mendonça passa pelo momento de maior dificuldade para ter seu nome aprovado no Senado. Em meio à intensificação dos atritos entre os poderes, um grupo maior de senadores passou a rejeitá-lo e, para piorar, ele praticamente não conta com a ajuda de governistas na Casa, que estão com outras prioridades políticas.
Mendonça começou a conversar com senadores muito antes de sua indicação. Em abril, recebeu o sinal verde de Bolsonaro para começar o périplo por gabinetes para se apresentar e tentar ganhar a simpatia de senadores. De lá para cá, porém, o conflito do presidente com o STF acabou prejudicando sua campanha. Ele, que já não era o preferido de boa parte dos parlamentares — inclusive na Câmara, cujo presidente, Arthur Lira (PP-AL), também tem influência na aprovação —, passou a ter a indicação boicotada como forma de retaliação política a Bolsonaro.
Isso ficou patente em agosto, quando o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (DEM-AP), que é quem marca a data da sabatina, resolveu deixá-la em aberto, depois que Bolsonaro apresentou um pedido de impeachment contra Alexandre de Moraes. Mesmo depois que a denúncia foi rejeitada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), nenhum dos dois se mexeu para marcar a sessão. O mesmo aconteceu depois do movimento de Bolsonaro para pacificar a relação com o STF, por meio da "Carta à Nação", escrita com o ex-presidente Michel Temer, em defesa da harmonia entre os poderes.
Nos bastidores, Mendonça tem recebido apoio basicamente do senador Eduardo Gomes (MDB-TO), vice-líder do governo no Senado, que disponibilizou seu gabinete para facilitar os contatos com outros senadores. Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), que tem influência na nomeação de indicados para o Judiciário, preferia o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins. Muitos senadores alimentam a esperança que o filho "01" convença Bolsonaro a trocar Mendonça por outro indicado.
Nessa hipótese, a maior torcida é pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, mesmo após sua aprovação para exercer mais um mandato na PGR. Antes mesmo da indicação de Mendonça, ele já era o preferido de Alcolumbre e de vários outros senadores do Centrão. Sua sabatina, em agosto, só consolidou essa predileção, porque ele fez questão de destacar que cumpriu sua promessa de não "criminalizar a política", o que soa como música para os senadores — na prática, um eufemismo para justificar as medidas que esvaziaram o enfrentamento da corrupção aos moldes da Operação Lava Jato.
O que pesa contra André Mendonça
A resistência a Mendonça no mundo político parte da desconfiança de que, dentro do STF, ele poderia atuar, ainda que de forma limitada, contra o movimento garantista que, nos últimos dois anos, tornou-se majoritário e fez minguar várias investigações, denúncias e processos contra poderosos que foram alvos da operação.
O passado colabora para esse temor, uma vez que, dentro da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Controladoria-Geral da União (CGU), Mendonça atuou diretamente nos acordos de leniência das empresas envolvidas em vários esquemas de corrupção que lesaram a Petrobras, outras estatais e órgãos públicos. Nesse papel, ele teve uma ampla visão de todo o enredo de desvios e pagamentos de propina.
O combate à corrupção é um tema caro a Mendonça, tendo sido objeto de seus estudos acadêmicos de mestrado e doutorado na Espanha. Advogados ligados a senadores que leram a dissertação e a tese disseram a eles que, no STF, Mendonça tende a ser um ministro "punitivista".
Se ele realmente assumir essa postura parlamentares alvos de investigação veem risco de uma possível reviravolta em inquéritos que caminham para o arquivamento. O temor é que Mendonça forme maioria com outros ministros mais rígidos na aplicação na lei penal, como Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, e com alguns que, dependendo do caso, também pesam a mão contra investigados, como Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia.
"Nunca o Senado esteve tão preocupado com a escolha de um ministro quanto agora. Está mais interessado quanto de costume. André Mendonça vai definir para que lado vai o barco, se o STF vai ser garantista ou punitivista", disse à Gazeta do Povo um jurista e interlocutor frequente dos senadores que tratam da indicação. "Muitos dizem que ele será o Fachin do Bolsonaro", acrescentou, reproduzindo uma fala que se tornou comum no Senado.
Fachin foi escolhido pela ex-presidente Dilma Roussef para o STF, mas após tornar-se relator da Lava Jato, virou um pesadelo para os petistas e toda a classe política, votando quase sempre a favor de condenações.
Outro fator que pesa contra Mendonça é a proximidade com Bolsonaro, num momento em que o presidente está fragilizado politicamente em Brasília. Para muitos senadores, esse foi o critério decisivo para sua indicação. O fato de ser evangélico só acrescentou uma vantagem a mais, para agradar parcela do eleitorado do presidente. Mesmo assim, entre os pastores mais influentes, quase todos de igrejas pentecostais, o presbiteriano Mendonça também não era o preferido.
"Um presbiteriano normalmente é um grande evangélico, mas não é um 'terrivelmente' evangélico. Não é o cara mais aguerrido, que mais apoia o presidente, que é o pentecostal, que é mais falador e midiático. Mendonça era bem desconhecido do público evangélico", afirmou à reportagem um profundo conhecedor desse meio.
O que pesa a favor dele
Por outro lado, conta a favor de Mendonça a resistência de Bolsonaro em trocar a indicação, o que seria um evidente sinal de fraqueza política na articulação com o Legislativo. Uma eventual substituição também comprometeria o próprio apoio eleitoral que o presidente cultivou entre líderes pentecostais que o apoiam, em razão da promessa de indicar um "terrivelmente evangélico". Favoritos dos senadores, o católico Augusto Aras e o adventista Humberto Martins, apresentados como plano B, não se encaixam nesse perfil.
Também conta a favor de Mendonça a preferência dos próprios ministros do STF. Se pudessem escolher, a maioria optaria por ele, em vez de Aras e Martins, considerados demasiadamente próximos do universo político. Vários deles gostariam de outros nomes, mas entre as alternativas disponíveis, o ex-advogado-geral goza de mais simpatia, inclusive pelo bom diálogo que manteve com todos os ministros enquanto defendia o governo junto ao STF.
Parte dos ministros também está incomodada com o boicote político para a realização da sabatina, porque isso afeta o funcionamento do tribunal. O novo ministro herdará 1.134 processos de Marco Aurélio Mello, que estão praticamente parados desde sua aposentadoria, em julho. Os novos que chegam à Corte são distribuídos para outros gabinetes, aumentando a sobrecarga sobre os demais ministros.
A opinião entre essa parcela de ministros mais incomodada é que o Senado devia marcar a sabatina e a votação da indicação no plenário. A resistência, nesse caso, deve ser expressa numa eventual rejeição de André Mendonça, e não pelo boicote à própria indicação.