O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defendeu recentemente que o Congresso discuta mudanças no sistema atual de governo do Brasil com a justificativa de dar mais estabilidade para o Executivo. O modelo defendido por Lira é o semipresidencialismo, uma mistura do modelo presidencialista atual com a flexibilidade do parlamentarismo.
De acordo com o presidente da Câmara, a possibilidade discutida é que o modelo entre em vigor a partir das eleições de 2026. “Todo presidente eleito depois da redemocratização teve pedidos de impeachment feitos. Uns aprovados, outros rejeitados. Já que estamos discutindo reformas eleitorais, que a gente já possa prever que em 2026 mude definitivamente esse sistema no Brasil. Em vez de presidencialismo, para semipresidencialismo ou parlamentarismo”, disse Lira em entrevista à CNN Brasil.
Semipresidencialismo também é defendido por Barroso
Além de Lira, as mudanças contam com a simpatia do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, que já defendeu as mudanças publicamente. “Essa [modelo de semipresidencialismo] é a inovação que eu acho que nós devemos implementar no Brasil para 2026. Para que não haja mais nenhum interesse posto sob a mesa“, disse Barroso durante simpósio interdisciplinar sobre o sistema político brasileiro.
Barroso tem sido um dos ministros do Supremo Tribunal com mais embates públicos com o presidente Jair Bolsonaro.
O magistrado diz que defende mudanças no modelo de governo brasileiro desde 2006 e que a medida poderia estar em vigor no Brasil desde 2014. Para o ministro, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff causou “traumas” e que o processo não foi aberto por conta de crimes de responsabilidade.
“Creio que não deve haver dúvida razoável de que ela [Dilma Rousseff] não foi afastada por crimes de responsabilidade ou corrupção, mas sim foi afastada por perdas e sustentação política. Até porque afastá-la por corrupção depois do que se seguiu seria uma ironia da história“, completou o presidente do TSE.
Barroso foi indicado por Dilma ao STF em 2013.
Semipresidencialismo e parlamentarismo já foram debatidos outras vezes
Mudanças no modelo presidencialista do Brasil já foram encampadas outras vezes, como entre os anos de 1995 e 2002, quando o país era governado por Fernando Henrique Cardoso. O PSDB, partido de FHC, é um dos principais entusiastas do parlamentarismo.
No contexto atual, Lira é responsável por analisar mais de 100 pedidos de impeachment contra Bolsonaro, está sob pressão dos partidos de oposição e abriu por conta própria o diálogo sobre as mudanças no sistema de governo com os parlamentares que discutem a reforma eleitoral e com nomes do Judiciário. Contudo, o tema ainda não seria de consenso dentro do Congresso.
O que é o parlamentarismo
Pelo sistema parlamentarista, o Legislativo passaria a escolher o chefe do Executivo. Nesse caso, o presidente da República não é o chefe de governo e é eleito indiretamente, a partir dos votos dos parlamentares. Os parlamentares, por sua vez, também podem ser eleitos em diferentes modelos, como a eleição proporcional, atualmente vigente no país, ou no voto distrital, ou distrital misto, por exemplo.
No parlamentarismo com a República como forma de governo, o presidente perde parte de suas funções. Em países com esse sistema, o presidente continua existindo, mas só como chefe de estado, ocupando uma função praticamente simbólica. É o caso, por exemplo, da Alemanha, onde o presidente tem a responsabilidade de indicar o chanceler, mas essa indicação é praticamente uma chancela da vontade dos parlamentares. É o chanceler quem, respaldado pelo parlamento, de fato exerce o poder no governo.
No parlamentarismo com monarquia como forma de governo, como no Reino Unido, a chefia de Estado é desempenhada por um monarca, atualmente a rainha Elizabeth II, mas este não cumpre o papel de governo. Nesse caso, os parlamentares eleitos pelos cidadãos elegem o chefe do governo, chamado primeiro-ministro.
O que é o semipresidencialismo
O semipresidencialismo é uma derivação com características do parlamentarismo e presidencialismo. Nesse caso, além do presidente da República, que na maioria dos países que adotam esse modelo são eleitos pela população, existe a figura do primeiro-ministro, que é eleito pelo Congresso. Ambas as figuras dividem as funções do poder Executivo.
