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Barroso Lula
Presidente do STF, Luís Roberto Barroso, recebe o chefe do Executivo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para um jantar com os ministros da Corte. No cardápio, julgamentos futuros de interesse do governo.| Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Com pretexto de realizar uma confraternização de fim de ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participa de um jantar com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) na noite desta terça-feira (19), na residência do presidente da Corte, Luís Roberto Barroso. O encontro celebra a aliança entre o chefe do Executivo e a cúpula do Judiciário, iniciada antes mesmo de ele assumir o terceiro mandato – e que deve ampliar-se em 2024. A parceria em favor da viabilização de interesses dos dois lados ganhou o reforço do ministro da Justiça, Flávio Dino, que toma posse no STF em fevereiro. Ele é, inclusive, convidado para a reunião estratégica para os rumos na República.

Diante da série de impasses enfrentados no Congresso, o Planalto busca construir governabilidade por meio da sintonia com ministros do STF. Seja para bloquear os avanços de pautas da direita, para obter decisões judiciais favoráveis à União para arrecadar mais impostos ou para manter a pressão sobre seu principal grupo opositor, vinculado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Lula vem intensificando as consultas com ministros da Corte, como Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e o seu ex-advogado Cristiano Zanin. Nos contatos intensificados nos últimos dias, o presidente fechou acertos, como as indicações de Dino para o STF e Paulo Gonet para a Procuradoria-Geral da República (PGR), aprovadas pelo Senado na quarta-feira (13).

Para o próximo ano, Lula já mostra interesse em várias questões que logo irão para a pauta do plenário dos magistrados, incluindo a revogação dos seus vetos à desoneração da folha de pagamento de 17 setores econômicos e o projeto que restaura o marco temporal de terras indígenas, sustado pela própria Corte.

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo veem um ambiente inédito de cooperação entre Executivo e Judiciário. O cientista político Leonardo Barreto chamou o fenômeno surgido na gestão petista de “presidencialismo de judicialização”, que alia ativismo judicial dos últimos anos com satisfação de interesses do presidente da República e do STF.

Barreto explica que o país assistiu a arranjos do presidencialismo desde a redemocratização, como o modelo clássico de coalizão, com a partilha de espaços na máquina pública a partidos agregados à base parlamentar. Essa governança descambou para a cooptação recentemente e para o informal e envergonhado semipresidencialismo. A profunda divisão ideológica entre Congresso de domínio conservador e governo de esquerda, além do impedimento para o Planalto gerir emendas para solidificar bancadas da Câmara e, sobretudo, do Senado, obrigou Lula a buscar resgatar o poder perdido para o Legislativo negociando cargos com o Centrão.

Governo busca reverter derrotas no Congresso com ações no STF

Com medidas importantes aprovadas, como o arcabouço fiscal e a reforma tributária, além de pontos da pauta arrecadatória do ministro Fernando Haddad (Fazenda), há quem ache que Lula conseguiu levar a melhor. Mas a maioria dos analistas ressalta que essas pautas importantes foram de autoria do próprio Legislativo e que as vitórias celebradas pelo governo estavam carregadas de interesses dos próprios parlamentares. Leonardo Barreto sublinha que partidos sempre foram ao STF em busca de “terceiro turno” de votações, expediente normalmente utilizado pela oposição e jamais pelo governo. “Nesse sentido, há agora a escalada da deterioração das relações entre o Executivo e o Legislativo com interferência do Judiciário”, alertou.

Uma ilustração clara da parceria Planalto-STF foi vista no Palácio do Planalto durante a recepção calorosa ao ministro Alexandre de Moraes, na última segunda (11), para participar do lançamento de programa para moradores de rua. A própria iniciativa lançada por Lula é desdobramento de ordem de Moraes para que os governos federal, estaduais e municipais acolham a população em situação de rua com ações sociais, além de proibir remoções forçadas dessas pessoas.

Ao ocupar o púlpito para discursar, Moraes sorriu ao ouvir a militância petista gritar “Xandão, Xandão” e “sem anistia, sem anistia”, num apelo para que Bolsonaro e seu grupo político sejam punidos. A confraria deu o tom também da reação da primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, ao prever no sábado (9) a prisão iminente de Bolsonaro “se tudo der certo”. Na terça-feira (12), Moraes assumiu a investigação do caso do hacker que invadiu a conta de Janja no X (ex-Twitter).

Judicialização e perseguição a bolsonaristas favoreceram Lula

O “presidencialismo de judicialização” já deu frutos ainda na transição de governo, com o furo do teto de gastos e a anulação das emendas do relator (RP9). Depois vieram a correção do índice do FGTS, a retirada de pagamento de precatórios da meta fiscal, a imposição da contribuição sindical, o marco temporal, o cancelamento da Lei das Estatais, a anulação do julgamento da Odebrecht e, agora, possivelmente a desoneração da folha de pagamento e novamente o marco temporal. “Não é uma agenda pequena”, frisou o cientista político Barreto.

