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Para conter crescente desaprovação, o novo presidente do STF, investe em comunicação mais clara sobre as decisões
Para conter crescente desaprovação, o novo presidente do STF, investe em comunicação mais clara sobre as decisões| Foto: Carlos Alves Moura/STF

Ironicamente, foi em 2023, com o ex-presidente Jair Bolsonaro fora do poder, que o Congresso conseguiu avançar com propostas para limitar o poder do Supremo Tribunal Federal (STF). Maior opositor e crítico da Corte no mundo político, Bolsonaro até reduziu e atenuou comentários negativos sobre o tribunal – muito em razão dos inquéritos de que é alvo em razão de declarações consideradas “antidemocráticas”.

Em compensação, o aumento da bancada conservadora e o crescente incômodo dos parlamentares, incluindo os de centro, com excessos e abusos dos ministros obrigaram o Legislativo a reagir. Foi nesse contexto que em setembro a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, em menos de um minuto, uma proposta de emenda constitucional apresentada em 2019 que proíbe decisões individuais dos ministros que suspendam normas com efeito geral aprovadas pelo Congresso ou editadas pelo Executivo.

Um exemplo disso ocorreu com a Lei das Estatais, que desde 2017 proibia políticos de assumir a direção de empresas públicas. Numa canetada, em março, o ministro Ricardo Lewandowski suspendeu essa regra, permitindo que o novo governo, de Luiz Inácio Lula da Silva, colocasse nas estatais companheiros do PT e filiados de outros partidos que o apoiassem no Congresso. A decisão só começou a ser analisada pelo plenário do STF em dezembro, mas um pedido de vista adiou um veredicto final e definitivo sobre o assunto.

Como mostrou a Gazeta do Povo, várias políticas de Bolsonaro teriam sido mantidas, ao menos por mais tempo e sem sobressaltos, caso a proibição das decisões monocráticas estivesse em vigor durante seu mandato. A oposição aos “lockdowns” durante a pandemia, a facilitação do acesso às armas, limites à censura nas redes sociais, maior rigor para demarcação de terras indígenas e a nomeação de um diretor da Polícia Federal são exemplos marcantes de atos presidenciais suspensos de forma individual por ministros do STF.

Mas além desse histórico de reveses na pauta da direita, pesaram para a reação do Senado o início do julgamento que pode descriminalizar o aborto, a retomada da ação que pode despenalizar o porte de maconha para consumo pessoal, e ainda a decisão que pôs fim ao marco temporal para demarcação de terras indígenas. Em novembro, com apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a Casa aprovou, com 52 votos favoráveis e apenas 18 contrários, a PEC que proíbe as monocráticas em ações de controle concentrado de constitucionalidade. Ministros do STF protestaram, mas Pacheco deu de ombros.

A PEC chegou à Câmara no início de dezembro, mas até hoje aguarda um despacho do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para iniciar sua tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O deputado guarda na manga outro projeto de lei, costurado pelo ministro Gilmar Mendes, que mantém o poder monocrático seu e de seus colegas na Corte, e que já começou a avançar. O mesmo projeto limita os partidos que poderiam ingressar no STF com ações para derrubar leis: os 12 menores do Congresso, que não cumprem a cláusula de barreira, ficariam de fora. Hoje, na prática, a medida beneficiaria o governo Lula, que não teria a mesma dor de cabeça que Bolsonaro com ações de partidos nanicos que chegam à Corte.

Por isso, a perspectiva é de que a PEC das Monocráticas não avance na Câmara, por resistência de Arthur Lira. O mesmo tende a ocorrer com outra iniciativa, agora dos deputados, para investigar numa Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) violações de direitos e garantias fundamentais e do devido processo legal, bem como atos de censura e de abuso de autoridade supostamente cometidos por ministros STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Os requisitos formais foram cumpridos – apoio de 1/3 dos deputados, fato determinado e prazo certo –, mas até hoje Lira não deu andamento à instalação. Novamente, a proposição deve esbarrar em Gilmar Mendes, que sempre foi contra esse tipo de iniciativa. Em 2019, ele avalizou o arquivamento do pedido de instalação, no Senado, da CPI da Lava Toga, que também investigaria ministros por atos que poderiam configurar conflitos de interesse. Baseou-se numa jurisprudência do próprio STF que impede a investigação de juízes em razão de suas decisões.

Desde que assumiu o comando da Câmara, em 2021, Lira mantém relação próxima com o STF. Desde então, conseguiu arquivar na Corte investigações que tinha contra si na Lava Jato; em setembro, Gilmar Mendes arquivou investigações relacionadas a supostos desvios na compra de kits de robótica para municípios de Alagoas que miravam alguns de seus aliados.

