O pacote de R$ 50,9 bilhões anunciado pelo governo para ajudar o Rio Grande do Sul a se recuperar do desastre causado pelas enchentes pode não ser suficiente. Especialistas em contas públicas vêm apontando, nos últimos dias, que a cifra está inflada e que o montante efetivamente cedido pela União ao estado não passaria de R$ 7,6 bilhões.
Já a suspensão da dívida gaúcha com o Tesouro, medida já aprovada no Congresso, daria um alívio de caixa de mais R$ 10,5 bilhões pelos próximos três anos, mas o montante voltaria a ser cobrado após o período. O governador Eduardo Leite disse, em uma avaliação inicial, que precisará de ao menos R$ 19 bilhões para a reconstrução, mas a cifra pode ser bem maior.
Diante de tal cenário, uma das alternativas para as autoridades gaúchas é buscar socorro do Supremo Tribunal Federal (STF), onde tramita uma ação de 2012 em que a Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul (OAB-RS) pede a extinção da dívida, calculada atualmente em R$ 104 bilhões. A entidade afirma que, desde 1998, o estado já quitou o débito com o pagamento de juros.
A medida é defendida por um grupo de advogados e economistas que auxiliam parlamentares gaúchos a obter apoio mais robusto do governo federal. A extinção total do débito chegou a ser proposta como emenda no projeto de lei do governo para suspender o pagamento da dívida, mas foi rejeitada pela Câmara dos Deputados. Com isso, um caminho vislumbrado pelo governo gaúcho é recorrer ao STF.
“A dívida que praticamente alcança R$ 100 bilhões é inconstitucional e ilegítima”, afirmou a OAB-RS numa manifestação enviada ao ministro Luiz Fux, relator da ação, no último dia 14.
“É o momento em que a Sociedade Civil – representada pela Ordem Gaúcha com o apoio de todas entidades que integram o processo – clama por uma solução estruturante, onde a permanência de uma dívida, ainda que provisoriamente suspensa, inviabiliza o presente de reconstrução e tolhe um novo horizonte de esperança”, diz ainda o documento.
Luiz Fux já intimou a Advocacia-Geral da União a se manifestar sobre o pedido, mas ainda não houve resposta. Em tese, a extinção da dívida poderia atrapalhar a política arrecadatória do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A OAB-RS afirma que eventual decisão favorável não deve servir de precedente para que outros estados também peçam a extinção de suas dívidas. “A situação sui generis e trágica que se enfrenta impõe a existência da solidariedade federativa”, justifica.
A anistia é defendida também pelo Instituto de Direito e Economia do Rio Grande do Sul (Ides), grupo de pesquisa em direito e economia formado há 20 anos, composto por professores das universidades UFRGS, PUC-RS e UniSinos.
Um dos integrantes, o advogado Luciano Timm lembra que, historicamente, o Rio Grande do Sul entregou mais recursos para a União, recolhidos dos tributos cobrados no estado, do que recebeu, por transferências constitucionais.
“Agora chega o momento em que esse efeito líquido deve ser revertido. É como uma família, em que quando um irmão está precisando mais, tira um pouco do outro. A federação foi formada pela união dos estados. E a União não pode atuar como um soberano que tira de todo mundo e não entrega de volta”, diz o advogado e professor.
Levantamento da Gazeta do Povo mostrou que, em 2022, os 27 estados brasileiros enviaram R$ 2,218 trilhões em tributos ao governo federal, mas só receberam de volta, junto com os municípios, R$ 607,8 bilhões, pouco mais de um quarto do total. O RS é um dos 15 estados que mais pagou impostos para a União – a cada R$ 1 enviado, recebeu de volta R$ 0,23.
Pacote do governo está inflado, segundo economista
Uma análise publicada neste domingo (19) pelo economista e deputado estadual Leonardo Siqueira (Novo-SP) mostrou que a maior parte dos R$ 50,9 bilhões anunciados pelo governo federal para socorrer o RS são formados por empréstimos, adiantamento de benefícios que seriam pagos futuramente aos gaúchos ou adiamento de tributos que iriam pagar à União.
Segundo ele, R$ 40,8 bilhões já estavam disponíveis em linhas de crédito para agricultores e empresários, nos programas Pronaf (agricultura familiar), Pronamp (médio produtor rural), Pronampe (micro e pequenas empresas), Peac (microempresários individuais, MEIs; e micro, pequenas e médias empresas, MPMEs). A diferença é que o governo injetou R$ 2 bilhões nesses programas para reduzir os juros e mais R$ 5 bilhões como garantia para os bancos.
Além desses R$ 7 bilhões, há um aporte de R$ 495 milhões para pagamento de duas parcelas adicionais do seguro-desemprego para os desempregados; e R$ 200 milhões para projetos de bancos públicos.
O restante, segundo Siqueira, é dinheiro que já estava previsto: R$ 787 milhões de adiantamento do Bolsa Família; R$ 758 milhões de antecipação do abono salarial; R$ 1 bilhão de restituição antecipada do Imposto de Renda; e R$ 8,4 bi de tributos, dívidas e pagamentos ao FGTS que foram postergados para julho.
“A verdade é que o governo está vendendo ilusão enquanto o povo continua a lutar com a realidade”, comentou o deputado na rede X (antigo Twitter), onde mostrou as contas.
Fora os R$ 50,9 bilhões, o governo afirmou ter disponibilizado cerca de R$ 12 bilhões por meio de medida provisória para custear ações emergenciais de socorro para fins como compra de remédios, pagamentos de agentes públicos equipamentos que são usados na operação e recursos para desobstrução de reconstrução de vias, entre outras finalidades.
Como a dívida do RS passou dos R$ 100 bilhões
Se por um lado, o Rio Grande do Sul contribuiu mais para a União do que recebeu, por outro, as gestões passadas do estado agravaram a situação fiscal do estado, especialmente em razão do pagamento de servidores e aposentados. O estado é um dos mais deficitários do país e tem a pior nota (D) atribuída pelo Tesouro Nacional quanto à sua capacidade de pagamentos (Capag).
De acordo com dados da Secretaria da Fazenda (Sefaz) do estado, ao longo de 50 anos, entre 1971 e 2020, somente em sete as receitas foram maiores do que as despesas.
“O Rio Grande do Sul já é um estado que tem dificuldade para operar na normalidade por conta das restrições fiscais. O problema que a gente tem de dívidas contraídas ao longo de tempos aqui no estado já nos dificulta a ação em tempos de normalidade”, disse o governador Eduardo Leite em entrevista à imprensa na semana passada.
Segundo a Secretaria do Tesouro Nacional, no terceiro trimestre de 2023, a proporção da dívida consolidada líquida (DCL) gaúcha sobre a receita corrente líquida (RCL) chegou a 185,4%, acima do patamar de alerta previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que é de 180%.
No Paraná – também da região Sul, com níveis próximos de população, arrecadação e participação no PIB – a DCL é negativa. Ou seja, a dívida consolidada do estado é menor que sua disponibilidade de caixa e demais haveres financeiros.
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