Empenhado em viabilizar contatos com os ministros do STF, inclusive André Mendonça e Nunes Marques, indicados pelo ex-presidente Bolsonaro (PL), Lula distribui afagos, honrarias e aplausos à “caça aos bolsonaristas”. Mês passado, Lula ligou para Nunes Marques para avisá-lo que o apoiado do ministro, o juiz João Carlos Mayer Soares, seria nomeado desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Mais recentemente, num gesto ao Planalto, Nunes Marques pediu mais 90 dias (vista) para votar no julgamento da constitucionalidade da Lei das Estatais, que impede a participação de políticos nessas empresas.

Senado reage contra ativismo judicial e foi contido por acordos

Recentemente, Senado e Supremo trocaram farpas após a aprovação pelos senadores da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita poderes dos ministros da Corte. Curiosamente, Flávio Dino afirmou na quarta-feira (13) ter “compromisso indeclinável” com a harmonia entre os Poderes e que a atuação do Judiciário para revogar efeitos de lei aprovada pelo Congresso só deve ser feita em “situações excepcionalíssimas” e “de preferência por decisões colegiadas.” O ministro aproveitou a sua sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa naquele dia para aliviar tensões com o Legislativo, valorizando atividades do Legislativo. Segundo ele, “o sistema brasileiro é bicameral e não tricameral”.

Ministros do STF classificaram a aprovação no Senado da PEC das decisões individuais como “ataque” do Legislativo e afirmam que isso prejudicaria a interlocução da Corte com o governo, cuja atuação foi crucial para a aprovação da matéria, na avaliação de magistrados. No Senado, o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), votou a favor da proposta. O gesto foi visto como determinante para que o texto passasse, já que foi aprovado com apenas três votos de folga, justamente os três da bancada baiana.

Pensando alto no modelo de associação entre Executivo e Judiciário, Lula chegou a sugerir tornar secretos todos os votos dos ministros do STF, o que foi largamente criticado, inclusive por sua incompatibilidade com o princípio constitucional da transparência. O presidente argumentou que os ministros precisam ser protegidos das reações negativas da sociedade. O ministro da Justiça, Flávio Dino, foi uma das poucas vozes que considerou a tese passível de discussão. Governo e Congresso também favoreceram os ministros da Suprema Corte ao incluir no Orçamento da União de 2024 a cobertura de todos os gastos deles com passagens aéreas em viagens não-oficiais.

Juristas apontam convergência de interesses de STF e Planalto

O advogado constitucionalista André Marsiglia lamenta que o Judiciário está mesmo indo em socorro a Lula para garantir a governabilidade ameaçada pelas dificuldades do presidente com o Legislativo, além de atacar inimigos em comum. “Tenho dito que o STF não tem outra ideologia senão manter o poder conquistado nos últimos tempos. Assim, a Corte se emparceirou com o governo, ao perceber que compartilham interesses: o Supremo receava a crise institucional no governo Bolsonaro e o petismo desejava criminalizar o bolsonarismo para voltar ao poder”, disse ele, lembrando que as decisões do STF “não só afundaram o barco adversário, como sustentam o governo”.

Para o advogado e professor da PUC-SP Adilson Dallari, a ida do Dino para o STF faz parte do propósito do governo de usar as decisões do tribunal em seu favor, cada vez mais. “O esquema estará consolidado caso o ex-ministro da Corte, Ricardo Lewandowski, eterno escudeiro do Lula, indo para o Ministério da Justiça”, sublinha.

Na mesma linha, o advogado Ricardo Peake Braga, professor e autor do livro Juristocracia e o Fim da Democracia (EDA, 2021), ainda não vê ações combinadas entre Judiciário e Executivo, mas é “grande possibilidade”. “Sem dúvida, o STF está mais receptivo a interesses do Executivo que no governo anterior, mas não sei até quando vai essa lua-de-mel. Em algum momento, interesses podem conflitar”, disse.

A professora constitucionalista Vera Chemim lembra que o fortalecimento do STF nos últimos anos reflete disfuncionalidades no Congresso, tais como o fato de a maioria dos membros estar envolvida em processos sob competência da Corte e, por isso, recear retaliações de natureza política. Além disso, a omissão legislativa sobre vários dispositivos constitucionais deu margem à judicialização, sobretudo por parte de partidos minoritários, tornando regra o que deveria ser exceção.

“Temas sensíveis e ligados a direitos fundamentais são judicializados com frequência devido às lacunas de legislação. Em regimes democráticos, a regra é atender à maioria da sociedade por meio de seus representantes no Legislativo, com possibilidade de as minorias recorrerem à Justiça. No Brasil, a possibilidade se banalizou, exacerbada pela polarização política”, explica.

Segundo a jurista, o STF adquiriu ao longo desse processo ainda mais poder em relação ao Executivo e ao Legislativo. A atuação da Operação Lava Jato, a ascensão da direita ao poder e a consequente polarização política, a crise sanitária e a retomada da esquerda ao poder concomitantemente aos atos do 8 de janeiro pressionaram a Corte no sentido de decidir às múltiplas demandas de natureza política e que contribuíram para o gradativo aumento de sua intervenção, tanto no Executivo, quanto no Legislativo, levando ao ativismo judicial, com imposição de procedimentos ao governo e a iniciativa de “legislar” em substituição do Congresso.

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