Em 2024, outra proposta que pode avançar no Legislativo, com apoio de Pacheco, é a fixação de mandatos para ministros do STF. Não valeria para os atuais integrantes da Corte, que continuariam lá até os 75 anos de idade. Mas, se aprovada, seria outro recado à Corte de que suas decisões vêm incomodando, não apenas pelo ativismo judicial de alguns ministros, mas também pela crescente interferência deles em questões políticas. Exemplo disso são as pressões que costumam fazer sobre o presidente da República e no próprio Senado para indicar e aprovar nomes de preferência pessoal para cargos no Judiciário e no Ministério Público.

O caso mais recente foram as indicações de Flávio Dino para o STF e de Paulo Gonet para a chefia da Procuradoria-Geral da República (PGR), com participação direta de Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Este, como presidente do TSE, já havia conseguido, em maio, nomear dois aliados para o tribunal: Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares, cujos nomes ele mesmo anunciou, antes da formalização do ato pela Presidência da República.

Fora isso, declarações dos ministros contra Bolsonaro e seu grupo político e a favor de Lula e da agenda progressista, sob o discurso de que o atual presidente honraria a democracia, consolidam a percepção de perseguição aos conservadores e de oposição dos togados às suas agendas. Ademais, fica cada vez mais claro que Lula busca na Corte uma aliança política para compensar dificuldades ou reverter derrotas que possa ter no Legislativo.

Dentro do tribunal, a avaliação entre os ministros é que a crescente insatisfação dos parlamentares e da sociedade é equivocada. A reprovação do STF por 38% da população, aferida pelo Datafolha em dezembro, é atribuída a uma campanha negativa contra a Corte promovida por Bolsonaro, que culpa o Supremo por atrapalhar seu governo. Os ministros negam isso, argumentando que atuaram para preservar direitos fundamentais e proteger as instituições. Daí o interesse em combater o que consideram “fake news” contra o STF. Em outra frente, Luís Roberto Barroso, na presidência do tribunal desde setembro, tem feito um esforço para esclarecer melhor as decisões do tribunal para afastar delas interpretações negativas.

Diante de tal cenário, o que esperar para 2024?

Para o analista político João Henrique Hummel, a contenção do STF pelo Congresso é um caminho iniciado que não tem volta.

“O ‘start’ foi dado. Do jeito que o Legislativo foi colocando o Executivo no papel dele de executar, acho que agora iniciaram com o Judiciário. E quando começa não tem volta. E quem tem que dar esse ‘start’, começou a dar, que é o Senado, que tem o poder de aprovar um impeachment de ministros do STF. Nunca ocorreu, mas também nunca havia ocorrido no Brasil contra presidente. Depois do primeiro, teve vários”, disse o analista ao programa Assunto Capital.

Para ele, o mundo político entendeu que “bater” no STF dá voto. E por isso haveria uma chance de Lira não conseguir, em 2024, segurar o ímpeto de deputados que querem dar um troco no STF, com a PEC das Monocráticas. As eleições municipais antecipam, em boa medida, que partidos chegarão fortes em 2026, quando a Câmara é renovada.

Mas a reação do Congresso não se dá somente em projetos que afetam diretamente o STF. Ela também pode se concretizar na aprovação de propostas que revertam decisões da Corte. Pacheco já colocou em marcha uma PEC para deixar expresso na Constituição que portar drogas para consumo é crime – algo semelhante provavelmente ocorrerá caso o STF avance com o julgamento para descriminalizar o aborto.

Logo após a extinção do marco temporal pelo STF, o Senado aprovou o critério em lei; Lula vetou, mas o Congresso derrubou o veto. No dia 22, o presidente admitiu que o caminho agora é “voltar a brigar na Justiça, porque a gente não tem maioria [no Legislativo]”. O governo, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), deve pedir ao STF para derrubar a lei.

Para Hummel, é algo semelhante ao que ocorreu com a vaquejada. Em 2016, o STF derrubou uma lei do Ceará que regulamentava as competições, sob o fundamento de que provocavam sofrimento nos animais. Em resposta, o Congresso promulgou em 2017 uma emenda constitucional para permitir novamente a realização desses eventos. Já existe uma nova ação no STF para derrubar essa emenda, mas seu julgamento vem sendo adiado.

A medida mais extrema, de um impeachment de um ministro do STF, no entanto, é um sonho da direita ainda distante. O banho de água fria veio na votação da indicação de Flávio Dino para o STF. Apesar de grande mobilização de parlamentares pela rejeição de seu nome, até mesmo promovendo protestos de rua, ele passou com 47 votos a favor e 31 contrários. Um impeachment de ministro precisaria de um placar inverso: com ao menos 41 votos a favor, além da disposição de um presidente do Senado disposto a abrir o processo. Por isso, uma das prioridades de Bolsonaro, na eleição de 2026, é ampliar sua base no Senado.

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