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Congresso empoderado

Semipresidencialismo sobe mais um degrau em 2024 e desafia Lula

Lula Lira
Presidente Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL): transferência de poder do Executivo para o Congresso segue novas etapas em 2024. (Foto: Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto)

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Ao longo dos últimos sete anos, gradual e silenciosamente, o Brasil reformou o seu sistema de governo, sem que o povo fosse avisado, muito menos chamado a escolher, a exemplo do plebiscito ocorrido em 1993. Do presidencialismo com predicados parlamentaristas que ficaram impregnados na Constituição de 1988, o país está evoluindo para um semipresidencialismo, cada vez mais evidente em razão do avanço do Congresso sobre áreas de competência do Executivo, sobretudo na gestão das verbas federais definidas pelo Orçamento da União.

Um dos mais notórios sintomas colaterais da consagração desse informal sistema semipresidencialista, que subirá mais um importante degrau em 2024, é o esvaziamento das medidas provisórias. O instrumento cada vez gera menor impacto. Para completar o novo ambiente institucional e de poder, até mesmo a agenda propositiva liderada pelo Executivo (particularmente a de reformas estruturais) passou a ter o Parlamento como o protagonista.

Nesse processo de radical transformação da dinâmica do poder, o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), defrontou-se com uma realidade bem diferente no seu terceiro mandato, se comparada a seus dois primeiros. Ele até tentou em vão reverter o acelerado processo de enfraquecimento do cargo, por meio de posturas combativas e discursos ainda em tom eleitoral.

Antes mesmo de tomar posse, Lula conseguiu que o Supremo Tribunal Federal (STF) sepultasse as emendas do relator, mais conhecidas como orçamento secreto. Mas os deputados e senadores logo encontraram novos meios de redistribuir as verbas sob o seu controle.

No primeiro ano de sua atual gestão, Lula acreditava ter a habilidade pessoal para retomar as rédeas do presidencialismo, mas acabou sendo atropelado por novos avanços. Também precisou ceder em alguns pontos para não ter a sua governabilidade totalmente inviabilizada. Até mesmo a configuração da Esplanada dos Ministérios foi alterada pelo Legislativo no prazo de vigência de sua primeira medida provisória, no fim de maio. Por muito pouco, Lula não teve de voltar à estrutura ministerial do governo anterior, tendo de demitir 14 dos 37 ministros do governo.

O perfil conservador e de centro-direita da Câmara dos Deputados também conseguiu confrontar a agenda econômica estatizante do governo petista, que tentou anular a modernização regulatória do Marco do Saneamento, a privatização da Eletrobras e a independência do Banco Central. A reação do Congresso pode até avançar em 2024 com a realização da Reforma Administrativa.

Cronograma para pagamento de emendas pode enfraquecer Executivo

Essa implantação gradual de "novo sistema de governo" ainda não acabou e terá importante capítulo em 2024. Há uma batalha em andamento, entre Executivo e Legislativo, sobre um calendário de pagamentos de emendas parlamentares no primeiro semestre do ano. A proposta foi inserida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) pelos deputados e senadores, mas foi vetada por Lula, assim como a determinação para que os cortes de despesas sejam divididos entre Legislativo e Executivo em caso de contingenciamento, se o governo descumprir a meta de déficit fiscal zero.

Se o veto de Lula for derrubado, como prometem os congressistas, o Executivo terá mais dificuldade para barganhar, como fez no decorrer do ano passado ao liberar emendas somente próximo a votações de seu interesse. Além disso, os cortes de despesas não sairiam apenas dos projetos dos parlamentares, mas também dos programas do governo.

Soma-se a isso a conclusão de um levantamento da consultoria Action Relações Governamentais que aponta para a perda de relevância das Medidas Provisórias (MPs), que costumavam ser uma maneira de os presidentes da República influenciarem o Congresso. No primeiro ano do mandato Lula 3, apenas 28,57% das MPs editadas foram aprovadas, enquanto 71,43% perderam eficácia após o prazo máximo de 120 dias, em meio à disputa entre Câmara e Senado em torno do comando das comissões mistas dessas matérias.

Ao contrário de outras propostas legislativas, as MPs têm vigência imediata, mas perdem validade se não forem convertidas em lei pelo Congresso em até 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias. O estudo da Action aponta queda mais acentuada na aprovação de MPs desde o governo Michel Temer (MDB), invertendo a lógica anterior de cerca de 80% de aprovação. A diminuição da relevância das medidas provisórias reflete o fortalecimento do Legislativo nos últimos anos, que agora detém controle sobre a pauta e o Orçamento. Em meio a essa situação, o governo tem priorizado o envio de projetos de lei (PL) em detrimento das medidas provisórias.

Para João Henrique Hummel, diretor-executivo da Action, o Congresso está passando por "uma revolução", assumindo a responsabilidade de discutir políticas públicas, além de representar a população. O fortalecimento do Congresso é evidenciado não só na questão das MPs, mas também na votação de vetos presidenciais, onde quase 40% são derrubados, destacando o papel central do Congresso na tomada de decisões.

Para tentar reverter esse cenário, o governo Lula tem recorrido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para fazer valer seus vetos por decisão judicial.

Protagonismo do Congresso desafia o sistema de governo

Políticos próximos a Lula e líderes do PT expressaram incômodo de vivenciar algo semelhante ao parlamentarismo. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), até cometeu uma gafe: afirmou no início de dezembro que o país tem regime semipresidencialista desde a Constituição de 1988. O regime que combina aspectos do presidencialismo e do parlamentarismo explicaria, segundo o parlamentar, a grande influência atual do Congresso sobre o governo.

Na conferência eleitoral do PT, realizada no início de dezembro em Brasília, a presidente nacional da legenda, deputada Gleisi Hoffmann (PR), mostrou contrariedade com o aumento no valor das emendas parlamentares, além das pressões do Centrão para controlar ainda mais fatias do Orçamento da União, além da cobrança por mais cargos em ministérios e estatais. Segundo ela, se Lula perder popularidade, corre risco de o Congresso “engoli-lo”.

O ex-ministro da Justiça e futuro membro do STF, Flávio Dino, declarou no início de novembro que o país precisa reavaliar o sistema de governo devido ao aumento do poder do Congresso. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), gosta de enaltecer o “protagonismo” parlamentar, o que Dino chama de “parlamentarização” da política, em desfavor do presidencialismo. O ex-ministro propõe a realização de plebiscito em 2030 sobre o sistema de governo, levando em conta eventual reeleição de Lula em 2026.

Em 1993, a maioria dos eleitores (69,2%) escolheu o presidencialismo em vez do parlamentarismo. No período republicano, o Brasil só teve uma breve experiência parlamentarista, entre 1961 e 1963, durante o governo do ex-presidente João Goulart. Ela foi interrompida pelo “não” de 77% dos eleitores em referendo.

Enquanto isso, há propostas em tramitação no Congresso para implantar oficialmente o híbrido semipresidencialismo, que ganhou força desde o governo de Michel Temer e tem em Arthur Lima seu maior entusiasta.

Especialista sugere transição rumo ao semipresidencialismo

Georges Abboud, professor de Direito Constitucional na PUC-SP, enfatiza que a essência da questão sobre a adoção, informal ou não, de novo sistema de governo nem sempre reside no tipo específico dele, mas sim na “cultura política do Estado”. Neste sentido, o Brasil mantém sistema presidencialista há 35 anos, confirmado por plebiscito, mas a consulta pública não encerrou o debate. “É benéfico discutir os prós e contras de outros sistemas e as mudanças que sofreram ao longo do tempo”, disse.

Abboud também sublinha que o presidencialismo brasileiro não se manteve inalterado desde 1988, passando por fases ditadas por mudanças sociais e decisões do Supremo Tribunal Federal, como o fim do financiamento privado de campanhas. O professor também enfatiza que qualquer alteração no sistema de governo deve respeitar cláusulas pétreas e uma transição para evitar desequilíbrios institucionais. “Escolhas políticas refletem tentativas de resolver problemas, mas projetam outros”, pondera.

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