O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defendeu recentemente que o Congresso discuta mudanças no sistema atual de governo do Brasil| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
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O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defendeu recentemente que o Congresso discuta mudanças no sistema atual de governo do Brasil com a justificativa de dar mais estabilidade para o Executivo. O modelo defendido por Lira é o semipresidencialismo, uma mistura do modelo presidencialista atual com a flexibilidade do parlamentarismo.

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De acordo com o presidente da Câmara, a possibilidade discutida é que o modelo entre em vigor a partir das eleições de 2026. “Todo presidente eleito depois da redemocratização teve pedidos de impeachment feitos. Uns aprovados, outros rejeitados. Já que estamos discutindo reformas eleitorais, que a gente já possa prever que em 2026 mude definitivamente esse sistema no Brasil. Em vez de presidencialismo, para semipresidencialismo ou parlamentarismo”, disse Lira em entrevista à CNN Brasil.

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Semipresidencialismo também é defendido por Barroso

Além de Lira, as mudanças contam com a simpatia do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, que já defendeu as mudanças publicamente. “Essa [modelo de semipresidencialismo] é a inovação que eu acho que nós devemos implementar no Brasil para 2026. Para que não haja mais nenhum interesse posto sob a mesa“, disse Barroso durante simpósio interdisciplinar sobre o sistema político brasileiro.

Barroso tem sido um dos ministros do Supremo Tribunal com mais embates públicos com o presidente Jair Bolsonaro.

O magistrado diz que defende mudanças no modelo de governo brasileiro desde 2006 e que a medida poderia estar em vigor no Brasil desde 2014. Para o ministro, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff causou “traumas” e que o processo não foi aberto por conta de crimes de responsabilidade.

“Creio que não deve haver dúvida razoável de que ela [Dilma Rousseff] não foi afastada por crimes de responsabilidade ou corrupção, mas sim foi afastada por perdas e sustentação política. Até porque afastá-la por corrupção depois do que se seguiu seria uma ironia da história“, completou o presidente do TSE.

Barroso foi indicado por Dilma ao STF em 2013.

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Semipresidencialismo e parlamentarismo já foram debatidos outras vezes

Mudanças no modelo presidencialista do Brasil já foram encampadas outras vezes, como entre os anos de 1995 e 2002, quando o país era governado por Fernando Henrique Cardoso. O PSDB, partido de FHC, é um dos principais entusiastas do parlamentarismo.

No contexto atual, Lira é responsável por analisar mais de 100 pedidos de impeachment contra Bolsonaro, está sob pressão dos partidos de oposição e abriu por conta própria o diálogo sobre as mudanças no sistema de governo com os parlamentares que discutem a reforma eleitoral e com nomes do Judiciário. Contudo, o tema ainda não seria de consenso dentro do Congresso.

O que é o parlamentarismo

Pelo sistema parlamentarista, o Legislativo passaria a escolher o chefe do Executivo. Nesse caso, o presidente da República não é o chefe de governo e é eleito indiretamente, a partir dos votos dos parlamentares. Os parlamentares, por sua vez, também podem ser eleitos em diferentes modelos, como a eleição proporcional, atualmente vigente no país, ou no voto distrital, ou distrital misto, por exemplo.

No parlamentarismo com a República como forma de governo, o presidente perde parte de suas funções. Em países com esse sistema, o presidente continua existindo, mas só como chefe de estado, ocupando uma função praticamente simbólica. É o caso, por exemplo, da Alemanha, onde o presidente tem a responsabilidade de indicar o chanceler, mas essa indicação é praticamente uma chancela da vontade dos parlamentares. É o chanceler quem, respaldado pelo parlamento, de fato exerce o poder no governo.

No parlamentarismo com monarquia como forma de governo, como no Reino Unido, a chefia de Estado é desempenhada por um monarca, atualmente a rainha Elizabeth II, mas este não cumpre o papel de governo. Nesse caso, os parlamentares eleitos pelos cidadãos elegem o chefe do governo, chamado primeiro-ministro.

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O que é o semipresidencialismo

O semipresidencialismo é uma derivação com características do parlamentarismo e presidencialismo. Nesse caso, além do presidente da República, que na maioria dos países que adotam esse modelo são eleitos pela população, existe a figura do primeiro-ministro, que é eleito pelo Congresso. Ambas as figuras dividem as funções do poder Executivo.

Geralmente, países semipresidencialistas têm presidentes da República atuando na política externa e na chefia das Forças Armadas, enquanto o primeiro-ministro tipicamente cuida das demandas internas e comanda o governo. Cada país, no entanto, costuma estabelecer papéis diferentes para os presidentes.

Na França, o presidente é eleito pelo voto direto e é responsável por coordenar a política externa, comanda as Forças Armadas e intervém em crises políticas.

Em Portugal, o presidente também é eleito diretamente pela população e pode dissolver o Legislativo, mas tem funções executivas mais limitadas do que o chefe de estado da França.

Defensor deste modelo, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), entregou para o presidente da Câmara, Arthur Lira, uma sugestão de semipresidencialismo com as mesmas características do adotado em Portugal. “Temos propostas e ideias que estão em discussão para que a gente construa um modelo ‘brasiliano’. A ideia é que tenhamos um presidente da República para ser chefe de Estado e que tenhamos um primeiro-ministro que possa ser substituído pelo Congresso em casos de crises de representatividade”, defende a relatora da reforma eleitoral na Câmara, deputada Margarethe Coelho (PP-PI).

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Por que Lira sugere o semipresidencialismo

A movimentação de Arthur Lira e de defensores de mudanças no sistema presidencialista ocorre em meio a conflitos entre o presidente Jair Bolsonaro com integrantes de outros poderes. Na semana passada, Bolsonaro chamou o presidente do TSE de “idiota” e sugeriu que o Brasil pode não ter eleições em 2022. Antes ele já tinha disparado críticas contra três líderes da CPI da Covid: Renan Calheiros (“imbecil”), Omar Aziz (“hipócrita”) e Randolfe Rodrigues (“analfabeto”).

À CNN Brasil, o presidente da Câmara afirmou que era necessário “acalmar os ânimos”. “O debate está muito polarizado. Não defendo ativismo de poder nenhum, muito menos do Executivo e de seus ministérios agregados. A presidência da Câmara tem compromisso com a democracia, com as reformas, com a harmonia, com a governabilidade, mas não tem compromisso com nenhum tipo de ruptura institucional e democrática, com qualquer insurgência de boatos e manifestação desapropriada”, afirmou Lira.

Qual a chance do semipresidencialismo avançar?

Apesar de contar com o apoio do presidente da Câmara, as mudanças no sistema de governo do Brasil ainda não é unanimidade entre as principais bancadas do Congresso. Contudo, o tema já conta com sinalizações positivas dos presidentes do MDB e do PSD, por exemplo.

“Pessoalmente eu sou simpático à ideia, mas até o momento não há uma discussão sobre o sistema semipresidencilista encaminhada no MDB”, afirmou o presidente nacional do MDB, deputado Baleia Rossi (SP) ao jornal O Estado de São Paulo. Já o ex-ministro e presidente do PSD, Gilberto Kassab, afirma que, para a mudança avançar, será necessário reduzir o número de partidos no Brasil.

O tema, no entanto, tem enfrentado resistências por parte das bancadas de esquerda. Na avaliação do líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), não faz sentido discutir tal mudança neste momento. Já a líder do Psol, Talíria Petrone (RJ), argumenta que Lira não teria condições de avançar com as mudanças, pois ela enfrentaria resistências na bancada bolsonarista e que apoia o presidente da Câmara.

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Na mesma linha, líderes do Centrão afirmam reservadamente que este assunto ainda está nas discussões preliminares e deve ficar de fora da reforma eleitoral, pois Lira ainda não teria apoio suficiente. Parte do entorno do presidente da Câmara sinaliza é mais uma medida de forças entre grupos que têm o Supremo Tribunal Federal de um lado e simpatizantes de Bolsonaro do outro.