Geralmente, países semipresidencialistas têm presidentes da República atuando na política externa e na chefia das Forças Armadas, enquanto o primeiro-ministro tipicamente cuida das demandas internas e comanda o governo. Cada país, no entanto, costuma estabelecer papéis diferentes para os presidentes.
Na França, o presidente é eleito pelo voto direto e é responsável por coordenar a política externa, comanda as Forças Armadas e intervém em crises políticas.
Em Portugal, o presidente também é eleito diretamente pela população e pode dissolver o Legislativo, mas tem funções executivas mais limitadas do que o chefe de estado da França.
Defensor deste modelo, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), entregou para o presidente da Câmara, Arthur Lira, uma sugestão de semipresidencialismo com as mesmas características do adotado em Portugal. “Temos propostas e ideias que estão em discussão para que a gente construa um modelo ‘brasiliano’. A ideia é que tenhamos um presidente da República para ser chefe de Estado e que tenhamos um primeiro-ministro que possa ser substituído pelo Congresso em casos de crises de representatividade”, defende a relatora da reforma eleitoral na Câmara, deputada Margarethe Coelho (PP-PI).
Por que Lira sugere o semipresidencialismo
A movimentação de Arthur Lira e de defensores de mudanças no sistema presidencialista ocorre em meio a conflitos entre o presidente Jair Bolsonaro com integrantes de outros poderes. Na semana passada, Bolsonaro chamou o presidente do TSE de “idiota” e sugeriu que o Brasil pode não ter eleições em 2022. Antes ele já tinha disparado críticas contra três líderes da CPI da Covid: Renan Calheiros (“imbecil”), Omar Aziz (“hipócrita”) e Randolfe Rodrigues (“analfabeto”).
À CNN Brasil, o presidente da Câmara afirmou que era necessário “acalmar os ânimos”. “O debate está muito polarizado. Não defendo ativismo de poder nenhum, muito menos do Executivo e de seus ministérios agregados. A presidência da Câmara tem compromisso com a democracia, com as reformas, com a harmonia, com a governabilidade, mas não tem compromisso com nenhum tipo de ruptura institucional e democrática, com qualquer insurgência de boatos e manifestação desapropriada”, afirmou Lira.
Qual a chance do semipresidencialismo avançar?
Apesar de contar com o apoio do presidente da Câmara, as mudanças no sistema de governo do Brasil ainda não é unanimidade entre as principais bancadas do Congresso. Contudo, o tema já conta com sinalizações positivas dos presidentes do MDB e do PSD, por exemplo.
“Pessoalmente eu sou simpático à ideia, mas até o momento não há uma discussão sobre o sistema semipresidencilista encaminhada no MDB”, afirmou o presidente nacional do MDB, deputado Baleia Rossi (SP) ao jornal O Estado de São Paulo. Já o ex-ministro e presidente do PSD, Gilberto Kassab, afirma que, para a mudança avançar, será necessário reduzir o número de partidos no Brasil.
O tema, no entanto, tem enfrentado resistências por parte das bancadas de esquerda. Na avaliação do líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), não faz sentido discutir tal mudança neste momento. Já a líder do Psol, Talíria Petrone (RJ), argumenta que Lira não teria condições de avançar com as mudanças, pois ela enfrentaria resistências na bancada bolsonarista e que apoia o presidente da Câmara.
Na mesma linha, líderes do Centrão afirmam reservadamente que este assunto ainda está nas discussões preliminares e deve ficar de fora da reforma eleitoral, pois Lira ainda não teria apoio suficiente. Parte do entorno do presidente da Câmara sinaliza é mais uma medida de forças entre grupos que têm o Supremo Tribunal Federal de um lado e simpatizantes de Bolsonaro do outro.
Câmara aprova regulamentação de reforma tributária e rejeita parte das mudanças do Senado
Mesmo pagando emendas, governo deve aprovar só parte do pacote fiscal – e desidratado
Como o governo Lula conta com ajuda de Arthur Lira na reta final do ano
PF busca mais indícios contra Braga Netto para implicar Bolsonaro em suposto golpe
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF